Acórdão nº 12944/12.2YYLSB-A.L1.-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução18 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: ...–CENTROS ..., LDA. (com sede na Praça de A..., n.º ..., ...ºDto., em Lisboa) deduziu Oposição contra a execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada por ... BIONICS, S.A.R.L. (com sede 3m 76, Rue de Battenheim, Rixheim, França), tendo por base um documento particular redigido em língua Inglesa e alegadamente subscrito por um gerente da Executada, nos termos do qual a sua representada declarou “assumir o pagamento do montante em dívida relativo a 10 implantes cocleares destinados aos hospitais públicos portugueses, pelo valor acordado no contrato, e irá liquidar a dívida em causa com a maior brevidade possível ”.

Para tanto, alegou, em síntese: a)que o documento dado à execução não constitui título executivo, porquanto não foi assinado pelo seu gerente Sr. Rui ... de ...; e, subsidiariamente, b)deter um crédito sobre a Exequente um crédito no montante global de € 634.500, emergente de um suposto incumprimento contratual em que a Exequente teria incorrido, o qual pretende ver compensado com a dívida exequenda.

A Exequente contestou, pugnando pela improcedência da Oposição à execução.

Findos os articulados, o processo foi saneado, seleccionaram-se os factos assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos na base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida Sentença (datada de 11/09/2015) com o seguinte teor decisório: «Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo improcedente, por não provada, a presente oposição à execução, e, em consequência, absolvo a Exequente do pedido formulado nestes autos, prosseguindo a execução os seus precisos termos.

Custas pelo Embargante (art. 446º, n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).» Inconformada com o assim decidido, a Executada aqui Embargante interpôs recurso da referida sentença – adimitido como de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (arts. 691º, n.º 1, 691º-A, n.º 1, al. a), e 692º, n.º 1, todos do actual C.P.C. de 1961), tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: “DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

I.

A ora Recorrente apresentou oposição à execução, alegando, em síntese: 1) não ser verdade que a declaração oferecida como título executivo havia sido entregue à exequente - donde resultaria a inexistência de título executivo; 2) iliquidez da obrigação exequenda, na medida em que, por força do contrato subjacente à declaração de dívida, a obrigação nesta contida não era determinável por simples cálculo aritmético.

II.

No que concerne à inexigilidade do título executivo, a executada alegou que a declaração surgiu no contexto de um contrato, “estando o seu quantum a apurar em sede de saldo de tal contrato longe de depender de simples cálculo aritmético” (art. 16 da oposição à execução)” III.

Para tanto, alegou outros factos que enquadrou juridicamente como excepção de compensação, invocando não só o incumprimento contratual por parte da exequente, mas também chamando à colação o que no Anexo A consta expressamente a respeito de custos relacionados com a promoção dos produtos objecto do contrato e de custos de formação (artigos 25, 26 e 73 da oposição à execução).

IV.

Por douto despacho de 8.10.2014, a Meritíssima Juiz a quo, julgou improcedente a excepção de compensação invocada, não levando, consequentemente, à base instrutória qualquer facto alegado pela executada a respeito da iliquidez da obrigação exequenda e correlata inexequibilidade do título executivo.

V.

O Tribunal a quo entendeu que a executada fundou a sua pretensão compensatória numa situação de responsabilidade civil derivada da actuação que imputou à exequente, da qual teriam resultado prejuízos, na dupla vertente de danos emergentes e lucros cessantes, atribuindo a esta “não uma obrigação de prestar, mas um dever de indemnizar”. [Douto despacho de 08.10.2014, de fls, que julga improcedente a excepção de compensação.] VI.

Decorrendo a inexequibilidade do título executivo do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função, sendo, pois, causa fundante da improcedência da acção executiva, impunha-se, - perante a alegação das partes baseada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do dever de prestar, - apurar se estavam ou não preenchidos os requisitos do título executivo, levando tais factos à base instrutória e permitindo que sobre eles se fizesse prova.

VII.

Por outro lado, decorrendo expressamente do contrato (Anexo A) a assunção de responsabilidade da exequente na relação comercial estabelecida entre as partes – quanto aos custos de formação e de promoção dos produtos – não estamos perante matéria enquadrável num direito de crédito indemnizatório decorrente de responsabilidade civil.

VIII.

Os factos alegados pela executada quanto à excepção de compensação não foram declarados não escritos, nem foi ordenado o desentranhamento da peça processual.

IX.

A Meritíssima Juiz a quo, não estando sujeita às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito (art. 664º Código de Processo Civil), tinha o poder –dever de levar à base instrutória os factos alegados pela executada, modificativos ou impeditivos do direito da exequente, selecionando a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, que deva considerar-se controvertida.

X.

Neste quadro, impunha-se a inclusão da alegação da executada vertida nos artigos 16, 25, 26 e 73 da oposição à execução na base instrutória.

XI.

Sendo a ampliação da matéria de facto indispensável à descoberta da verdade, deve a decisão ora recorrida ser anulada, nos termos do art. 662º, nº 2), al. c) NCPC, aplicável ex vi art. 7º, nº 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho.

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

XII.

A Recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, porquanto, da instrução resultam provados factos que o Tribunal a quo não considerou e que determinam uma decisão diversa da que foi proferida.

XIII.

O Tribunal a quo deu como provado que a “executada remeteu à exequente, por correio electrónico, a declaração referida em A.”, fundando a sua convicção no depoimento de parte da representante legal da executada, no depoimento da testemunha arrolada pela executada, bem como no depoimento do representante legal da exequente.

XIV.

Se é certo que do depoimento da legal representante da executada resulta que a cópia da declaração dada à execução como título executivo foi enviada à exequente por correio electrónico, também é certo que quando lhe foi perguntado se escreveu a declaração sabendo que era verdade o que dela consta, a depoente esclareceu que se tratava de uma verdade parcial na medida em que, havendo contas a acertar entre exequente e executada, a dívida desta para com aquela não se cifra no montante plasmado na declaração, conforme tudo melhor consta da assentada.

XV.

Na acta, nada consta sobre qualquer posição tomada sobre assentada.

XVI.

A par de factos que lhe são desfavoráveis, a depoente narrou outros com aquele conexos, que infirmando a eficácia do facto confessado, podem conduzir à extinção dos seus efeitos.

[Ac. STJ de 9.10.2014, proc. 311/11.0TCFUN.L1.S1. (disponível in www.dgsi.pt)] XVII.

A indivisibilidade da confissão complexa tem como consequência a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente, tendo a parte contrária, se não quiser ser prejudicada pela parte da confissão favorável ao confitente, de provar que ela não é verdadeira, o que não fez.

XVIII.

Assim sendo, da matéria assente não pode constar apenas que a executada remeteu a declaração à exequente, devendo aditar-se ao elenco de factos provados o contexto negocial que determinou a emissão da declaração.

XIX.

Do depoimento da testemunha Rui ... de ... resulta, igualmente que entre as partes havia encontros de contas a fazer, que a declaração foi emitida a pedido da exequente na véspera de uma cirurgia e para a qual teria que ser fornecido um implante coclear, tendo a exequente feito depender o fornecimento do implante da emissão da declaração.

XX.

Mais adiantou que a relação que existia entre exequente e executada era de abertura, de franqueza e de confiança mútua e que a declaração, por servir, tão só, para permitir o fornecimento do implante para a cirurgia agendada, foi apenas enviada à executada por correio electrónico.

XXI.

A declaração foi emitida no sentido de dar a entender que tinham sido fornecidos pela exequente 10 implantes, mas que, fruto das contas a acertar no âmbito do contrato, não exprimia o valor devido pela executada (saldo entre as partes); XXII.

Da análise do depoimento da testemunha não é legítimo concluir, como concluiu a Meritíssima Juiz a quo, que o depoente “foi claro em afirmar que a declaração serviu para confirmar aquilo que era verdade.” XXIII.

Também aqui é de considerar ser de aditar à matéria assente o que deste depoimento resulta quanto ao contexto da emissão da declaração, bem como às condições contratuais vigentes entre as partes.

XXIV.

José C...C... foi indicado como testemunha da exequente, apurando-se, posteriormente, que o referido senhor é, afinal, representante legal da exequente, ou seja, parte no processo.

XXV.

Do seu depoimento resulta que as despesas aludidas no anexo A do contrato - custos de formação e promoção – eram, afinal, suportados pela exequente, deduzindo-se ao valor a pagar por cada implante, 10% desse mesmo valor.

XXVI.

Enquanto parte, o seu depoimento será tido como confissão relativamente aos factos que lhe são desfavoráveis.

XXVII.

Caso assim não se entenda, sempre as suas declarações deverão ser valoradas livremente pelo tribunal, para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a...

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