Acórdão nº 122/13.8TELSB-AB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução14 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1.

No Tribunal Central de Instrução Criminal, Processo de Inquérito com o nº 122/13.8TELSB, foi proferido despacho, aos 26/01/2016 que, relativamente a requerimento apresentado pelo arguido J., decidiu não haver lugar a apreciação da questão de que seja determinado ao Ministério Público que profira despacho de arquivamento ou seja declarada verificada a caducidade do direito do Ministério Público exercer a acção penal; indeferiu a pretensão de extinção, por caducidade, das medidas de coacção vigentes; indeferiu o invocado justo impedimento para preparar e interpor recurso sobre a decisão de fls. 23.869 e o pedido de prorrogação do prazo para interposição desse recurso e indeferiu a pretensão de que fosse admitido o recurso interposto do despacho de fls. 23.869, com pagamento de multa pela apresentação no terceiro dia útil após o termo do prazo para o efeito.

  1. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição): A. O recorrente conforma-se apenas parcialmente com a decisão recorrida sobre as medidas de coacção, na parte que tange à medida de coacção proibição de contactos com outros arguidos, pretendendo neste recurso impugnar o decidido relativamente à proibição de se ausentar para o estrangeiro.

    B. É certo que ambas encontram previsão no artigo 200º do Código de Processo Penal (CPP), sendo prima fatie aplicável o disposto no artigo 217º nº 2 do mesmo diploma. Todavia, entende o recorrente, após melhor reflexão, que é absolutamente distinta a natureza de uma e a de outra.

    C. A medida de não se ausentar para o estrangeiro, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 200º, ao contrário ou diferentemente da primeira, consubstancia-se numa efectiva restrição da liberdade de circulação, constituindo uma verdadeira medida cautelar privativa da liberdade – tal como este conceito vem previsto no artigo 2º do protocolo adicional nº 4, para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    D. Nesse sentido mesmo se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia.

    E. O direito à liberdade de circulação é um princípio fundamental da União Europeia, tutelado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – cf. artigo 6º, 15º, 20º, 21º -, pelo Tratado da União Europeia – cf. artigos 2º, 6º e 9º - e pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia – cf. artigos 18º, 20º e 45º -, pela Directiva de 2004 sobre a liberdade de circulação e pela Convenção sobre a Aplicação do Acordo de Schengen.

    F. Ora, por força da medida em causa, e considerando a perspectiva da União, do seu espaço e do seu Direito, está o recorrente a ser tratado como se fosse um estrangeiro no Espaço Europeu, vendo coartado o seu direito à liberdade, à livre circulação no espaço Schengen.

    G. Parece ao recorrente ser ilegítimo, face às normas e aos princípios em que se funda a União Europeia, e que vinculam o Estado Português, que este possa, através do seu poder judicial, sujeitar o recorrente a sucessivas restrições ou compressões desse direito, duplicando assim o prazo legalmente previsto para qualquer delas.

    H. Por imposição constitucional do artigo 8º da Constituição, e por força das normas e princípios do Direito da União, o disposto nos artigos 217º nº 2 e 218º nº 2 deve ser interpretado conjugadamente no sentido de limitar a restrição à liberdade de circulação apenas ao prazo máximo aplicável, que no caso é o previsto no artigo 215º do CPP, devendo o tempo de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação ser descontado na contagem do prazo de duração máxima da proibição e imposição de condutas, quando respeite a medidas cautelares limitadoras da liberdade de circulação, I. Sob pena de a norma em causa, dos artigos 217º nº 2 e 218º nº 2 deverem ser julgadas inconstitucionais, precisamente por violação das normas e princípios supraconstitucionais antes citados, e do disposto nos artigos 8º e 27º da Constituição.

    J. O direito à liberdade significa, como decorre do contexto global desse artigo, direito “a liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, direito de não ser detido, de não ser aprisionado, ou de qualquer outro modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar. A Constituição não contém efectivamente uma disposição consagrando um direito à liberdade em geral, não garante a liberdade em geral, mas sim as principais liberdades em que ela se analisa”.

    K. Se na contabilização dos prazos máximos de aplicação sucessiva de medidas de coacção substancialmente restritivas de liberdade de circulação não for considerado o lapso temporal já decorrido naquela que foi cumprida em primeiro lugar, deverá concluir-se estar perante uma restrição injustificada da liberdade.

    L. No caso dos autos, para contabilização do prazo máximo da medida de coacção prevista no artigo 200º nº 1 alínea b) a que está sujeito, deve ser acrescentado o tempo a que esteve sujeito a prisão preventiva carcerária e domiciliária, razão por que considera que o prazo máximo da medida de proibição de ausência para o estrangeiro se mostra já extinto por caducidade.

