Acórdão nº 103/13.1YRLSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I–A–“..., ... ... S.L.P.”, com sede em Barcelona e, “..., ... ... & Associados R.L.”, com sede em Lisboa, vieram, em 10/1/2013, requerer contra Manuel ... o reconhecimento da sentença arbitral condenatória proferida em 30/8/2012 em Barcelona.

Alegaram, em síntese, que tendo o Requerido sido sócio de uma e outra das sociedades requerentes - na segunda, sociedade de direito português, entre 1998 e 2011, e na primeira, sociedade de direito espanhol, entre 2004 e 2011 - em 21/2/2003, os sócios dessas sociedades subscreveram um acordo denominado “Convénio de Integração Profissional das Relações Sociais na Sociedade ... ... ...” (doravante designado por “Convénio”), que teve por objecto o estabelecimento de um regime jurídico idêntico para as sociedades associadas e para os sócios de cada uma delas; e em 27/3/2009, mediante acordo subscrito pelos sócios dessas duas sociedades, os capítulos III, IV, V, VII e VIII do “Convénio” foram modificados, tendo-se acordado que as normas do “Convénio” assim modificadas, passariam a integrar o novo texto dos estatutos da sociedade espanhola “..., ... ..., S.L.P.”, tendo tais estatutos sido então aprovados. Transcrevendo o teor dos arts 18.1 e 2 e 19.1, 2 e 3 do “Convénio” e dos “Estatutos”, e especificamente a cláusula penal que resulta desses artigos para a eventualidade de incumprimento das obrigações aí previstas, bem como o respectivo art 56.1 – segundo o qual, todos os litígios que se suscitassem entre sócios, ou entre estes e a “Sociedade”, atinentes à existência, validade, interpretação, alcance, conteúdo ou execução dos mencionados “Convénio” e “Estatutos”, seriam resolvidos definitivamente mediante arbitragem, a qual seria executada de acordo com a Lei de Arbitragem espanhola vigente no momento em que fosse submetida a questão ao árbitro - alegaram ter-se suscitado entre Requerentes e Requerido um litígio relativo ao incumprimento das referidas obrigações, e ter o mesmo sido resolvido por arbitragem, no termo da qual foi proferida sentença, na qual foi decidido declarar a validade das convenções de arbitragem previstas no “Convénio” e nos “Estatutos” e, em consequência, declarar a competência do tribunal arbitral para conhecer e julgar o litígio entre as partes, declarar que o demandado, aqui Requerido, incumpriu as obrigações contidas nos artigos 18 e 19 do “Convénio” e dos “Estatutos” e condena-lo a pagar solidariamente às aqui Requerentes a quantia de € 4.516.536,78, sendo essa a sentença (arbitral) cujo reconhecimento é aqui pedido.

B–Citado o requerido, opôs-se o mesmo, pretendendo que se verificam os fundamentos para o não reconhecimento da pretendida sentença arbitral estrangeira constantes do art 56º/1 da LAV, no que respeita às subalíneas i), iii) e iv) da sua alínea a), e subalíneas i) e ii), da sua alínea b), e que, por referência à Convenção de Nova Iorque (que, doravante se designará por CNI), se verificam os motivos para esse não reconhecimento a que a mesma alude no seu Artigo V/1 alínea a), alínea c), alínea d), e nº 2 alíneas a) e b), normas essas a que entende subsumirem-se uma série de circunstâncias factuais e jurídicas a que se refere.

Mas, antes de mais, e por referência ao Artigo II da CNI e 2º da LAV, entende que a convenção arbitral que as Requerentes invocam não tem existência, não é eficaz, não é válida e não se mostra aplicável ao litígio em causa.

