Acórdão nº 6990/06.2TCLRS.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: * I-EGO e MAO intentaram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra «Fundo de Garantia Automóvel», PASC e RPMC.

Alegaram os AA., em resumo: Em 11-6-2006, a A. E foi vítima de acidente de viação causado pelo R. PA, condutor do motociclo de matrícula LO-...-54, que a atropelou quando a A. atravessava a rua numa passagem de peões.

O R. R era o proprietário do motociclo que não possuía seguro válido.

O embate do motociclo no corpo da A. E causou-lhe lesões físicas e, encontrando-se ela grávida, levou à morte do nascituro.

Pediram os AA. a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 222.690,00, à A. EGO, e da quantia de € 62.500,00 ao A. MAO, a título de indemnização pelos danos sofridos, acrescida dos juros legais.

Os RR. contestaram. O R. «Fundo de Garantia Automóvel» referiu desconhecer os factos alegados e defendeu que os montantes peticionados se apresentavam exagerados. Os RR. P e R apresentaram outra versão do acidente, disseram que o R. P se encontrava a experimentar o motociclo e que este apresentava problemas mecânicos, com alterações de aceleração incontroláveis e que o R. R desconhecia que o R. P, seu filho, se encontrava a circular com o motociclo, nem havia dado autorização para a sua utilização.

O processo prosseguiu.

A final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «(…) julgando a acção parcialmente procedente por parcialmente provada: 1– condeno os RR. Fundo de Garantia Automóvel e PASC, solidariamente, a pagar as seguintes indemnizações: a) à A. EGO, a quantia de € 129.116,74; b) ao A. MAO a quantia de € 45.000,00; Às quantias atrás referidas acrescerão juros contados desde a data da citação (04.01.2007), à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

2– absolvo o R. RPMC do pedido».

Apelou o R. «Fundo de Garantia Automóvel» concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

  1. O Tribunal "a quo" absolveu o Réu R do pedido, apesar de sobre ele, na qualidade de proprietário do veículo, operar a presunção de direção efetiva do veículo.

  2. O Tribunal “a quo” deveria ter condenado o Réu R e o Réu P solidariamente com o Fundo de Garantia Automóvel, porquanto o R. Rogélio na qualidade de proprietário, obrigatoriamente, terá que responder pelos danos que ele causar, ainda que não se encontre em circulação, conforme dispõe o n.º 1 do Art.º 503º do C.C..

  3. O Tribunal "a quo" fixou, nos presentes autos, a título de dano não patrimonial pelas ofensas corporais sofridas pela A. E e pelo sofrimento resultante da perda do seu filho o valor global de 50.000,00 Euros; D) Quando deveria ter fixado tal ordem de valores, por se entenderem os justos e adequados é situação em apreço, valor não superior a 42.000,00 € E) A douta sentença recorrida violou, assim, os Art.º 503 nº 3 do C.C. e Art.º 6º n.º 1 do DL 291/2007 de 21 de Agosto e art.º 496º do C.C..

  4. O Tribunal “a quo”, atribuiu a título de Danos Próprios da Autora E a quantia de 77.760,00 €, pese embora os Tribunais não estarem vinculados á aplicação da Portaria n.º 377/2008 de 26.05 que, por ora, tem vindo a ser aplicada apenas entre seguradoras mas, tendencialmente, verifica-se cada vez mais a sua aplicação a todos os lesados de acidentes de viação.

  5. No entanto, no caso em concreto, estamos perante uma incapacidade de 27 pontos, a A. tinha 35 anos de idade e encontrava-se desempregada.

  6. Que, segundo a aplicação da Portaria n.º 377/2008 de 26.05 e inclusivamente pela aplicabilidade de tais valores, a título de danos patrimoniais futuros, nos nossos Tribunais Superiores, o valor apurado ronda os 40.000,00 € e não os sentenciados 77.760,00€, que nos parecem manifestamente exagerados.

