Acórdão nº 1/16.7YUSTR.L1--3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRA
Data da Resolução11 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

*** I–Relatório: Proferida que foi decisão interlocutória, no âmbito de recurso interposto pelo Banco X, S.A. que determinou a anulação da decisão proferida, pelo Conselho de Administração da Autoridade da Concorrência, em 17/11/2015, e dos demais termos do processado subsequente, na parte em que permitiu às demais visadas o acesso incondicional e irrestrito aos documentos apreendidos ao Banco X. S.A., classificados como confidenciais e não invocados pela AdC como prova na nota de ilicitude, sem qualquer exigência quanto à fundamentação do pedido de consulta, veio a Autoridade da Concorrência, a 25/02/2016, recorrer da mesma, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «A.O presente Recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que apreciou a legalidade da Deliberação de 17 de novembro de 2015 adotada pelo Conselho da AdC, nos termos da qual se tomou a decisão de deferir o acesso apenas aos mandatários e assessores económicos das Visadas aos documentos classificados confidenciais pelas mesmas e não utilizados como meio de prova para a imputação, exclusivamente para o exercício de direitos de defesa.

B.O Tribunal a quo entendeu que a referida Deliberação de 17 de novembro de 2015 é “ilegal por violação do dever de acautelar o interesse da Recorrente na não divulgação dos seus segredos de negócio previsto no art. 30°, n.° 1 do NRJC." C.Entende, todavia, a AdC que tal conclusão decorre de uma errada interpretação e aplicação do n.° 1 do artigo 30.° da Lei da Concorrência.

D.Para efeitos de apreciação de tal questão é imperativo atentar ao disposto no n.° 1 do artigo 30.° da Lei da Concorrência, o qual estatui que “na instrução dos processos, a Autoridade da Concorrência acautela o interesse legítimo das empresas, associações de empresas ou outras entidades na não divulgação dos seus segredos de negócio”, mais estabelecendo o n.° 2 daquele preceito que, na sequência da realização de diligências de buscas e apreensão, a AdC “concede ao visado pelo processo prazo, não inferior a 10 dias úteis, para identificar, de maneira fundamentada, as informações recolhidas que considere confidenciais por motivo de segredos de negócio, juntando, neste caso, uma cópia não confidencial dos documentos que contenham tais informações, expurgada das mesmas”.

E.Importará relembrar que, nos termos do n.° 4 do artigo 30.° da Lei da Concorrência, a não identificação pelas Visadas das informações consideradas confidenciais, a não fundamentação da confidencialidade ou o não fornecimento de cópia não confidencial de documentos confidenciais, expurgada de informação confidencial, determina que a informação em causa seja considerada não confidencial e, nessa medida, tornada pública no processo.

F.Como se referiu, o processo é constituído por mais de 90.000 ficheiros electrónicos, na sua maioria apreendidos nas instalações das 15 Visadas; com efeito, é o processo contraordenacional em causa nos presentes autos é o processo com o maior acervo documental (quer em suporte electrónico, quer em suporte documental) e com o mais alargado número de Visadas alguma vez instruído por esta Autoridade.

G.Nessa medida, “em 31 de janeiro de 2014, a AdC solicitou às Visadas, nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 30.° da Lei da Concorrência, que identificassem, de modo fundamentado, as informações recolhidas consideradas confidenciais por motivo de segredos de negócio, mais juntando, nesse caso, uma cópia não confidencial dos documentos que contivessem tais informações, expurgadas das mesma’ (cfr. parágrafo 4 da decisão).

H.Não foi dado pleno cumprimento por parte das Visadas a tal solicitação, tendo a AdC admitido que, face ao acervo de documentos em causa e ao número de Visadas envolvidas, que as Visadas não tenham tido condições para, em tempo útil e sem comprometer a investigação e a descoberta da verdade, assegurar a produção de um descritivo detalhado e pormenorizado de cada informação suprimida que classificaram como confidencial.

I.Com efeito, verificou-se que as respostas das Visadas ao pedido da AdC revelaram-se na maioria dos casos dificilmente inteligíveis e, em múltiplas instâncias, não chegaram sequer a produzir cópia não confidencial de documentos contendo informações confidenciais, expurgada das mesmas, nomeadamente através da produção de sumários das informações produzidas.

J.Não obstante, atendendo às especiais circunstâncias do caso concreto e em respeito dos princípios da celeridade processual e do máximo aproveitamento dos atos processuais, a AdC aceitou as classificações de confidencialidades, tendo selecionado apenas pouco mais de 1000 ficheiros para imputar a infração na Nota de llicitude, mais considerando que a documentação remanescente não se revelava útil para imputar a infração ou afastar a mesma.

K.Ora, a classificação dos documentos enquanto confidenciais ou não confidenciais tem importância relevante para efeitos de proteção dos segredos de negócio, mas também tem um impacto processual não menos importante porquanto, conforme decorre do n.°3 do artigo 31.° da Lei da Concorrência, sem prejuízo dos direitos de defesa, a AdC pode utilizar como meios de prova para a demonstração de uma infração às normas da concorrência a informação classificada como confidencial, por motivo de segredos de negócio.

L.No que respeita ao acesso por parte das visadas a tais documentos classificados como confidenciais mas utilizados como meio de prova, a Lei da Concorrência esclarece os termos em que tal acesso se processa, conforme decorre do n.° 4 do artigo 33.° da Lei da Concorrência: o acesso a tais documentos é permitido apenas a advogado ou ao assessor económico externo e estritamente para efeitos de exercício de defesa no âmbito da resposta à nota de ilicitude ou da impugnação judicial da decisão da AdC em que tais elementos sejam utilizados como meio de prova, não sendo, contudo, permitida a sua reprodução ou utilização para qualquer outro fim.

M.Subsiste, no entanto, determinar o modo como se poderá aceder aos documentos classificados como confidenciais pelas visadas, não utilizados pela AdC como meios de prova para a demonstração de uma infração às normas da concorrência, mas com potencial valor exculpatório.

N.A Lei da Concorrência é omissa quanto a esta questão, não existindo norma que expressamente regule o acesso aos documentos classificados como confidenciais por motivo de segredo de negócio e não utilizados pela Autoridade para imputar a infração (ainda que exculpatórios).

O.Mas, neste caso, sendo a lei omissa quanto ao tratamento de documentos confidenciais não utilizados pela AdC para imputar a infração, mas com hipotético valor exculpatório, como compatibilizar os direitos de defesa das visadas com a proteção dos seus segredos de negócio? e)Deveria a AdC recusar simplesmente o acesso a esse acervo documental? f)Deveria a AdC, pelo contrário, dar acesso pleno aos documentos? g)Deveria a AdC instar as empresas, titulares do segredos de negócio e que classificaram milhares de documentos como confidenciais, a produzir descritivos individuais de cada documento por si classificado como confidencial? h)Deveria a AdC tentar compatibilizar a proteção dos segredos de negócio de documentos hipoteticamente exculpatórios com os direitos de defesa das Visadas? P.Foi entendimento da AdC que importava compatibilizar a proteção dos segredos de negócio com o exercício dos direitos de defesa.

Q.Na realidade, os esforços da AdC no sentido de facilitar o acesso ao processo para exercício dos direitos de defesa das Visadas revelaram-se infrutíferos, tendo a AdC entendido dever ponderar a advertência da Sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão no âmbito do processo n.° 225/15.4YUSTR, no sentido de que a informação disponibilizada poderia revelar-se insuficiente para determinar em que medida os documentos qualificados como confidenciais poderão ser úteis à defesa.

R.Muito embora as versões não confidenciais, cuja produção incumbia às Visadas, devam ser elaboradas de forma a permitir a qualquer co-Visada determinar em que medida as informações suprimidas podem ser úteis à sua defesa, por meio, designadamente, de um sumário das informações suprimidas, entendeu a AdC ser razoável concluir que, nas circunstâncias particulares do presente caso, o cumprimento daquele ónus se tenha revelado excessivamente oneroso para as Visadas.

S.Neste sentido, face à lacuna legal em questão, entendeu a AdC que, atentas as circunstâncias especiais do presente caso, a salvaguarda dos direitos de defesa com respeito do interesse das empresas na proteção dos seus segredos de negócio, poderia alcançar-se, em termos que assegurem simultaneamente a investigação do processo em tempo útil, mediante o acesso pelos mandatários ou assessores económicos externos de cada Visada aos documentos classificados como confidenciais não utilizados como meio de prova da infração, exclusivamente para efeitos do exercício dos direitos de defesa e sob compromisso de não divulgação da informação em causa.

T.Entendeu a AdC, entendimento esse que se se reitera nesta sede, que a presente solução se impunha no caso em apreço, à luz dos direitos de defesa e da sua conciliação com o direito das empresas à proteção dos segredos de negócio, mas também face ao princípio geral da boa administração e dos critérios de eficiência, economicidade e celeridade que devem pautar a atuação administrativa, por viabilizar que as Visadas avaliem em que medida as informações reputadas como confidenciais pelas demais e constantes dos autos podem porventura ser úteis à sua defesa.

U.O Tribunal a quo entende, desde logo, que a AdC parte da premissa errada quando entendeu que importava compatibilizar a proteção dos segredos de negócio com o exercício dos direitos de defesa; com efeito, entende o Tribunal a quo que “esta motivação merece reparo porque...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT