Acórdão nº 3172-12.8TBALM.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

Relatório: J... e M..., casados entre si, residentes ... vieram intentar a presente acção declarativa, sob a forma comum de processo contra J..., falecida na pendência da acção e substituída pela sua herdeira habilitada e 2ª ré, A..., casada, residente em ..., a 3ª Ré S... Lda, com sede em ..., e a 4ª Ré, A..., residente em ..., peticionando que: a)Se declare a nulidade das vendas realizadas pela 1ª e 2ª rés a favor da 3ª ré e desta a favor da 4ª ré e se cancelem os respectivos registos aquisitivos.

b)Se condenem as rés, a título solidário, no pagamento de uma indemnização por danos morais de valor não inferior a €10.000,00.

Subsidiariamente, para o caso de se provar a boa-fé de alguma das Rés, c)se condenem as primeiras Rés a pagar uma indemnização pelos prejuízos causados de valor não inferior a €100.000,00 ou no valor que se vier a apurar ser o do lote de terreno em 2012, não inferior a €56.000,00.

d)Se condenem as primeiras Rés no pagamento de uma indemnização por danos morais no valor de €10.000,00.

Alegaram, em síntese, que adquiriram à 1ª ré e respectivo marido, já falecido, em 1988, por escritura pública de compra e venda, um lote de terreno sito nos limites de Tires, São Domingos de Rana, tendo pago o respectivo preço, porém, não procedendo ao registo do direito de propriedade a seu favor.

Em 2012 tomaram conhecimento que a 1ª e 2ª Rés venderam à 3ª Ré o mesmo imóvel e que no mesmo dia, a 3ª Ré o vendeu à 4 ª Ré.

O lote de terreno foi vendido por menos de metade do valor de mercado, o que inculca que tanto a 3ª Ré como a 4ª Ré sabiam que estavam a lesar terceiros, estando ambas de má-fé.

Após ter conhecimento desses factos, o autor marido caiu numa profunda depressão, recusando-se a sair de casa, uma vez que sentiu que tinha perdido o trabalho de uma vida.

Por ordem de contestações, contestou a 2ª Ré alegando desconhecer a venda anterior aos autores e invocando que o seu pai chamava a si a condução de todos os negócios da família, pelo que após o óbito daquele, tendo ela e a sua mãe constatado que o imóvel estava no acervo da herança, procederam à sua venda.

Contestou a 3ª Ré, invocando ignorar a venda anterior e afirmando a sua boa-fé no negócio.

Contestou a 4ª Ré, aduzindo também a sua boa-fé e impugnando o valor que os autores atribuem ao imóvel.

Contestou a 1ª Ré, invocando estar na posse pública, pacífica e titulada do imóvel desde Outubro de 1973, e formulando o seguinte pedido reconvencional: a)Reconhecimento da aquisição do imóvel por usucapião, por decurso do respectivo prazo em 14 de Dezembro de 2011.

b)Declaração da validade da transmissão da propriedade do mesmo imóvel, por óbito do seu marido, para ela e para a 2ª ré.

c)Declaração da validade da venda a favor da 3ª ré e dos negócios jurídicos subsequentes com o mesmo objecto.

d)Subsidiariamente, condenação dos autores a pagar-lhe as quantias que despendeu com o imóvel, quantificadas em €7.970,37.

Responderam os AA. e designadamente quanto à reconvenção, invocando a final a compensação, na eventualidade de terem de indemnizar a 2ª Ré.

Por despacho de 3.9.2015 determinou-se o registo da acção, que se mostra efectuado, com data de apresentação de 11.9.2015. Foi liminarmente admitido o pedido reconvencional e dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da acção em €66.000,00 e proferido despacho saneador tabelar, definido o objecto do litígio e consignada a matéria assente, e indicados os seguintes temas de prova: “1º-Quando subscreveram o escrito referido na alínea F) a falecida J... e a ré A... tinham consciência que estavam a vender um terreno que tinha sido vendido aos autores.

  1. -Na data desse escrito o referido terreno tinha um valor de mercado não inferior a cem mil euros, o que J... e a ré A... sabiam.

  2. -Ainda na mesma data, a ré S..., Lda tinha consciência que o preço de €41.000,00 era muito inferior ao valor real do terreno e que ao declarar comprar esse terreno estava a prejudicar alguém.

  3. -A ré A... sabia que o preço de €56.000,00 era pouco superior a metade do valor real do mesmo terreno e que ao declarar comprar esse terreno estava a prejudicar alguém.

  4. -Ao tomar conhecimento dos factos referidos nas alíneas F) e G) o autor J... caiu em depressão, recusando-se a sair de casa.

  5. -O autor ficou mais revoltado e frustrado quando, no dia 19 de Abril de 2012, na sua presença, J... admitiu que tinha a consciência, quando subscreveu o escrito referido na alínea F), de que o terreno tinha sido anteriormente vendido aos autores e afirmou que não tinha dinheiro para resolver a situação e que o autor não pensasse que ia receber qualquer dinheiro.

  6. -A ré A... desconhecia que tinha sido efectuada a venda referida na alínea C).

  7. -J... assinou a escritura pública referida na alínea C) “de cruz” por confiar plenamente no seu marido, sem ter consciência de que estava a vender o imóvel e na data do escrito referido em F) já não se recordava de ter assinado essa escritura.

  8. -A ré S... ignorava a venda referida na alínea C).

  9. - A ré A... teve conhecimento de que o terreno se encontrava à venda através de um anúncio colocado pela “C...” e por consulta na internet, em finais de 2011.

  10. -A mesma reside no lote adjacente a esse terreno e nunca a comissão de moradores que promoveu o loteamento dessa área, nem os moradores da mesma área, tiveram conhecimento de que o lote 60 havia sido vendido aos autores.

  11. -Desde 1973 até 20 de Fevereiro de 2012 J... e o seu falecido marido (até ao seu decesso) deslocaram-se, por várias vezes, ao referido lote, delimitaram-no e vedaram-no por várias vezes, contactaram reiteradamente a comissão de moradores e foram contactados por esta, pagaram os encargos relativos a infra-estruturas e arruamentos, bem como a contribuição autárquica e depois o imposto municipal sobre imóveis.

  12. -A comissão de moradores, os amigos e os vizinhos sempre consideraram J... e marido como os únicos proprietários do mesmo lote.

  13. -Depois do óbito de F..., J... e a ré A... celebraram um contrato de mediação imobiliária com vista à venda desse lote.

  14. -J... e o seu falecido marido praticaram os actos referidos no artº 12º à frente de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente, dos autores.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após a qual foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Face ao exposto, decide-se: I.Julgar integralmente improcedentes os pedidos formulados a título principal pelos autores J... e M... contra os réus A..., S... LDA e A..., dos mesmos absolvendo estes.

II.

Julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados a título subsidiário pelos autores J... e M... contra a ré A... e, em consequência, condenar essa ré a pagar -lhes: a)A quantia de Euros 56.000,00 (cinquenta e seis mil euros).

b)O montante de Euros 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de compensação por danos não patrimoniais.

III.Julgar, na restante parte, improcedentes os pedidos subsidiários formulados pelos autores e dos mesmos absolver a referida ré.

IV.Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional da ré A... e, por consequência, condenar os reconvindos J... e M... a pagar-lhe a quantia de Euros 1.800,90 (mil e oitocentos euros e noventa cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde 2 de Abril de 2013 até integral pagamento.

V.Julgar, na restante parte, improcedente o pedido reconvencional da ré A....

As custas da acção ficarão a cargo dos autores e da ré A..., na proporção de 13% para os primeiros e 87% para a segunda, sem prejuízo do apoio judiciário de que todos beneficiam [artº 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].

Notifique.

Registe”.

Inconformados, interpuseram os Autores o presente recurso formulando a final as seguintes conclusões: 1.O presente Recurso versa matéria de facto e de direito, porquanto os Apelantes não se conformam com a decisão de facto do Tribunal a quo relativamente aos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 13.º dos Temas da Prova, nem com a decisão de direito que excluiu in casu a hipótese de extinção da dívida dos Apelantes perante a 2.ª Apelada por compensação com o crédito de que aqueles são titulares sobre esta.

  1. No que concerne à impugnação da matéria de facto, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo que, na Sentença em crise, concluiu que o imóvel dos autos teria um valor de mercado, em 20 de Fevereiro de 2012, de € 56.000,00, consideram os aqui Apelantes que resultou provado que, na referida data, o imóvel tinha um valor de mercado não inferior a 100.000,00 euros.

  2. Com efeito, em sede de Petição Inicial, os Apelantes juntaram como documento n.º 7, a fls. 48 a 57 dos autos, um relatório de avaliação relativo ao lote de terreno em discussão, elaborado pelo Perito Avaliador A..., Associado n.º 369 da Associação Nacional de Avaliadores.

  3. Perito Avaliador que demonstrou, quando inquirido em audiência de julgamento, ter grande conhecimento da zona onde se situa o lote de terreno dos autos, porquanto, não só tem feito muitas avaliações de terrenos nessa zona, como também legalizações de construções e empreitadas de construção no Bairro 16 de Novembro, em Tires, na freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais.

  4. Mais esclareceu o Perito Avaliador que o dito relatório está datado de Abril de 2011, mas tal data tratar-se-ia de manifesto lapso de escrita, pois a data correcta era Abril de 2012.

  5. De acordo com o sobredito relatório de avaliação a fls. 48 a 57, o lote de terreno dos autos tem a área de 459 m2, configurando um rectângulo com uma frente de cerca de 27 metros e uma profundidade de cerca de 17 metros, prevendo o respectivo Alvará de Loteamento a construção de uma moradia com 254,50 m2 de área em dois pisos mais cave.

  6. Disse ainda o Perito Avaliador que o lote de terreno em causa situa-se na principal via de entrada no Bairro 16 de Novembro, dispondo de todas as infra-estruturas e estando próximo do acesso a...

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