Assim, as Requerentes não apresentaram o documento assinado pelo Requerido e pela Segunda Requerente do qual conste cláusula arbitral; a convenção arbitral que invocam não tem existência, por inexistir acordo arbitral celebrado entre ele e a Segunda Requerente; de todo o modo, não seria eficaz, porque se mostra contida num acordo (“Convénio”) que viola normas de aplicação necessária; não é válida, seja à luz da lei portuguesa, seja à luz da lei espanhola, se se entendesse que esta podia ser a escolhida; e não é aplicável ao litígio em questão, pois que os “colaboradores” e “clientes” a que se referem as cláusulas 18º e 19º só podem dizer respeito à Primeira Requerente, quando os colaboradores e clientes que estiveram em causa na sentença arbitral respeitam à Segunda Requerente. Prossegue, mencionando as seguintes circunstâncias fáctico jurídicas que entende subsumirem-se aos acima referidos artigos da LAV e da CNI: -O Convénio/2003, seja na sua redacção original, seja na versão modificada de 2009, foi celebrado apenas entre os sócios das duas Requerentes; -Ainda que se entendesse que do Convénio que resultou da alteração do de 2003 foi parte a Primeira Requerente, não pode entender-se que o tenha sido a Segunda; -Se, de todo em todo, se entendesse que a Segunda Requerente tinha sido parte do “Convénio”/2003, na redacção conferida em 2009, ela teria ficado excluída do âmbito subjectivo dos artigos 18º, 19º e 56º do “texto articulado”; -Da aplicação do disposto (ou), no Regulamento Roma I, (ou), no Regulamento Roma II à convenção de arbitragem em causa, resulta não ser admissível a escolha da lei espanhola para regular a arbitragem, na medida em que ambos esses Regulamentos não permitem que as partes com essa escolha posterguem normas de aplicação imediata do país do foro, que foi o que se pretendeu com o “Convénio”, em qualquer das suas versões para, por intermédio dele se obter no plano factual uma fusão de ambas as sociedades quando, no plano jurídico, as normas dos Estatutos da Ordem dos Advogados em Portugal então vigente e o Regime Jurídico das Sociedades de Advogados (DL 229/2004 de 10/12, doravante LSA) –que, enquanto normas que regem a constituição e funcionamento das sociedades de advogados em Portugal, são normas de aplicação necessária e imediata - apenas permitem a fusão de sociedades de advogados em função das exigências colocadas pelo DL 513-Q/79 de 26/12, vigente à data, que não foram cumpridas; -Logrando, igualmente, com essa escolha afastar a norma constante do art 204º/1 do EOA - também ela com a natureza de norma de aplicação necessária e imediata - segundo a qual, os conflitos entre sócios de uma sociedade de advogados portuguesa, ou entre estes e a sociedade de advogados portuguesa, eram então inarbitráveis, na medida em que, podendo ser submetidos a tribunal arbitral, o teriam de ser «nos termos da lei e de regulamento a elaborar pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados», regulamento esse inexistente; -Ainda que se tivesse como válida a escolha da lei espanhola para regular a arbitragem, a convenção de arbitragem em causa seria inválida também ao abrigo da lei espanhola, visto que embora esta permita a arbitragem de litígios entre membros de sociedades de advogados, tal arbitragem terá de ser colegial, quando a convenção arbitral em litígio se refere a arbitragem por árbitro singular.

-Tendo o Conselho Geral da Ordem de Advogados de 31/7/2012 declarado a ineficácia do “Convénio/2009”, e configurando esta decisão acto administrativo que não foi anulado, este tribunal deve recusar-se a reconhecer a sentença arbitral em apreço, pois, sendo o seu resultado concreto notoriamente contrário à regulação jurídica adveniente daquela decisão, tal reconhecimento coloca em causa o princípio da segurança jurídica e, dessa forma, contraria a ordem pública internacional do Estado Português, que é integrada pelo referido princípio.

-Na medida em que o “Convénio/ 2013”, na redacção que lhe foi conferida em 2009, consubstancia um acordo entre empresas e que, em função do disposto nos seus arts 18º e 19º, o mesmo tem por objecto, ou por efeito, a restrição sensível da concorrência e afecta de forma sensível o comércio de serviços jurídicos entre Portugal e Espanha, tais artigos do Convénio constituem cláusulas contratuais proibidas à luz do art 9º da L 19/2012 de 8/5, que aprovou a Lei da Concorrência, e à luz do art 101º/1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE); -As imposições contidas nesses arts 18º e 19º, na medida em que limitam para além do admissível e de forma desproporcionada e injustificada o núcleo essencial da liberdade de escolha de profissão e da liberdade de iniciativa económica privada do Requerido e dos ex-colaboradores da Segunda Requerente, previstos, respectivamente no art 47º/1 e 61º/ 1 da CRP, violam esses direitos fundamentais, o que implicará que o reconhecimento da sentença arbitral em causa nos autos conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português; -O reconhecimento da sentença arbitral em causa, reconhecendo uma sentença arbitral estrangeira condenatória num montante de € 4.516.536,78, totalmente desfasado de quaisquer prejuízos que as Requerentes possam ter sofrido e desaplicando, desse modo, a imperatividade das normas contidas nos artigos 811º/3 e 812º/1 do CC, de que resulta que sempre que a cláusula penal seja manifestamente excessiva o tribunal procede à respectiva redução, implicaria a violação do princípio da proporcionalidade, integrante, também ele, da ordem pública internacional do Estado Português.

O Requerido termina a oposição indicando testemunhas, «para prova dos factos que não se encontrem demonstrados por via documental», requerendo ainda que, nos termos do art 528º CPC, as Requerentes sejam notificadas para juntar aos autos os respectivos relatórios de actividades e contas dos últimos três anos para demonstração da matéria alegada no art 348º da oposição, («o volume de negócios das requerentes em relação aos produtos do convénio é superior a 40 milhões de euros- cerca de 20 milhões de euros na Segunda Requerente e de 200 milhões de euros na Primeira Requerente»), mais requerendo a gravação da prova.

_____________________ A fls 801 vieram as Requerentes requerer que, de acordo com o disposto no art 486º/5, aplicável ex vi do art 504º, ambos do aCPC, fosse prorrogado o prazo para responderem à oposição, pelo prazo de 10 dias.

Entendendo-se não estar apenas em causa a...

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