Acórdão nº 26/14.7GCMFR.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Texto integral Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos com o NUIPC 26/14.7GCMFR, da Comarca de Lisboa Oeste - Mafra - Instância Local – Secção Criminal – J1, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi a arguida C.

condenada, por sentença de 17/11/2015, na pena de 125 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, no montante global de 625,00 euros, pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal.

Mais foi condenada a pagar à demandante M. a quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

  1. A arguida não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.

    2.1 Extraiu a recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. A Arguida foi condenada “como autora material, na forma consumada, de um crime de dano simples, p. e p. pelo artº 212º, nº 1 do C.P., na pena de 125 (cento e vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa global de 625,00 € (seiscentos e vinte e cinco euros); condenada “a pagar a quantia de 5 000,00€ (cinco mil euros) à lesada demandante M.;” 2. A sentença de que ora se recorre enferma do vício de insuficiência da matéria de facto provada, previsto no art. 410º nº 2 a) do C.P.Penal.

  2. Consta da matéria de facto provada que “a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos, do interior do estabelecimento por si arrendado, retirou (...)” (ponto 8 da matéria de facto provada).

  3. “Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, todos interruptores, tomadas eléctricas, cortou fios eléctricos junto às paredes e tectos, disjuntores do quadro de electricidade principal e o exaustor da cozinha” (ponto 9 da matéria de facto provada).

  4. “Em virtude da retirada pela arguida e familiares e amigos a seu mando dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos (...) todo o sistema eléctrico do estabelecimento ficou inoperacional”.

  5. Também ficou provado que a “A arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta necessariamente causaria prejuízos à ofendida (...)” 7. Não obstante, o Tribunal recorrido não se pronuncia sobre questão relevante para a decisão, que se prende com a co-participação dos outros sujeitos que acompanharam a arguida e a relação desta com eles na sequência dos factos de que vem acusada.

  6. A arguida (pode-se ler no último parágrafo da página 11 da sentença) “(...) não deixou de inutilizar o sistema eléctrico do estabelecimento comercial pertencente à lesada, sabendo que tal necessariamente sucederia, ao retirar do mesmo os equipamentos eléctricos aí instalados, puxando e cortando os fios eléctricos (...).” 9. No ponto 14, a sentença refere que “a arguida e familiares e amigos “a seu mando” retiram candeeiros, etc., mas não explicita se é a seu mando a forma como são retirados os referidos bens eléctricos.

  7. Fica por se apurar: das cinco pessoas, entre elas a arguida, quem concretamente puxou e cortou os fios junto às paredes e ao tecto? Quem deu orientações sobre a forma de se retirar os bens eléctricos? Alguém sabia que estava a causar danos à lesada? Uma vez que na Motivação, no parágrafo 4.º, que todo o restante equipamento foi retirado com o “devido cuidado”.

  8. Porque se da Motivação se retira que a arguida não podia deixar de cogitar o dano que estava a causar, pela forma como retirou os fios, então todas as pessoas que a 14.7 Artur nulidade sentençaacompanharam sabiam que estavam a causar dano? Qual a efectiva participação da arguida nestes factos, quando ela não os praticou sozinha? 12. Cinco (5) pessoas retiraram conjuntamente bens do interior do estabelecimento da Ofendida, mas não se encontra a relação de cada um com a arguida que como única acusada, é aqui a única condenada.

  9. Também enferma a sentença recorrida do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, previsto no art. 410º nº 2 b) do C.P.Penal.

  10. Segundo o ponto 13 da matéria de facto provada “Através de cartas trocadas entre ambas, M. autorizou a arguida a proceder ao levantamento dos melhoramentos que realizara e dos equipamentos que colocara no estabelecimento, desde que sem danificação do imóvel ou da utilização do mesmo e dos objectos deixados no locado”.

  11. É de salientar que esta autorização escrita foi trazida aos autos pela arguida, uma vez que a Queixosa não refere tal facto aquando da apresentação da queixa nem no pedido de indemnização cível. (“documentação junta pela arguida a fls. 135-139” - pág. 10 da sentença).

  12. Quarto parágrafo da Motivação da sentença recorrida: “Sabia a arguida que nada poderia retirar sem dano para o imóvel, pelo que retirou todo o equipamento com o devido cuidado para não inutilizar o imóvel ou impossibilitar que no mesmo pudesse ser rapidamente reinstalado equipamento da mesma natureza para que o mesmo pudesse voltar a funcionar com novo explorador.” Realça-se aqui o “devido cuidado” 17. Podemos ler no parágrafo seguinte da Motivação: “Entende que apenas levou o que lhe (e ao seu marido) pertencia. Se alguma coisa ficou estragada foi “sem intenção”.

