Acórdão nº 413/15.3PFAMD.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PARAM
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência as Juízas, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório: 1.

Por sentença depositada a 10.05.2016 proferido no âmbito do processo acima referenciado, foi proferida a seguinte decisão: -Absolver o arguido, P.A.P., da prática do crime de Violência Doméstica, p. p. pelo art. 152º, nº1, al.d), e nºs. 2,4 e 5, do Cód. Penal, de que vinha acusado; -Condenar o arguido, P.A.P., pela prática de um crime de Ofensa à Integridade Física Simples, p. p. pelo art. 143º, nº1, do Cód. Penal, na pena de quatro meses de prisão; -Suspender por um ano a execução da pena de prisão, condicionando-se tal suspensão ao cumprimento das seguintes obrigações: .-Comprovar quinzenalmente junto da DGRS as diligências efectuadas no sentido da obtenção de emprego estável e que devem ultrapassar em muito a mera inscrição no centro de emprego e a mera apresentação periódica; .-Frequência de acções de formação/sensibilização para o bem jurídico violado, incluindo frequência de formação parental; .-Prestação de trezentas horas de trabalho a favor da Comunidade, preferencialmente em instituição relacionada com vítimas de violência doméstica; .-Sujeição a consulta da especialidade, com vista ao despiste de consumos aditivos e/ou de eventual patologia que favoreça a adopção de comportamentos como aquele pelo qual o arguido ora foi condenado, e observância do tratamento e/ou acompanhamento que lhe vier eventualmente a ser prescrito.

  1. Inconformado com a sentença dela recorreu o MºP a fls.279 a 315 dos autos requerendo a sua revogação, na parte em que decidiu absolver o arguido da prática do crime de violência doméstica, requerendo a condenanação do arguido por este crime, valorando-se, neste contexto, as expressões proferidas pelo arguido relativamente à paternidade da menor. Caso assim se não entenda, que se considere que os factos são susceptíveis de integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e não apenas um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo art. 143º, nº1, do Código Penal e seja o arguido condenado em conformidade. E, ainda, para o caso de se entender ser de manter a condenação do arguido pelo crime de ofensa à integridade física simples, seja o arguido condenado numa pena concreta não inferior a 18 meses de prisão, sendo que a suspensão da execução da pena não deve estar condicionada à prestação de trabalho comunitário por, deste modo, estar o tribunal «a quo» a cumular e misturar duas penas de substituição de diferente natureza, o que o Código Penal não prevê.

    Para tanto alega, em síntese, que a absolvição do arguido pela prática do crime de violência doméstica resulta de erro notório na apreciação da prova e que a sentença padece, ainda, de contradição insanável da fundamentação, vícios previtos no art.410º, nº2, als. b) e c), do CPP.

    Mais afirma que, a entender-se existir apenas um crime de ofensa à integridade física, este deve considerar-se qualificado, por se verificar a especial censurabilidade e perversidade, tudo conforme o disposto arts.143º, nº1, 145º, nºs.1 e 2 e 132º, nº2, als. a), c) e i) do Código Penal, que a pena concreta aplicada ao arguido mostra-se, em qualquer caso, desadequada à culpa do arguido e à gravidade dos factos, tanto mais que o arguido já possui antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza, contrariamente ao que se afirma na sentença em termos de fundamentação da pena, sendo certo, por outro lado que, a suspensão da execução da pena de prisão condicionada à prestação de 300 dias de trabalho a favor da comunidade é violadora do art. 29°, n°s. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e do art. 1o do Código Penal, devendo tal condição ser revogada.

  2. O recurso foi admitido.

  3. O arguido apresentou resposta ao recurso interposto entendendo que o mesmo não merece provimento devendo, em consequência, manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.

  4. Os autos subiram a este Tribunal da Relação. 6.Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Srª. Procuradora - Geral Adjunta apôs “Visto”.

  5. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.

    * II.

    Fundamentação: 1.

    Delimitação do objecto do recurso.

    É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal, como no caso dos vícios enumerados no art.410º, nº 2, do CPP.

    Assim sendo, de acordo com as conclusões da respectiva motivação o objecto do recurso do arguido prende-se com as questões seguintes, abaixo indicadas, pela ordem por que vão ser conhecidas: a)Vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova (art.410º, nº2, als. a) e c) do CPP); b)Enquadramento jurídico dos factos - crime de violência doméstica ou ofensa à integridade física qualificada; c)Medida da pena concreta; d) Da possibilidade de impor trabalho a favor da comunidade como condição da suspensão da execução da pena.

