Acórdão nº 48/16.3PBCSC-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução22 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

Nos autos de Inquérito que, com o n.º 48/16.3PBCSC, correm termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal – 3.ª Secção, da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais, o Ministério Público, não se conformando com o despacho, proferido em 18 de Abril de 2016, pela Mmª Juíza da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais – Instância Central – 2.ª Secção de Instrução Criminal – Juiz 2, que indeferiu o seu requerimento no sentido de que fosse oficiado às operadoras de telemóveis MEO, VODAFONE e NOS solicitando-lhes o envio da "LISTAGEM - EM SUPORTE DIGITAL E FORMATO EXCEL - CONTENDO TODOS OS DADOS DE TRÁFEGO - REGISTOS COMPLETOS DAS COMUNICAÇÕES EFECTUADAS E RECEBIDAS NAS BTS COM INDICAÇÃO DA HORA E COM INDICAÇÃO DOS NÚMEROS CHAMADOS E CHAMADORES, INCLUINDO AS MENSAGENS DE TEXTO, DURAÇÃO E HORA DAS CHAMADAS E LOCALIZAÇÃO CELULAR - RELATIVOS AOS CARTÕES SIM QUE OPERARAM ENTRE AS 01H45M E AS 02H30M DO DIA 9 DE JANEIRO DE 2016, QUANTO ÀS ANTENAS QUE SE IDENTIFICAM", veio dele interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "

  1. Visam os presentes autos investigar os factos ocorridos a 9 de Janeiro de 2016, pelas 02h30m, dos quais foram vitimas AA (d.n. xx/xx/1947), BB (xx/xx/1947), e CC (d.n. xx/xx/1974), ocorridos no interior residência mesmos, sita na DD, em Cascais, os quais se mostram susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de crime de roubo agravado, previsto e punido pelo disposto no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal (atento o disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal), e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, do Regime Jurídico das armas e suas munições.

  2. Realizadas diversas diligências foi possível trazer aos autos uma descrição física dos autores (quatro indivíduos, do sexo masculino: três deles mediam cerca de 1,80m e o quarto entre 1,85m/1,90m, este de pele morena, com sotaque yyyyy, com o braço esquerdo com uma tatuagem, trazia uma peruca com rastas no cabelo e tinha olhos cor de mel), pelo que, perante tal requereu-se à M.ma Juiz de Instrução que, ao abrigo do disposto nos artigos 10.º e 7.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, fossem as operadoras de telemóveis oficiadas para que remetessem relação de todos os cartões SIM e respectivos IMEI que tenham estado presentes e activos nas células que se discriminaram (dados de tráfego armazenados), com menção da respectiva localização celular, para o curto período temporal entre a 01h45m e as 02h30m do dia 9 de Janeiro de 2016.

  3. Na promoção elaborada dá-se conta da GRAVIDADE do crime (artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho) e da INDISPENSABILIDADE da diligência, com menção de que outras não se vislumbravam que pudessem alcançar o duplo objectivo de localização e identificação dos autores dos factos e de que a listagem remetida seria sujeita à respectiva análise, sendo única e exclusivamente junta aos autos a informação pertinente para a investigação.

  4. Em sede de decisão, a M.ma Juiz de Instrução, invocando os artigos 187.º e 189.º do Código de Processo Penal – sem esclarecer as razões do afastamento do regime constante da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho invocado ou as de aplicação do diploma legal indicado -, indeferiu a diligência requerida, concluindo que "entendemos que o requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público carece de fundamento legal", decisão da qual ora se recorre, por se entender que a mesma procedeu a uma errónea apreciação da promoção apresentada e a uma interpretação restritiva do conceito de suspeito, não sopesando, de forma adequada às necessidades impostas pela eficiência da justiça penal.

  5. Em primeiro lugar, sempre se dirá que terá de se atender ao teor da diligência requerida, que mais não é do que uma listagem de números de telemóvel e de IMEI (correspondendo tal à identificação do equipamento utilizado) - uma vez que diferentes cartões podem encontrar-se associados ao mesmo aparelho - que accionaram antenas determinadas num período temporal restrito, reduzido a quarenta e cinco minutos de madrugada, e da qual não consta qualquer conteúdo das operações realizadas.