  13. Não obstante, pode-se ler na motivação: “a conduta da arguida relativamente ao sistema eléctrico não pode deixar de considerar-se excessiva e, consequentemente, integrar a prática de crime de dano relativamente à instalação eléctrica, que ficou incapaz de cumprir a sua função.” Que “não poderia a arguida deixar de cogitar que o modo como os equipamentos e as tomadas foram retirados, necessariamente impossibilitariam a colocação de novos equipamentos do mesmo género (...).” 19. Surpreende-se a arguida que seja julgada a sua acção como tendo tido “o devido cuidado para não inutilizar o imóvel” e por outro lado, relativamente ao sistema eléctrico, tenha sido julgada “pelo excesso” e daí a vontade e consciência de ter causar prejuízo à Ofendida/Lesada.

  14. Não aceita a arguida esta dualidade de fundamentação, aceitando in extremis, que no caso do sistema eléctrico que não tendo conhecimentos técnicos, não tendo sido a mesma a retirá-los como adiante se verá, poder-lhe-ia ser apontada uma atitude negligente, jamais de dolo, mesmo eventual.

  15. A não ser assim, não se justifica que na fundamentação encontremos duas medidas, seja no sistema eléctrico um excesso que aliado à consciência de dano lhe impute o crime, seja nos restantes bens, retirados “com o devido cuidado”.

  16. Onde se encontra a fronteira entre o que foi retirado com cuidado e sem cuidado, uma vez que há-de sempre aferir-se da intenção. Caso algum outro bem, por azar, tivesse causado dano na sua retirada, apurar-se-ia que aí havia intenção? 23. Não se encontra na motivação nada em que se fundamente a intenção da arguida, pelo contrário, a arguida, como se pode ler teve o “cuidado necessário” para retirar todos os restantes bens e pediu o consentimento expresso da Ofendida, que o deu, as fotos a “fls. 28-32 documentam irrisórias deteriorações (...) estas consequências devem considerar-se inerentes à retirada de equipamento de equipamento autorizada por M..” (pág. 9 da sentença- Motivação).

  17. A sentença de que ora se recorre enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º nº 2 b) do C.P.Penal.

  18. Ficou provado que a arguida pediu autorização para levantar os bens e que teve cuidado a retirar os bens, com excepção, segundo a sentença recorrida, do sistema eléctrico.” 26. Ficou provado que em virtude da retirada “dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores, do quadro de electricidade principal, todo o sistema eléctrico ficou inoperacional...” (ponto 14 da matéria de facto provada).

  19. Há erro notório neste facto dado por provado na sentença ora recorrida, porque efectivamente só “do corte e puxão dos fios eléctricos, dos disjuntores do quadro eléctrico” é que se pode concluir pela probabilidade de deixar o sistema eléctrico inoperacional. Retirar candeeiros, lâmpadas, interruptores e tomadas eléctricas, não podem por si só ter o efeito referido.

  20. Da própria matéria dada como provada retira-se que a arguida retirou “quase todos os interruptores, quase todas as tomadas eléctricas...”, como se pode concluir que a arguida deixa alguns destes equipamentos, pelo que se o sistema eléctrico não tivesse ficado inoperacional, outros equipamentos poderiam ter sido imediatamente ligados às tomadas eléctricas e os interruptores a funcionar.

  21. Retirar da prova realizada que o sistema eléctrico ficou inoperacional não pode levar ao raciocínio lógico que a arguida cogitou essa possibilidade.

  22. Entende, ainda, a arguida, que após uma cuidada análise sobre a matéria de facto provada, que a mesma incorretamente julgada, salvo melhor opinião, levou a uma condenação com a qual não se conforma, porquanto e nos termos do n.º 3 e 4 do art.º 412.º C.P.P. impugna-a, conforme explana: 31. No ponto 9 da matéria de facto provada, pode-se ler “Igualmente retirou os candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, (...).” 32. “Igualmente” refere-se ao ponto anterior que diz “em data não concretamente apurada (...), a arguida, ajudada por seu marido, sua filha e pelo menos dois amigos...” 33. A Recorrente entende que a palavra “Igualmente” não deve constar, uma vez que quem retirou todos os aparelhos eléctricos foi o marido.

  23. De igual modo, relativamente ao ponto 14 da matéria de facto provada “em virtude da retirada dos candeeiros existentes e respectivas lâmpadas, de quase todos os interruptores, de quase todas as tomadas eléctricas, do corte e puxão dos fios eléctricos junto às paredes e tectos, dos disjuntores do quadro de electricidade principal...

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