Acórdão nº 244/11.0TELSB-G.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Nos autos de inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, com o 244/11.0TELSB, na sequência de requerimento apresentado por (…), através do qual pretendiam que fosse levantada a apreensão dos bens determinada pelo Ministério Público a fls. 4438, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho: (transcrição) “Fls. 4881 – 4886 c/ refª a fls. 4858 a 4865 e ao despacho exarado pelo detentor da ação penal, de 18/12/15, a fls.4413 e seguintes.

Corroboro o decidido pelo MPº, em sede de fundamentos de facto e de direito do despacho de apreensão dos bens indicados, incluindo as explicitações agora feitas no despacho igualmente assinado pelos Srs. Procuradores da República.

Dou-os por reproduzidos e arrimo-me aos seus fundamentos para indeferir o levantamento da apreensão, que mantenho ao amparo do artº 178º do CPP.

Notifique. Cumprido, à PGR/DCIAP”. (fim de transcrição) *** Não se conformando com a referida decisão, dela vieram interpor recurso os requerentes, nos termos constantes de fls. 5111 a 5142, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O douto despacho impugnado afronta, com ostensiva fraude à lei, o caso julgado que se formou sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido neste processo no dia 19 de novembro de 2015, que revogou o arresto dos bens dos Recorrentes agora apreendidos, e que declarou inexistirem factos que constituam indícios dos crimes que lhes são imputados e, bem assim, factos suscetíveis de integrar o justo receio de perda ou descaminho daqueles bens.

  1. Os factos invocados para justificar a apreensão agora impugnada são os mesmos que serviram de fundamento ao arresto revogado por aquele douto acórdão.

  2. São, por outro lado, os mesmos os indícios probatórios aduzidos nos respetivos despachos.

  3. Ademais, todos os indícios e meios de prova que sustentam o despacho de apreensão já existiam e eram do conhecimento do processo à data em que foi decretado o arresto e, por maioria de razão, à data em que foi decidida e executada a apreensão.

  4. Não se alterou, portanto e muito menos em desfavor dos Recorrentes, o quadro factual e indiciário que enformou as duas medidas.

  5. Daí que seja ostensiva a violação do caso julgado.

  6. Acresce, e reforça a violação de caso julgado, que o douto despacho sub judice não associa a esta apreensão um único facto, razão ou argumento que permita enquadrar a medida como meio de obtenção de prova, sendo absolutamente omisso a tal respeito.

  7. Limita-se a adstringir à medida um escopo de preservação de bens, de acautelar o seu eventual e futuro confisco como (supostas) vantagens de (supostos) crimes, 9. sendo omisso quanto a factos de onde possa inferir-se um (já declarado inexistente pelo Tribunal da Relação) perigo de desaparecimento, dissipação ou ocultação dos bens apreendidos.

  8. Com tal sentido e finalidade, a decisão implica uma interpretação extensiva e/ou analógica do artº 178º, contrária à sua letra e inserção sistemática.

  9. Uma interpretação que permite que a apreensão, com meras finalidades patrimoniais e de garantia, seja executada – com possíveis danos irreparáveis, a partir da mera suspeita de um crime –, inclusive por um simples órgão de polícia criminal, sem prévio controlo de qualquer autoridade judiciária.

  10. E com um controlo judiciário subsequente num prazo que vem sendo considerado meramente ordenador, logo, ineficaz para prevenir e esconjurar danos irreversíveis.

  11. A apreensão regulada no artº 178º CPP não é admissível senão enquanto meio de obtenção de prova.

  12. Quando muito, será admissível, verificado esse requisito, também como meio de preservação de bens representativos de vantagens do crime, sujeitos a futuro e eventual confisco, desde que se verifique, através de factos concretos, o justo receio da sua perda, dissipação ou desaparecimento, 15. condição esta última que nem se verifica neste caso concreto nem foi sequer invocada pelo douto despacho em mérito.

  13. O artº 178º do CPP, na interpretação adotada, que permite a apreensão de bens desligada de finalidades probatórias (que pode, inclusive, ser decidida e executada por órgãos de polícia criminal, sem prévio controlo de uma autoridade judiciária, com um controlo posterior sujeito a um prazo ordenador e que não esconjura danos irreparáveis ao património do interessado), servindo o escopo de mera cautela de eventual e futuro confisco de vantagens do crime, sem necessidade de verificação do perigo concreto de ocultação, dissipação ou desaparecimento dos bens, afronta e ofende, sem proporcionalidade, adequação nem justificação, a garantia do direito à propriedade dos bens prevista no artº 62º CRP e o princípio estabelecido no artº 18º do mesmo diploma, sendo, portanto, inconstitucional.