    M. As duas decisões do Senhor Director do DCIAP proferidas ao abrigo do artigo 276º nº 7 do CPP significam que o ora recorrente continua a estar sujeito, como suspeito arguido, a um inquérito crime sem qualquer limite de prazo quanto à sua conclusão - de arquivamento ou de acusação.

    N. Resulta claramente da lei — artigo 276º nºs 1 a 5 do CPP — que qualquer inquérito crime está sujeito a prazos máximos e que, perante a comunicação do titular do inquérito prevista no artigo 276º nº 6 do CPP, ao seu superior hierárquico apenas cabe (a) avocar o processo ou (b) tomar os procedimentos que, na qualidade de superior hierárquico, entender serem úteis para imprimir celeridade ao inquérito, ficando obrigado a comunicar à Procuradora-Geral da República, ao arguido e ao assistente a «violação do prazo» e a decidir sobre «o período necessário para concluir o inquérito» - cf. artigo 276º n.º 7, que especifica que segmento da decisão deve ser dado conhecimento ao Procurador Geral da República, ao arguido e ao assistente: "da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito".

    O. Não cabe legalmente ao superior hierárquico do titular do inquérito o poder ou faculdade de decidir fixar novos prazos para apresentação de informações complementares, por considerar que não haveriam elementos bastantes para fixar o período necessário para concluir o inquérito. Verificando, ou entendendo não existirem tais elementos, só lhe restaria fixar prazo curto para o arquivamento, talqualmente prescreve, de resto, o nº 2 do artigo 277º.

    P. Mostram-se evidentes as ofensas e restrições aos direitos fundamentais, que a sujeição como suspeito arguido a um inquérito crime sempre implica, desde logo o direito à paz jurídica, com tudo o que representa e significa.

    Q. Tais ofensas e restrições, no caso concreto, pelas especificas características individuais do ora recorrente, pela enormidade da devassa, pelo absurdo dessas restrições, pela manutenção indefinida e esmagadora de nuvens de suspeição, pela indiciariamente criminosa divulgação de elementos processuais ofensivos da dignidade pessoal e da boa e adequada realização da justiça, mostram-se gravíssimas e de todo injustificadas.

    R. Os prazos máximos de inquérito previstos no artigo 276º nºs 1 a 5 do CPP não têm, no modo de ver do recorrente, uma mera função ordenadora do exercício pelo Ministério Público da acção penal, ou apenas indicativa dos termos da conduta (seja qual seja a sua natureza: administrativa, jurisdicional ou outra) em que se consubstancia a sua intervenção no inquérito. Muito pelo contrário, a norma que fixa tais prazos máximos mostra-se passível de ser subjetivada, segundo a óptica do arguido potencialmente destinatário do acto lesivo, assumindo por isso o prazo legal, aqui, uma natureza garantística, que faz emergir para o arguido – para o cidadão – o direito subjetivo a, decorrido esse prazo, já não poder ser destinatário de uma decisão lesiva. Somente dentro desse prazo o Ministério Público se encontra habilitado a intervir, no âmbito de um concreto inquérito, sobre a esfera jurídica do arguido.

    S. Se o prazo legal, em procedimentos de iniciativa oficiosa, assumir a natureza de prazo máximo, tiver sido estabelecido como garantia do arguido — do cidadão, dos indivíduos - a obter uma definição da sua situação jurídica em cenários passiveis de conduzir a uma decisão com efeitos desfavoráveis (v.g., face à sua liberdade, honorabilidade, propriedade ou outros bens jusfundamentais), o decurso do prazo faz caducar o procedimento.

    T. Trata-se do afloramento de um princípio geral consagrado no artigo 128º, nº 6, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), passível de encontrar outras manifestações ilustrativas, desde logo ao nível do processo penal (v.g., prazo máximo de inquérito), por força do disposto no artigo 32º nº 2 da CRP. Desde que exista um prazo máximo de decisão criado a favor ou como garantia do arguido — do cidadão - contra intervenções desfavoráveis na sua esfera jurídica, a inércia do Ministério Público - a inércia administrativa - produzirá efeitos preclusivos sobre o exercício dos respectivos poderes.

    U. Diferente entendimento não se coadunaria com os requisitos do artigo 276º do Código de Processo Penal para a extensão e alargamento destes prazos. Nem com a previsão do artigo 277º nº 2, que impõem que o inquérito seja arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes, por esvaziar de sentido e tornar impossível a determinação temporal dessa possibilidade. Ou com o disposto no artigo 279º, que prevê a reabertura do inquérito se surgirem novos elementos de prova.

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