Acórdão nº 104/12.7IDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOUREN
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO Os arguidos M... e E... foram nos presentes autos condenados pela prática dos seguintes crimes: O arguido M... pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC); Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão; Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período; Condenar o arguido E... pela prática, em co-autoria, de dois crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artº 104, ns. 1 e 2, al. a) do RGIT, o primeiro na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (IVA) e o segundo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (IRC); Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 3 anos de prisão; Nos termos do artº 14 do RGIT, conjugado com o artº 50 do C. Penal, suspender a execução da pena de prisão por igual período; Não se conformando com o acórdão proferido, veio o MºPº interpor recurso daquele acórdão a folhas 1095 e seguintes, apresentando entre o mais as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: - Os factos praticados pelos arguidos, e que o acórdão recorrido descreveu com rigor, causaram prejuízos significativos ao Estado; - O Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, publicado no DR, 1ª Série, de 24.10.2012, não tem in casu aplicação por não estar em causa a pena do n.º 1 do art.º 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias; - No domínio da criminalidade fiscal, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos - art. 14º do RGIT.

- Neste particular, não existe qualquer poder discricionário do tribunal de optar ou não pela aplicação da referida condição: ou suspende a execução da pena de prisão e impõe a condição ou não suspende a execução da pena de prisão.

- Nestes termos, optando o tribunal pela pena de suspensão da execução da prisão, deve, sempre e em todos os casos, subordiná-la ao cumprimento do pagamento da prestação tributária e acréscimos legais em dívida.

- Quanto à previsível impossibilidade de pagamento da quantia em divida não podemos esquecer que no caso em análise as condições pessoais e económicas dos arguidos, dadas por assentes não serão muito diferentes das de milhões de cidadãos que gerem os seus recursos – não raras vezes bem mais parcos.

- Face às condições económicas dos arguidos, mesmo na tese defendida pelo tribunal colectivo, sempre seria prematuro que, desde já, se realizasse um juízo de impossibilidade futura de cumprimento, sem atender, por um lado, a um eventual regresso de “boa fortuna”, até porque os arguidos continuam activos profissionalmente e possuem valores e património de que podem lançar mão, e por outro lado, sem ter em conta que isentar os arguidos de qualquer obrigação de pagamento é permitir que possam beneficiar da dissimulação ou dissipação dos valores de que se apropriaram (ou da sua conversão em outros valores, ocultáveis ou ocultados), pactuando com tal dissimulação ou dissipação, a que acresce ainda o dever que os arguidos têm de procurar, pelos meios adequados e num prazo razoável, prover ao cumprimento da obrigação, em conformidade, com a sua situação patrimonial, nem que seja apenas de forma parcial.

- Optando-se pela suspensão da execução da pena aplicada aos arguidos, teria, pois, necessariamente de se lhes impor o cumprimento estrito de obrigações que os levassem a reparar as consequências danosas dos seus actos, por forma a evitar dar aos intervenientes processuais a sensação de que o crime pode, afinal, compensar; - Do mesmo modo, levar-se-ia pedagogicamente os arguidos a interiorizar a censura ética que deve impender sobre condutas deste tipo, respondendo-se ainda a uma legítima expectativa do Estado – e, sobretudo, da sociedade – e cumprindo-se as demais finalidades visadas pela punição.

- Pelo exposto entende-se que o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 14º, 1 do RGIT e 50º e 51º do Código Penal.

- Pelo que, consequentemente, requer-se a alteração do presente acórdão recorrido por outro que proceda à suspensão da pena aplicada, pelo mesmo período, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, estabelecendo, para o efeito, um plano de pagamentos, que imponha aos arguidos a realização efectiva de um esforço para o seu cumprimento.

Vªs. Exªs., no entanto, apreciarão e decidirão assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! O recurso foi admitido a folhas 1118, tendo sido fixado o seu efeito e regime de subida.

Os arguidos junto da primeira instância responderam, vide folhas 1124 a 1139 e 1140 a 1144 à motivação do recurso apresentado pelo MºPº, pugnando a final dever ser mantido na íntegra a decisão recorrida, cujo teor se tem por reproduzido, mas pugnando ambos a final dever improceder o recurso interposto.

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta, em 14 de Setembro de 2016, em douto parecer, louva-se em que seja julgado improcedente o recurso apresentado, estribando-se na resposta apresentada pelo MºPº, junto da 1ª instância.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O recurso interposto de uma sentença abrange, em princípio, toda a decisão, vide artigo 402º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Admite, porém, a lei que o recorrente limite o recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas – artigo 403.º, n.º 1, do mesmo diploma.

No caso, o MºPº restringiu o recurso que interpôs à questão da escolha e determinação da sanção, o que é legalmente admissível – alínea d) do n.º 2 do citado artigo 403.º do Código.

Por isso, os poderes de cognição deste tribunal encontram-se limitados a essa parte da decisão, objecto da apreciação que se fará infra.

O objecto do recurso interposto pelo MºPº o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento da seguinte questão e relativamente aos dois arguidos: 1. Que se proceda à suspensão das penas aplicadas a ambos os arguidos, pelo mesmo período, condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, estabelecendo, para o efeito, um plano de pagamentos, que imponha aos arguidos M... e E... tal obrigação.

Vejamos então: O acórdão sob censura tem o seguinte teor, nos segmentos que ora nos interessam: (…) I - RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo o Ministério Público acusa M..., E..., MIU...., com sede na E…, Lda., com sede Imputando aos arguidos a prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, na forma consumada, p. e p. pelo artº 104, ns 1 e 2, al. a) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/6 Os arguidos M... e “MIU...” requereram a abertura da instrução e foram pronunciados pelos factos e dispositivos legais constantes da acusação.

II - FACTOS PROVADOS Discutida a causa apurou-se o seguinte: 1. A sociedade “MIU...” encontrava-se colectada em IRC desde 11.08.2005, pela actividade de “comércio, importação, exportação e representação de produtos e equipamentos informáticos, desenvolvimento de software, consultoria e formação na área de informática” tendo cessado actividade em 31.01.2012.

  1. Esta sociedade, enquanto manteve actividade, foi sempre representada pelo arguido M..., a quem cabia tomar todas as decisões em nome e no interesse da “MIU.... Informática”; 3. Em sede de IVA, a “MIU...”, estava enquadrada, no regime normal de periodicidade mensal até 31.12.2008 e de periodicidade trimestral a partir de 1.01.2009; 4. A primeira sociedade arguida desenvolveu uma actividade real e lucrativa de compra e venda de licenças e sobretudo de prestação de serviços; 5. A sociedade “E...,Lda.”, dedicou-se designadamente à análise, concepção e programação de sistemas informáticos e outras actividades conexas; 6. O arguido E... era o seu representante, agindo em nome e no interesse da sociedade “E.A. Contreiras”; 7. Em data não apurada de 2009, o arguido M... solicitou ao arguido E... a emissão de facturas fictícias pela “E...Lda” para que fossem utilizadas pela “MIU...”; 8. Como contrapartida, o arguido E... recebia 50% do IVA respectivo (mencionado nas facturas), pago através de transferências bancárias efectuadas para a conta da segunda sociedade arguida, na Caixa Geral de Depósitos; 9. De todas as facturas que a segunda sociedade arguida emitiu à primeira sociedade...

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