  6. Em segundo lugar, sempre se dirá que, nos termos do disposto nos artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal apenas são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, devendo aqui entender-se à constante no artigo 262.º do referido diploma legal e aos princípios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade – "estas três vertentes são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática" (in Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar e outros, 2014, ALMEDINA). Ora, não sendo prova proibida, aferida a pertinência da diligência e mostrando-se a mesma respeitadora dos princípios indicados, teria de ser a mesma deferida.

  7. Em terceiro lugar, certo é que a decisão judicial de que ora se recorre não procede a qualquer apreciação do requerido, fazendo aplicar as normas previstas no Código de Processo Penal, afastando o regime previsto na Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, o qual é invocado na promoção que antecede, por se entender que constitui o aplicável à recolha de prova eletrónica por localização celular conservada, sem enunciar qualquer fundamento para tal.

  8. Mais se afirme, que dúvidas inexistem quanto à gravidade do ilícito em investigação - o qual constitui, em nosso entender, no crime que maior intranquilidade gera na sociedade, em face do modo aleatório coma as vítimas são escolhidas, a indiferença pelas mesmas e pela sua vida e a violência gratuita utilizada na sua consumação - e que a informação que se pretende recolher - listagem de números e IMEI que activaram um número determinado de antenas, num período de apenas 45 minutos (curto, refira-se) -, visando alcançar a dupla finalidade de localização e identificação dos suspeitos, alcançará efeitos úteis perante a possibilidade de comparação da mesma com a de outras investigações em curso e nas quais são descritos modos de atuação similares praticados por indivíduos cujas características em tudo se assemelham às dos descritos nos presentes autos.

  9. Por último, e parecendo resultar da decisão ora recorrida que a rejeição se funda na falta de identificação cabal de quem é o suspeito, sempre se dirá que, nos termos da definição constante do artigo 1.º, alínea e) do Código de Processo Penal, o mesmo é "toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou nele participou ou se prepara para participar", não se exigindo que o mesmo seja uma pessoa determinada ou identificada, mas apenas que estejamos perante "uma pessoa concreta, com determinadas características, ainda que não devidamente apurada a respectiva identidade e sobre a qual existam indícios de que cometeu ou se prepara para cometer um crime" (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10 de Julho de 2014, Processo n.º 36/14.4GDEVR-A.E1).

  10. A noção de suspeito avançada no despacho de que ora se recorre, não tendo correspondência na lei, constitui uma limitação excessiva do normativo, produzindo, no limite, a ineficácia do meio de prova em causa em todos os casos em que o agente do crime não se mostra cabalmente identificado.

  11. Mais se acrescente que, em todo o caso, os dados obtidos, atenta a forma como solicitados, não violariam a privacidade de qualquer cidadão. Por um lado, porque a listagem remetida apenas conteria uma lista dos números/IMEI que acederam, em determinado dia e hora, a uma determinada antena, sem qualquer informação sobre o conteúdo dessa operação e, por outro lado, porquanto a informação que seria junta aos autos respeitaria única e exclusivamente aos ‘suspeitos’ e ‘intermediários’ (artigo 10.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho) em estrito cumprimento dos princípios constitucionais erigidos nos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 18, n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

  12. O indeferimento da diligência, uma vez que se mostram preenchidos todos os requisitos legais – gravidade e indispensabilidade – e se aferem protegidos os princípios da idoneidade, necessidade e proporcionalidade (além do mais, em face do modo como a informação seria remetida e o conteúdo a verter para os autos) vai contra as próprias finalidades da investigação criminal, nos termos do constante no artigo 262.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

  13. Pelo que, com o despacho judicial proferido a M.ma Juiz de Instrução violou o disposto nos artigos 125.º, 126.º, 262.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como os artigos 10.º e 7.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho e procedeu a uma interpretação restritiva e violadora da definição constante do artigo 1.º, alínea e) do Código de Processo Penal, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que determine a remessa dos elementos solicitados, nos termos requeridos na promoção que o antecede.

Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão judicial recorrida e substituindo-a por outra que determine a remessa aos autos das informações solicitadas nos termos e para os efeitos referidos, só assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA" (fim de transcrição).

  1. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 48.

  2. Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu “Visto” e emitiu o seguinte parecer: "Do despacho lavrado a fls. 45 e segs. (em certidão), pela qual foi indeferida a pretensão do MºPº em preservar e obter dados que permitam identificar eventuais suspeitos de prática de roubo agravado, vem o MºPº, atempadamente, interpor recurso (fls. 2 e segs.), a cujos argumentos aderimos por inteiro para opinarmos no sentido de que o recurso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT