Acórdão nº 116/15.9PASXL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes no Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: 1.-O Ministério Público encerrou o inquérito nos autos com o n.º 116/15.9PASXL e formulou acusação contra C.S.R. e A.R.P., imputando a cada um dos arguidos o cometimento em autoria material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86° n° 1 al. d) por referência ao artigo 2° n° 1 al. m) da Lei n° 5/2006 de 23-02, porquanto, em síntese, no dia 03-03-2015 pelas 12:15h, agindo livre e conscientemente, o arguido C.S.R. encontrava-se na posse de duas facas de cozinha, ambas dotadas de uma lâmina de 21,5cm e a arguida A.R.P. empunhava numa mão um cutelo de cozinha com 17,3cm de lâmina e não justificaram a posse desses objectos.

Em sequência, foi proferido o seguinte despacho judicial (transcrição): “Autue como processo comum, com intervenção do tribunal singular.

O Tribunal é o competente.

Inexistem nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação, a fls. 79 a 82, imputando aos arguidos C.S.R. e A.R.P. a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea m) e 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02.

Para tanto, em síntese, imputou o Ministério Público aos arguidos a detenção, em 3-03-2015, respectivamente, de duas facas de cozinha, dotadas de uma lâmina de 21,5 cm e um cutelo de cozinha, com 17,3 cm de lâmina, e não justificaram a posse desses objectos, cientes de que os mesmos eram susceptíveis de causar a morte quando usados como instrumentos de agressão e que esse comportamento era proibido por lei.

Face ao objecto dos autos assim delineado, há que atentar no estatuído no artigo 2.º, n.º 1, alínea m), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção já vigente á data dos factos, de acordo com o qual é arma branca “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm e, independentemente das suas dimensões, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões.” Por sua vez, de acordo com o artigo 3.º, n.º 2, alínea f), desse mesmo diploma legal, são classificadas como armas da classe A “As armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção;”.

O artigo 4.º da Lei n.º 5/2006, estatui que: “1-São proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A.

2-Sem prejuízo do disposto no número anterior, mediante autorização especial do director nacional da PSP, podem ser autorizadas a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, a utilização, a importação, a exportação e a transferência de armas e acessórios da classe A destinados a museus públicos ou privados, investigação científica ou industrial e utilizações em realizações teatrais, cinematográficas ou outros espectáculos de natureza artística, de reconhecido interesse cultural, com excepção de meios militares e material de guerra cuja autorização é da competência do ministro que tutela o sector da defesa nacional.

3-As autorizações a que se refere o número anterior são requeridas com justificação da motivação, indicação do tempo de utilização e respectivo plano de segurança.”.

Por fim, o artigo 86.º, n.º 1, alínea d), dessa lei prevê que (sublinhado nosso): “1-Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…) d)Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.”.

Transpondo tal para o caso em apreço, temos que as armas, de acordo com a acusação, cuja detenção é atribuída aos arguidos, correspondem a armas brancas, mas não se pode entender que seja da classe A, pois as mesmas têm uma aplicação definida, em face dessas mesmas características, sendo usadas comummente em actividades domésticas, mormente cozinha, e somente integram o tipo de crime vertido no artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, as armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.

Ou seja, nos casos em que uma arma branca tem uma aplicação que, pelas suas próprias características, está definida: uma faca que o uso esperado é o de ser usada para fins culinários, como sucede com as duas facas e o cutelo ora em apreço, uma catA.R.P. ou uma foice que é comummente usada na agricultura, já não correspondem a objectos cuja detenção seja proibida e que integrem o tipo de crime em apreço, ainda que possam, clara e inequivocamente serem usados como instrumentos de agressão. É que o legislador não quis punir a detenção de objectos que possam ser usados como armas de agressão in...

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