Acórdão nº 1838/16.2T8CSC. L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: A veio intentar providência cautelar de reparação provisória, alegando que ficou, por força de acidente de viação da exclusiva responsabilidade de segurado da requerida, impossibilitado de trabalhar e de angariar proventos/rendimentos que lhe permitam proceder ao pagamento das suas mais elementares despesas, nomeadamente de alojamento e alimentação; pede que lhe seja fixada uma renda mensal de 1200€, pagamento de valores retroactivos desde Janeiro de 2016, pagamento de despesas médicas e medicamentosas, actualização desses valores tendo em conta a progressão de vencimentos do requerente e a taxa de inflação; alegou os factos conducentes a tais pedidos.

A requerida contestou, impugnando parte dos factos e a existência dos pressupostos do direito à reparação provisória, concluindo que não deve ser atribuída tal compensação ou que a mesma não deve ter o montante pedido, por ser exagerado.

Depois de realizada a produção de prova, foi proferida sentença fixando em 530€ a renda mensal, como reparação provisória, a pagar pela requerida ao requerente, vencendo a primeira renda no 1º dia do mês subsequente à data da dedução do pedido, e absolvendo a requerida do demais pedido.

A seguradora veio recorrer desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido -, arguindo a nulidade da mesma, impugnando alguns dos factos dados como indiciariamente provados e pondo em causa o valor achado para a renda mensal, sendo estas as questões a decidir.

O requerente contra-alegou dizendo que o recurso devia ser julgado improcedente.

* O tribunal recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos (transcrevem-se apenas aqueles que podem ter interesse para a decisão das questões a decidir, não aqueles que têm a ver como o acidente se deu, pois que a requerida assumiu a responsabilidade dos danos causados): 1-No dia 06-04-2015, na Rua X, ocorreu um acidente de viação.

2-Foram intervenientes neste acidente o veículo ligeiro de passageiros com matrícula xx, segurado na requerida, através de contrato titulado pela apólice xx, e o veiculo ligeiro de passageiros com matricula yy, segurado na Y, por contrato de seguro titulado pela apólice xx, tendo ficaram feridos o condutor e o passageiro de veiculo com matrícula yy, que foram transportados pelos Bombeiros Voluntários ao Hospital Z.

[…] 13-Na requerida corre processo de sinistro nº xx, sendo que ela assumiu a responsabilidade pelo sinistro, tendo indemnizado os danos da viatura.

14-A requerida foi interpelada para indemnizar o requerente em 17-07-2015 e para fazer adiantamento e indemnização provisória, por o sinistrado não poder trabalhar.

15-O requerente teve que intentar uma primeira providência para receber um adiantamento de 5000€ até Janeiro de 2016.

16-Desde Janeiro de 2016 que a requerida nada pagou ao requerente.

17-A requerida avaliou o requerente e entende que o mesmo tem lesões permanentes que avalia em 10 pontos ou 10%, tendo-o dado como curado com tal desvalorização em 01-02-2016.

18-Após o acidente o sinistrado foi transportado ao Hospital onde foi admitido com a indicação de grande traumatismo – contusão do tronco e foi assistido e fizeram-lhe raio X, análises e exames.

19-Após a avaliação inicial o sinistrado foi diagnosticado com dor e hematomas, hérnia lombar, encaminhado para o médico de família.

20-O requerente continuou com dores [e] limitações de mobilidade.

21-O requerente passou a ser assistido pelos serviços clínicos da requerida, na Clínica X.

22-O requerente teve em tratamentos na Clínica X desde 01-06-2015 e até ao final de Janeiro de 2016.

23-O requerente foi operado no dia 07-07-2015 e esteve internado na Clínica X até 10-07-2015.

24-O sinistrado/requerente esteve de baixa pelo médico da seguradora até final Janeiro de 2016.

25-O requerente perdeu a capacidade de flexão da coluna e continua a ter dores na coluna.

26-O requerente continua com os movimentos limitados pelas dores na coluna e tem falta de força.

