Acórdão nº 16082-13.2T2SNT.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: * I–AAP intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra HDC.

Alegou o A., em resumo: A. e R. residiam no mesmo prédio desde o início de 2007, sendo então o R. agente da PSP. Em 2008 o R. teve um conflito com a mulher do A., vindo a realizar-se em 10-10-2008 uma assembleia de condóminos na qual o R., dirigindo-se ao A., lhe disse “(…) a esposa andava metida com um agente da PSP da esquadra de Massamá (…)” e que “(…) já que não cuidas dela alguém tem que cuidar (…)”; Em 28-9-2008 o A. ao ver a sua esposa ensanguentada no chão, a gritar, com os braços por detrás das costas, algemada e com o joelho do R. – estando este fardado - sobre as suas costas, o A. disse ao R. para sair de cima da sua esposa e que devia ter vergonha pelo que estava a fazer. Uma vez chegados ao local mais agentes da PSP, os mesmos, a mando do Réu, detiveram o A., colocaram-no no carro patrulha e levaram-no, tudo isto na presença de pessoas que estavam nas varandas e nas janelas e do filho do A. que ficou sozinho na rua a chorar.

Estes factos fizeram com que o A. haja sentido vergonha e humilhação, sentindo-se tratado como um criminoso e sentido preocupação pela situação do filho, ansiedade, revolta, achincalhamento, desânimo e alterações de humor e no sono, ficando a sua imagem perante os seus vizinhos diminuída, de tal forma que ao entrar e sair do prédio na presença de vizinhos, ainda hoje sente vergonha e humilhação.

O R. apresentou uma queixa-crime contra o A. junto do Comando de Logística do Exército Português imputando-lhe factos que sabia não serem verdadeiros e que são ofensivos da sua honra e consideração, com o intuito de o denegrir e prejudicar profissionalmente, o que fez com que a imagem do A. perante os seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho tenha ficado diminuída e que os primeiros passassem a suspeitar de si e com que o A. ao tomar conhecimento da queixa tenha sentido nervosismo, ansiedade, revolta, achincalhamento, desânimo e alterações de humor e no sono.

Pediu o A. a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00, acrescida de juros legais desde a data da citação.

O R. contestou e deduziu reconvenção.

Invocou a ilegitimidade do A. e a existência de caso julgado, bem como a prescrição do direito do A. por já terem decorrido mais de 3 anos desde a data dos factos; impugnou factualidade alegada pelo A..

Em sede de reconvenção referiu as ofensas e agressões de que fora vítima por parte da mulher do A., as consequências das mesmas na sua pessoa - por isso havendo saído da casa em que vivia – alegando que quando estava a ultrapassar o que ocorrera foi confrontado com a presente acção, voltando-lhe à memória os episódios tristes e o sofrimento passado, ficando indignado, abalado, sem conseguir dormir e sem apetite, passando a andar irritado, somente algumas semanas depois conseguindo recuperar parcialmente do choque. Concluiu que a conduta do A. ao propor a presente acção usando ilicitamente este processo para atingir o R. na sua honra, consideração bom nome e direito a uma vida tranquila, lhe causou não só danos morais, mas, também, danos patrimoniais pelas repercussões no seu trabalho.

Concluiu pela sua absolvição e peticionou a condenação do A. como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização no valor de 1.500,00 €, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar e pela procedência do pedido reconvencional sendo o A. condenado a compensar o R. a título de danos morais na quantia de 28.500,00 €, acrescida de juros de mora.

No saneador não foi admitido o pedido reconvencional formulado pelo R. e foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade activa e do caso julgado.

A final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «…julgo a ação parcialmente procedente, porque provada, e, em consequência: 1. Condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora vencidos desde 5 de Julho de 2013 e vincendos até integral pagamento, calculados de acordo com a taxa legal devida para os juros legais nos termos do artigo 559º, n.º 1, do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/IV e das que, eventualmente, de futuro venham a definir as taxas de juros legais; 2. Absolvo o Réu relativamente ao mais peticionado pelo Autor». Apelou o R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

  1. Emerge o presente recurso, de duas decisões do Tribunal a quo, a saber: 1–Recurso do Despacho Saneador que não admitiu o pedido reconvencional, conforme recurso oportunamente apresentado e com taxa de justiça paga, mas que foi determinado que deve ser junto com o que seja feito da decisão final, o que ora decorre 2–Recurso de parte da decisão final, em que o R teve decaimento tendo sido condenado a indemnizar o A na quantia de 2.500,00 €, e, por isto, além da taxa de justiça já paga na questão do despacho saneador, o Recorrente autoliquidar agora taxa de justiça sobre o recurso da decisão final, atento o valor do decaimento, sendo que o recurso da decisão final é de facto e de direito, de uma parte da decisão firmada nos autos, que depois, e bem, de absolver o R de todos os pedidos, decidiu pela condenação em indemnização ao A no montante de 2.500,00 €.