    TERMOS EM QUE, revogando o douto despacho impugnado, farão Vossas Excelências a habitual J U S T I Ç A ! (fim de transcrição) *** O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls. 5284 a 5306 daqueles autos concluindo, nos seguintes termos: (transcrição) I – Os Recorrentes não discutem um único indício do que está ou deixa de estar nos autos.

    II – A prova existente é passível de revelar o envolvimento do arguido A... em processos de concessão fraudulenta de crédito, no período de tempo em que exerceu funções de Presidente da Comissão Executiva do BESA, valores cujo destino final são contas de que é titular, de que são titulares familiares seus, e entidades ao serviço dos interesses patrimoniais de todos.

    III – A prova existente é também passível de revelar a celebração de negócios imobiliários, com responsabilidade do arguido A..., em conflito de interesses, e com resultados, também eles fraudulentos.

    IV – É o caso de prova documental, como atas de reuniões em que estes assuntos foram debatidos, correspondência trocada a propósito destes assuntos, entre o arguido e elementos que assistiram a tais reuniões, bem como dos depoimentos que foram prestados.

    V – Investiga-se a apropriação indevida, própria e para terceiros, de mais de 500 milhões de dólares americanos, montante que integra valores colocados ao dispor das referidas funções do arguido, em contas bancárias abertas em Portugal, e de onde saíram também com destino à Suíça, para contas da titularidade do arguido e de sociedades que existem no seu interesse.

    VI – Indiciando-se a autoria de crimes de abuso de confiança qualificado pelo valor e de burla qualificada, também pelo valor.

    VII – No contexto temporal desses factos o arguido, os seus familiares e a G..., sociedade que funciona no interesse do primeiro, adquiriram património imobiliário em Portugal em termos que justificam a suspeita de se tratarem de bens adquiridos com diluição das verbas conseguidas com a prática dos assinalados ilícitos, para efeitos de branqueamento, p. e p. pelo disposto nos arts. 368ºA do Código Penal.

    VIII - A prova a que se faz referência está documentada no processo após a decisão de arresto que foi revogada por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.11.2015.

    IX - Esta decisão do Tribunal superior considerou que não é admissível a renovação de arrestos no âmbito de um mesmo processo-crime, em que se procede desde o início por crime de branqueamento de capitais, quando Tribunal, também superior, invalidou os antecedentemente decretados.

    X - Essa decisão considerou que não existem quaisquer elementos que indiciem a prática de qualquer crime precedente a crime de branqueamento, ou que existam factos que concretizem o risco de dissipação de património que se visou garantir com o arresto.

    XI - O arresto, enquanto medida de garantia patrimonial, não se confunde com a apreensão enquanto medida consagrada no art.º 178º do Código de Processo Penal.

    XII - O primeiro pode ser esgrimido, como o revogado o foi, contra património lícito que integre a esfera jurídica do responsável por uma eventual decisão de perda de bens associados à prática de crime.

    XIII - O que não acontece com a apreensão, prevista no art.º 178º do Código de Processo Penal, que apenas pode abranger bens que constituam o objecto, o produto ou a vantagem de um crime, como sucede com a que foi decretada e confirmada pelo Despacho recorrido.

    XIV - Não é possível no alcance possível das palavras da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 19.11.2015, que revogou a decisão de arresto de bens imóveis, concluir-se que, de direito aplicável e direito aplicado, assumiu esse Tribunal superior que o património do arguido e demais suspeitos nestes autos está à margem de qualquer reação processual penal legalmente devida.

    XV - A realidade indiciária destes autos não é passível de fixação por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto o inquérito não atingir o seu termo.

    XVI - E enquanto decorre a investigação, flui da natureza das coisas que os indícios se possam alterar no sentido do seu reforço, como sucede no processo. Ao fim e ao cabo é essa a razão de ser legal do inquérito, nos termos do disposto no art.º 262º do Código de Processo Penal, sob pena de todos andarmos a brincar com inutilidades.

    XVII - Procedendo a investigação pela prática de branqueamento, as autoridades judiciárias portuguesas estão vinculadas, nos termos do disposto no art.º 8º da Constituição da República Portuguesa, a decidirem em conformidade com compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado Português.

    XVIII - É o caso da Convenção de Varsóvia, do Conselho da Europa, relativa ao Branqueamento, Detecção e Perda dos Produtos do Crime e Financiamento do Terrorismo, aprovada por Resolução da AR n.º 82/2009, designadamente o disposto nos arts. 1º, al. a), c) e g), art.ºs 3, 4º e 5º, publicada em DR de 27.08 e Decisão Quadro n.º 203/577/JAI que têm que conformar o disposto, designadamente, no art.º...

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