27-Não pode executar os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente. [este ponto passará a ter a seguinte redacção face ao que se decidirá mais à frente: O requerente tem dificuldades e limitações em executar todos os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente.] 28-A postura do requerente alterou-se, tendo passado a ter uma postura ligeiramente inclinada.

29-O requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol, valdispert e paracetamol [este ponto passará a ter a seguinte redacção face ao que se decidirá mais à frente: O requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol-paracetamol, e outros, como o valdispert.] 30-O requerente tentou voltar a receber tratamento mos serviços clínicos da requerida, mas quando o médico, Dr. CB, lhe deu alta, foi-lhe dito para ir ao médico de família e da Segurança Social que passaria a segui-lo.

31-Na sequência das lesões sofridas no acidente, o requerido ficou afectado de limitação para executar trabalhos mais pesados, necessitando do apoio de familiares e dos vizinhos para fazer face às suas despesas diárias.

32-O requerente vivia e vive numa casa com outros emigrantes.

33-O requerente não recebe qualquer pensão ou outro subsídio.

34-Antes do acidente o requerente fazia biscates em oficinas, de apoio a um casal de idosos e de jardinagem, tirando daí o rendimento para fazer face às suas despesas, não tendo podido apurar-se o montante desse rendimento mensal.

35-O requerente era um homem saudável, activo e trabalhador e ficou com uma incapacidade, que a requerida reconhece mas que carece de ser melhor avaliada.

36-O requerente ficou psicologicamente afectado, isolou-se, deixou de trabalhar.

* I- Da nulidade da sentença Diz a requerida nas conclusões 1 a 4: 1. Da selecção da matéria de facto apurada após produção de prova e considerada na sentença, resulta uma ambiguidade que não permite perceber a decisão, designadamente os fundamentos da mesma, estando a decisão, necessariamente, em oposição com os mesmos.

  1. Entende o tribunal a quo simultaneamente que o requerente: [a seguradora transcreve aqui os pontos de facto provados sob 27 e primeira metade de 31, até à segunda vírgula, e os pontos 2 e 5 dos factos não provados, que são os seguintes: 2 - As lesões ortopédicas que lhe advieram do acidente representem incapacidade total para a actividade laboral; 5 - O sinistrado não possa executar todo e qualquer trabalho, pois está doente].

  2. Face a esta ambiguidade e tendo em conta que a decisão de mérito se subsume em larga medida à matéria fáctica apurada no decorrer da audiência, é pois por demais evidente que os fundamentos de facto, mesmo aqueles e no presente caso especialmente, aqueles que foram julgados de forma negativa, não permitem sindicar a decisão final.

  3. Esta evidente ambiguidade da matéria de facto, faz com a sentença esteja ferida na sua validade, na medida em que se encontra em objectiva e evidente oposição com a matéria de facto julgada como não provada, leia-se fundamentos, estando assim preenchido o requisito imposto pelo art. 615/1-c do CPC, o que acarreta a nulidade da sentença.

    O requerente diz que a requerida não tem razão.

    * É evidente que a seguradora não tem razão.

    Por um lado, porque o dar-se uma afirmação de facto como não provada, não é igual a dar-se como provada a afirmação de facto contrária.

    Basta ter isto em atenção, para ser absolutamente evidente que não há qualquer contradição entre os factos dados como indiciariamente provados em 27 e 1ª metade de 31, e as afirmações de facto não dadas como provadas em 2 e 5.

    Aliás, nem sequer é preciso usar tal regra: da confrontação das afirmações de facto dadas como provadas em 27 e na 1ª metade de 31, com aquilo que consta como afirmações de facto que não se tiveram como provadas em 2 e 5, logo resulta que não há qualquer contradição entre elas, desde que se tenha em conta que umas são afirmações provadas e outras afirmações não provadas.

    Por outro lado, a eventual contradição entre afirmações de facto provadas e não provadas, seria fonte geradora de vício na decisão da matéria de facto, situação prevista e solucionada no art. 662 do CPC, e não da sentença, situação prevista e solucionada no art. 615 do CPC.

    Assim, por exemplo, o acórdão do TRC de 20/01/2015, 2996/12.0TBFIG.C1: “[…] II-Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto...

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