Acórdão nº 2193-13.8TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução22 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Decisão texto parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO R..., representado por R..., A... e M..., o segundo residente em ..., e o 3º e a 4ª na ..., intentaram acção declarativa contra Companhia de Seguros ..., com sede na ..., pedindo a condenação desta a pagar ao B... a quantia de € 72.281,41.

Em síntese, alegaram que em 31-12-2011, A... faleceu no estado de divorciada do autor R..., sendo mãe do menor R.... Este é representado por seu pai e pelos seus avós, os autores, A... e M....

Na partilha realizada entre a A... e R... todo o activo ficou adjudicado à A..., ficando esta responsável pelo passivo.

Em 19 de Janeiro de 2005, a A... e o R..., à data casados entre si sob o regime de comunhão de adquiridos, celebraram com o Banco ... um contrato de mútuo com hipoteca, em que este mutuou àqueles a quantia de € 100.000,00, para a construção de um prédio urbano. Por imposição do banco celebraram com a ré um contrato de seguro Ramo Vida, sendo o Banco ... beneficiário do contrato de seguro.

Em Janeiro de 2005, a A... era saudável e realizava exames de rotina que nunca denunciaram problemas de saúde.

As informações que prestou, ao preencher o questionário da seguradora, foram exactas e verdadeiras. Em Novembro de 2005 foi-lhe diagnosticado hipertensão arterial pulmonar, que se agravou, vindo a causar a sua morte em 31-12-2011. Em consequência do óbito, no dia 09-02-2012, o autor, através do mandatário do pai, participou junto do Banco ... para activação do seguro de vida celebrado com a ré relativo ao crédito à habitação. À data do óbito, o valor em dívida referente ao empréstimo era de € 72.281,41.

A ré contestou ré defendeu-se por excepção, alegando que desconhecia a data do diagnóstico de HIV, sendo tal informação necessária para se concluir do nexo de causalidade entre o HIV e a hipertensão arterial pulmonar. Disse também que não teria aceite a proposta de adesão caso soubesse que A... era portadora de HIV, referindo ainda, à cautela, que o contrato deveria ser declarado nulo por terem existido falsas declarações.

O recorrente respondeu à excepção em sede de audiência prévia.

Na mesma diligência, a ré apresentou articulado superveniente, alegando que não teria celebrado o contrato se soubesse que, desde 2003 A... era portadora de HIV, com diagnóstico confirmado e era seguida em consulta de infeciologia e que tomava medicação antirretroviral. Mais alegou que a morte da A... foi causada por HTA pulmonar grave associada a seropositividade por HIV.

Por fim, requereu a condenação do autor como litigante de má fé.

O autor, ora apelante, respondeu ao conteúdo do articulado superveniente, dizendo, em síntese, que a ré, ao afirmar que não celebraria o contrato de seguro apenas com fundamento no facto de a A... ser portadora do vírus HIV, viola os princípios da igualdade e da não discriminação, previstos nos artigos 13º e 26º nº 1 da CRP.

Alega que não litiga de má fé, pois a A... respondeu com verdade ao que lhe foi questionado no boletim de adesão que preencheu.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor R..., tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O tribunal a quo decidiu, em saneador-sentença, julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido. O recorrente imputa à decisão erro na aplicação de direito, pelo que com a mesma não se conformando decidiu recorrer.

  1. - O recorrente é o único e universal herdeiro de A..., tendo a acção sido intentada para que a recorrida realizasse o pagamento do crédito à habitação ao banco em virtude da ocorrência do dano morte segurado.

  2. - Na contestação a recorrida, defendendo-se por excepção, alegou que desconhecia a data do diagnóstico de HIV, sendo tal informação necessária para concluir do nexo de causalidade entre o HIV e a hipertensão arterial pulmonar; que não teria aceitado a proposta de adesão caso soubesse que A... era portadora de HIV; e que o contrato deveria ser declarado nulo por terem existido falsas declarações. O recorrente respondeu à excepção na audiência prévia e na mesma diligência, a recorrida apresentou articulado superveniente, alegando que não teria aceitaria o seguro se soubesse que A... era portadora de HIV desde 2003. O recorrente exerceu o contraditório no prazo legal.

  3. - O tribunal a quo, considerando desnecessária a produção de mais prova, decidiu mediante saneador-sentença.

  4. - Na audiência prévia o recorrente alegou que A... se limitou a preencher o questionário respondendo de forma directa às questões colocadas no mesmo, o que, aliás, resultou provado no ponto 10 dos factos provados. Mais se alegando que ninguém informou aquela, nem R... que teriam de responder além do que lhes era directamente questionado.

  5. - O tribunal a quo considerou que nos termos do artº 4º do DL nº 176/95, de 26/07, o dever de informar cabe ao tomador do seguro, pelo que a questão da falta de comunicação das condições é irrelevante.

  6. - O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Seguradora, e em que o Banco tomador apenas assume o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o DL nº 446/85, de 25/10.

  7. - Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artº 5º do DL nº 446/85, de 25/10.

  8. - A responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.

  9. – O artº 4º do DL nº 176/95, de 26/07 tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora. A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

  10. - Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele artigo para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro.

  11. - Os bancos, enquanto beneficiários deste tipo de seguros, agem como intermediários das seguradoras, cooperando para desenvolver sinergias e economias de sistema e assegurando a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos. Ficando os particulares sem qualquer margem de negociação.

  12. - Assim, considera-se que a questão da falta de comunicações não é irrelevante nem tão pouco pacífica, pelo que não podia o tribunal a quo decidir sem ser levada a cabo a produção de prova em audiência de julgamento. Ao tê-lo feito, o tribunal a quo violou o disposto no arts , e do DL nº 446/85, de 25/10, o artº 227º do Código Civil, o artº 4º do DL nº 176/95, de 26/07 e o artº 595º nº 1, alínea b) do CPC.

  13. - O tribunal a quo considerou que independentemente da questão da falta de comunicação de condições, sempre seria aplicável ao caso dos autos o artº 429º do Código Comercial, porquanto A... teria prestado declarações inexactas, posição com a qual uma vez mais não se concorda.

  14. - Na óptica do tribunal a quo a resposta negativa à questão "Tem alguma deficiência física ou funcional?" consubstanciou uma declaração inexacta, porquanto A... tinha já conhecimento de ser portadora de HIV. Sucede que o tribunal a quo não fundamenta porque atribui a tal expressão a declaração inexacta de A.... E na verdade, considera-se que nem o recorrente, nem o tribunal a quo detêm competências técnicas para aferir se o HIV traduz uma "deficiência física ou funcional".

  15. - A expressão "deficiência física ou funcional" não reporta qualquer declaratário normal, como era A..., para um quadro de HIV.

  16. - Na Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência definiu-se que "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interacção com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efectiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

  17. - A Organização Mundial de Saúde definiu o conceito de deficiência como a "perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, reflectindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão." 19ª - Parece ao recorrente que a deficiência funcional traduz uma alteração no funcionamento de um órgão ou de todo o organismo, devido à perda ou redução da actividade desse órgão por doença ou remoção cirúrgica parcial ou total. Situação que não se considera ser a da infecção por HIV, pelo facto de este corresponder a um vírus, o qual se pode manter assintomático por vários anos, como aliás se verificou no processo clínico de A....

  18. - Não se queira fazer do campo "se respondeu afirmativamente a qualquer pergunta, especifique a seguir, fazendo referência ao número da pergunta: as causas, evolução e situação actual da alteração de saúde mencionada" como o lugar...

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