    Assim, no que tange ao recurso do despacho saneador, conclui-se que.

  2. Salvo o devido respeito pela posição, tese e entendimento do Mmo. Juiz do Tribunal a quo, crê o Recorrente que a decisão sob recurso fez uma incorrecta apreciação dos factos jurídicos em causa, bem como uma incorrecta aplicação dos normativos legais aplicáveis, por se verificar, de facto, uma acessoriedade, dependência e complementaridade entre o pedido principal e o pedido reconvencional e tal conclusão é aliás evidente do articulado do réu/reconvinte e aqui Recorrente.

  3. Resulta do artigo 274.º, n.º 2 do CPC previgente e actual n.º 2 do CPC actual, e do entendimento da Doutrina e da Jurisprudência que a reconvenção é admissível nos casos seguintes: (i) quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, (ii) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do Autor, ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa que lhe é pedida uma coisa; (iii) quando o pedido do réu tende a conseguir em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter; (iv) E também, quando o pedido do reu tende a conseguir em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter é o mesmo que está na base do pedido reconvencional. Sendo que no caso dos autos o efeito jurídico pretendido pelo autor e pelo reconvinte é o pagamento em indemnização por danos derivados de factos conexionados na mesma ordem de tempo e lugar que cada um imputa ao outro.

  4. Existe identidade de causa de pedir, em resultado de tudo entroncar em relações de vizinhança.

  5. Existe conexão, identidade e ligação entre as causas de pedir que fundamentam a pretensão do autor e/ou nos quais o réu assenta a sua defesa, quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

  6. Daqui resulta que a reconvenção apresentada pelo réu reconvinte teria que ser admitida, posto que é manifesta a conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, fundando-se ambos em diversa factualidade ocorrida por razões de vizinhança e que deram origem a diversos processos judiciais.

  7. A doutrina e a jurisprudência admitem, de modo uniforme, a reconvenção quando entre a (concreta) causa de pedir do autor e a (concreta) causa de pedir reconvencional exista uma relação de conexão por complementaridade, dependência ou acessoriedade.

  8. Assim sendo, terá de concluir-se que, a admissibilidade da reconvenção está, assim, dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros de carácter processual ou adjectivo.

  9. Ora, in casu, o pedido reconvencional formulado pelo Recorrente traduziu-se no pedido de indemnização por danos decorrentes de factos ocorridos nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar dos alegados pelo autor, sendo diversa a leitura que cada um faz dos factos, imputando cada um ao outro ter-lhe causado danos e, por isso, cada um peticiona a competente indemnização pelos danos.

  10. Os danos do Reconvinte não resultam da acção interposta pelo autor, mas dos factos que constam nessa acção e que foram vivenciados pelo reu pessoalmente e lhe causaram um dano que estava apenas adormecido, mas ressurgiu, conforme se encontra devidamente alegado no pedido reconvencional, para o qual se remete.

  11. Pelo que dúvidas não restam de que estão reunidos os pressupostos legais para a admissibilidade da reconvenção e, sem prescindir, como se disse, ainda que assim não se entendesse, sempre se diria, ainda assim, que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.

  12. Com efeito, por outro lado, "o facto jurídico que serve de fundamento à acção" é, inequivocamente, a relação de vizinhança que existiu entre as partes e os processos que instauraram uma contra a outra e os acontecimentos então ocorridos e assim, o pedido reconvencional formulado pelo Recorrente deriva, sem margem para dúvida, de toda essa conflitualidade resultante das ditas relações de vizinhança que existiram entre as partes.

  13. Assim sendo, terá de concluir-se que, fundando-se a causa de pedir do pedido reconvencional nos factos praticados pelo autor durante essa relação de vizinhança e pelo autor vertidos igualmente no seu pedido, deverá a reconvenção ser admitida, por estarem preenchidos os requisitos legais de que a...

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