Também a A. EGO apelou, apresentando as seguintes conclusões: 1- A resposta ao quesito 60.º da Base Instrutória dada pelo douto Tribunal a quo não valorizou todas as informações contidas no próprio relatório pericial, nem o conhecimento da experiência comum do homem médio, nem a prova testemunhal produzida, relevando, nos precisos termos, o que o exame pericial tinha escrito, como se pode ver do ponto 4 constante de fls. 413; 2- O simples conhecimento decorrente da experiência comum impõe ao julgador a conclusão de que o rebate das descritas sequelas na actividade profissional de cozinheira se traduz na sua impossibilidade de exercício; 3- O Tribunal a quo ao ter dado a resposta ao artigo 60.º da Base Instrutória nos moldes em que a apresentou na douta sentença violou o artigo 489.º do NCPC; 4- A resposta ao artigo 60.º da Base Instrutória deverá ser alterada para outra com a seguinte redacção: “Com este tipo de lesões a A. ficou impedida, de forma definitiva, de exercer a profissão de cozinheira”; 5- Na fixação dos danos patrimoniais futuros e na perda de capacidade e ganho, bem como nas despesas medicas e medicamentosas de que carece, em permanência, não se consegue aferir qual a fórmula de cálculo que a sentença em apreço usou para apurar a verba de 77.760,00€ (setenta e sete mil setecentos e sessenta euros) nem o montante do salário considerado; 6- Para o cálculo do montante indemnizatório deverá ser tido em conta a alteração da resposta do quesito 60.º da Base Instrutória nos moldes em que foi exposto na conclusão n.º 4, nomeadamente, que as sequelas de que a A. é portadora a impedem, de forma definitiva, o exercício da profissão de cozinheira; 7- Da prova testemunhal produzida e dos conhecimentos da experiência comum ficou provado que a A. deixou de poder exercer a actividade de cozinheira e isso conduz a um agravamento considerável do dano futuro e da perda de capacidade de ganho; 8- Em consequência, e de acordo com juízos de equidade afigura-se-nos adequados e proporcionais os valores de 15.000,00€, 5.000,00€ e 100.000,00€ peticionados pela A.; 9- A fundamentação apresentada pelo douto tribunal a quo e o montante fixado viola os artigos 564.º, n.ºs 1, e 2 e 566.º, n.1 e 3.º do CC; 10- Relativamente à fixação do valor a título de danos não patrimoniais a douta sentença não teve em conta um elemento essencial que é a relação biológica que se estabelece entre mãe e filho durante o período de gestação e vida intra-uterina; 11- Trata-se de uma ligação biológica que é inerente à própria condição feminina e que o pai nunca poderá ter, pelo que no caso da morte de um filho, a situação de profundo sofrimento e desgosto que recai sobre os progenitores, agudiza-se no caso da mãe; 12- Trata-se dum elemento que faz parte do conhecimento empírico, não podendo por isso ser ignorado pelo julgador aquando da apreciação deste tipo de danos e da fixação do montante indemnizatório; 13- Nessa medida, uma decisão que não fixe para uma mulher de 35 anos à data do acidente, em que sofreu múltiplas lesões e fraturas que importaram mais de 100 dias de internamento hospitalar, mais de dois anos de tratamentos, gravíssimas sequelas físicas e psicológicas, dores do grau máximo (7 numa escala de 7), dano estético de 5, e a perda do filho primogénito, os peticionados de 60.000,00€ (sessenta mil euros) viola o artº 496.º, n.º 3, do CC.

* II- O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1- A Estrada Nacional 8 faz, entre outras, a ligação entre Loures e Guerreiros, passando pela localidade de Pinheiro de Loures (artº 1 da base instrutória).

2- No interior desta localidade, a E.N. 8 denomina-se Rua dos Combatentes do Ultramar (artº 2 da base instrutória).

3- A via comporta dois sentidos de tráfego, com uma faixa de rodagem para cada um dos sentidos, com cerca de 9 metros de largura na totalidade, e uma faixa longitudinal descontínua ao meio (artº 3 da base instrutória).

4- De ambos os lados existem passeios (artº 4 da base instrutória).

5- Entre os números de polícia 76 e 84, do lado direito da Rua dos Combatentes do Ultramar, atendendo o sentido Loures - Guerreiros, existe um conjunto de edificações com vários andares, num dos quais está instalado o supermercado "Novo Mundo" (artº 5 da base instrutória).

6- Em frente desse conjunto de edifícios e do mesmo lado direito existe um parque de estacionamento longitudinal (artº 6 da base instrutória).

7- A referida Rua dos Combatentes do Ultramar junto ao supermercado "Novo Mundo" estende-se por uma recta, com uma ligeira inclinação ascendente, no sentido Loures - Guerreiros (artº 7 da base instrutória).

8- No sentido de Loures para Guerreiros e no mesmo local existem sinais luminosos verticais indicadores de velocidade máxima de 50 km/h (artº 8 da base instrutória).

9- Em frente aos n.ºs 57 e 76/78 da referida Rua dos Combatentes do Ultramar existe uma passadeira para peões, marcada no pavimento com zebras (artº 9 da base instrutória).

10- Atento o sentido Loures - Guerreiros e a cerca de 20 metros da referida passadeira existe um sinal de informação que avisa da existência da mesma (artº 10 da base instrutória).

11- No mesmo sentido de trânsito e também a cerca de 20 metros da mesma passadeira para peões existe um sinal de informação que alerta para o facto da zona supra referida ser de acidentes e frequentada por peões, estabelecendo um limite de velocidade máxima de 40 km/h (artº 11 da base instrutória).

12- Alguns metros antes da referida passadeira existem sinais luminosos verticais de velocidade controlada (artº 12 da base instrutória).

13- No dia 11.06.2006, cerca das 17 horas, na Rua Combatentes do Ultramar, ao km 9,60, no lugar de Pinheiro de Loures, em frente ao supermercado "Novo Mundo", a A. saiu do dito supermercado e dirigiu-se para casa (artº 13 da base instrutória).

14- A A. vive do outro lado da referida Rua Combatentes do Ultramar, com o seu companheiro, o A. (artº 14 da base instrutória).

15- A A. caminhou em direcção à passadeira (resposta ao artº 15 da base instrutória).

16- Nessa altura, um veículo automóvel não identificado, que circulava no sentido Guerreiros - Loures, na referida via, ao visualizar a A., parou, dando-lhe assim passagem pela dita passadeira (resposta ao...

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