Acórdão nº 941/14.8TAFUN.L1.-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | A. AUGUSTO LOUREN |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO: No âmbito do processo nº 941/14.8TAFUN, que corre termos no Tribunal de Instrução Criminal do Funchal, decidiu a Srª Juiz “a quo”pronunciar a arguida, Carla B… H…,pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artº 249º nº 1 al. c) do cód. penal, nos termos constantes do despacho de fls. 270 a 281, que se transcreve: DECISÃO INSTRUTÓRIA.
Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente à denúncia apresentada por João C... de F... C... na qual imputava a Carla B… H…. a prática de factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de subtracção de menor, p. c p. pelo art, 249º do Código Penal.
Por discordar do teor do referido despacho, João C… de F… C… constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução, nos termos do disposto no art. 287º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos por considerar que dos mesmos resultam indícios de que a arguida abandonou o País com a filha menor de ambos em busca de melhores condições de vida, mas tal facto resulta apenas do depoimento da mãe da arguida que, simultaneamente, afirmou desconhecer o seu paradeiro.
Entende que, mesmo que se considerasse indiciado que "o que determinou a saída da Denunciada C… H… da RAM foi a sua situação de desemprego e a busca de uma perspectiva profissional e novas condições de vida", esta conduta não pode ser considerada justificada e, consequentemente, lícita, pois uma coisa é a progenitora querer procurar emprego fora do País. o que se concede em tese, outra coisa é a progenitora abandonar o país com a sua filha menor, sem pré-aviso, e permanecer em parte incerta, até o dia de hoje, impossibilitando qualquer contacto elo pai com a sua filha, durante anos.
Refere não entender como é possível considerar "censurável", mas justificada, a ruptura total do relacionamento entre si e a sua filha menor por a arguida ter, alegadamente, fixado o seu domicílio profissional noutro país, tanto mais que em nenhuma parte do inquérito se demonstrou o fundamento lógico, racional e perceptível, elo rompimento abrupto de qualquer ligação entre pai e filha, imposto pela arguida.
Menciona que, ao contrário do explanado pelo Ministério Público, o comportamento ela arguida não se resume ao "silêncio e à abstenção" tratando-se, antes, da imposição de um obstáculo a qualquer contacto.
Mais alega que, sem conhecer o paradeiro da arguida nem pode requerer a alteração do acordo estabelecido quanto ao exercício do poder paternal e das responsabilidades parentais - o que já tentou - precisamente por não se conseguir notificar aquela e encontra-se completamente impossibilitado, quer de cumprir com o regime de visitas estipulado, quer de requerer a alteração da regulação de responsabilidades parentais por impossibilidade de notificação da aqui arguida.
Afirma ainda que a arguida tinha todos os contactos úteis do progenitor da menor, à data em que abandonou o País e a própria menor tinha consigo um telemóvel que utilizava só para estar em contacto com o pai, tendo, esse telemóvel sido desligado a partir da data do abandono do país.
Considera que a arguida agiu com clara intenção de impedir a menor de comunicar com o Ofendido, não chegando, sequer, a informar a própria mãe, avó da menor, do seu paradeiro, alegando que era para sua segurança e com a sua conduta impôs à relação que tinha com a sua filha, uma ruptura idêntica à que sofrera a relação entre os progenitores, fazendo-o por pura vingança e demonstração de poder e não por necessidade económico-financeiras, consciente de que violava a lei e o acordo sobre o regime das responsabilidades parentais.
Entende ainda que a arguida, a partir de determinada altura, a Denunciada terá estado cm condições ele perceber a "maldade" criminal da sua acção, pois não se limitou a abandonar o país sem pré-aviso mas aí se manteve, até os dias de hoje, sem comunicar o lugar onde se encontra a Beatriz, tratou de desligar o telemóvel que a menor usava para estar em contacto com pai e bloqueou o acesso deste ao facebook da filha, sem qualquer justificação para tal.
Requereu a pronúncia da arguida pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art. 249º nº 1 do Código Penal.
* No decorrer da instrução, foi inquirida a testemunha indicada pelo assistente. Foram analisados os documentos juntos.
Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal.
* O tribunal é competente.
Não existem nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
* Segundo o disposto no artº 286º nº 1 do Código de Processo Penal, "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento".
O artº 283º, nº 2, ex vi artº 308º, nº 2 do Código de Processo Penal, estipula que "consideram-se suficientes os indícios. sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança" .
Sobre este conceito legal escreve o Prof. Figueiredo Dias - os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. Acrescenta este autor que logo se compreende que a falta delas (provas") não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um "non liquet" na questão da prova..., tem de ser sempre valorado a favor do arguido. - Direito Processual Penal. 1º, 1974, 133, citado no Ac. da Rel. ele Coimbra, de 31.3.93, in C. J. T. II, p. 65.
Na jurisprudência, a interpretação desse conceito é resumida pela Relação de Coimbra, (Ac. da Rel. de Coimbra, de 31.3.93, in C.J., T.II) p. 65) da seguinte forma - para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que é imputado.
Neste sentido se pronunciou o S.T.J. (Ac. de 10.12.92, citado no Código de Processo Penal Anotado, de Manuel Silva Santos e outros, Ed. de 1996. p. 131), que definiu "indiciação suficiente" como aquela que resulta da verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção porque os agentes virão a responder.
Deve assim o juiz de instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, consequentemente, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.
O assistente requereu a pronúncia da arguida pela prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art. 249º nº 1 do Código Penal.
Nos termos do referido preceito, quem, subtrair menor (alínea a); por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir (alínea b); ou de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento (alínea c) é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena ele multa até 240 dias.
Dos documentos juntos aos autos (cfr. fls. 103 a 112) resulta que, por sentença proferida em 11 de Dezembro de 2007 pelo Tribunal de Família e de Menores elo Funchal foi homologado o acordo de Regulação do Poder Paternal relativo à menor Beatriz H... C..., nascida em 9 ele Outubro ele 2002 e filha de João C… F… C… e Carla B... H… nos termos do qual, e no que aos autos interessa: - "-A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal: -O pai poderá estar na companhia ela sua filha sempre que quiser e puder, sem prejuízo das horas ele descanso e das actividades escolares da menor, mediante contacto prévio C0111 a requerida e em termos a combinar entre si: -Duas vezes por mês, o pai vai buscar a menor a casa da mãe, no sábado à tarde, a partir das 18:15 horas, passando a menor a noite com o pai, devendo entregar a filha ao fim da tarde de domingo, até às 18:00 horas, no mesmo local.
-A menor passará com cada um dos progenitores e de forma alternada, as vésperas de Natal e os dias de Natal de cada ano, (...) A menor passará com cada um dos progenitores e deforma alternada, as vésperas de Ano Novo e os dias de Ano Novo de cada ano, (...) No Domingo de Páscoa de cada ano, a menor tomará uma refeição com cada um dos progenitores, almoçando com um e jantando com o outro e, em termos a combinar entre si. (...) A menor passará os dias de aniversário dos pais com os mesmos, devendo o progenitor aniversariante tomar providencias no sentido de ter o menor na sua companhia. O dia de aniversário da menor será passado de forma alternada com cada um dos progenitores, almoçando com a mãe e jantando com o pai e vice-versa e, em termos a combinar entre os progenitores. (...) No mês de Agosto de cada ano, cada progenitor terá o direito a passar 15 dias seguidos na companhia da filha menor, em períodos a combinar entre si. (...).
Desses documentos resulta ainda que por sentença proferida em 9 de Maio de 2012, pelo mesmo Tribunal, foi homologado o acordo subsequente a incumprimento das responsabilidades parentais relativo à mesma menor, nos termos do qual: -“O pai poderá estar com a filha quinzenalmente, compreendido o período de fim-de-semana, das 10:00 horas de sábado: até às 20:00 horas de domingo, comprometendo-se o...
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