  6. É o seguinte o teor da sentença recorrida, no que concerne aos factos provados aos não provados e respectiva fundamentação (transcrição).

    1.A menor M.F.P., nascida a 16.07.07, é filha do arguido e de S.T.F..

    2.Por decisão judicial de 19.09.11, em processo que correu termos no Tribunal de Família e Menores do Seixal sob o nº 5…../07.9RBSXL, a guarda da menor foi entregue aos avós paternos, tendo a criança residido com os mesmos na Rua ………………., Brandoa, até há cerca de um ano.

    3.Na mesma morada e até à data dos factos, pernoitava por vezes o arguido e apenas quando estava em Portugal, sendo certo que tinha então uma companheira e outra filha menor desta.

    4.À época, o arguido trabalhava fora do país durante períodos de dois ou três meses, que alternava com a permanência em Portugal em intervalos de um ou de dois meses.

    5.Em número não aclarado embora não inferior a duas vezes e em datas não concretamente apurada mas não posteriores a 2015, o arguido comentava com sua mãe, na presença da menor, que esta não era sua filha.

    6.No dia 01.05.15, pelas 17:00, no interior da residência de ambos, o arguido chamou a menor, que se encontrava no quarto do avô, e confrontou-a com o facto de a mesma ter ido brincar para um local afastado de casa, sem conhecimento e sem autorização da avó.

    7.Acto contínuo, munido de um cinto, desferiu-lhe, pelo menos, uma – e nunca mais do que duas - pancada nas pernas.

    8.Em consequência, a menor sofreu dores e lesões na zona atingida, nomeadamente, equimose esverdeada no terço inferior da coxa direita, com cerca de 1cm de diâmetro médio, apresentando ainda uma área vermelha modelada na face posterior do joelho e terço superior da perna, vertical, com 4 por 0,5cm de largura, lesões que importaram, para cura, o período de cinco dias.

    9.O arguido não dispunha de qualquer informação concreta que lhe permitisse concluir ou suspeitar que a criança não era sua filha mais sabendo que a mesma tinha presente que o arguido era o seu progenitor.

    10.Sabia igualmente o arguido que a menor contava apenas com sete anos pelo que não se conseguiria defender.

    11.Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que, com a sua conduta, molestava a saúde física da criança e que, por isso, a mesma era proibida e punida por lei.

    12.Com a descrita conduta, no dia 01.05.15, o arguido pretendia dissuadir a menor de voltar a sair de casa sem autorização e, em geral, de desobedecer à avó.

    13.A criança era então desobediente e difícil de controlar.

    14.O arguido estava convicto de que a menor M.F.P. tinha um comportamento desobediente, agressivo para com a avó e de que os seus pais (avós paternos da M.F.P.) não conseguiam educá-la nem manter um ambiente de habitabilidade adequado e saudável.

    15.O arguido estudou até ao 6º ano e revela escassos recursos socioculturais.

    16.À data, coabitava também com uma companheira e com uma filha menor.

    17.Consome canabis resina com frequência não apurada, tendo sido frequente, pelo menos entre as idades de 14 e 26 anos.

    18.A criança encontra-se desde há alguns meses num centro de acolhimento.

    19.Nunca manteve laços fortes com o pai.

    20.O arguido mantém relacionamento conflituoso e distante com o seu progenitor, de quem se queixa de lhe ter infligido maus tratos na infância.

    21.Confessou os factos e censurou moderadamente a sua conduta.

    22.Tem antecedentes criminais pela prática, em 14.12.94, de um crime de furto, pelo qual foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução; em 15.02.95, de um crime de furto qualificado pelo qual foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução; em 15.10.95, de um crime de introdução em local vedado ao público, pelo qual foi condenado em pena de multa; em 28.01.95, de um crime de roubo na forma tentada e de um crime de detenção de arma proibida, pelos quais foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução; em 20.02.01, de um crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual foi condenado em pena de prisão; em 09.11.06, de um crime de condução sem habilitação, pelo qual foi condenado em pena de multa; em 15.06.09, de um crime de injúria agravada e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, pelo qual foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.

    * Factos não Provados: 1.O arguido residiu permanentemente com os seus progenitores e com a menor.

    2.O arguido dizia directamente à M.F.P. que a mesma não era sua filha e fazia-o com frequência semanal.

    3.No dia 01.05.15, no interior da residência em que aquela vivia com os avós paternos, o arguido desferiu várias bofetadas na menor.

    4.Nas mesmas circunstâncias, desferiu-lhe com um cinto diversas vezes e imprimindo força.

    5.Ao molestar o corpo da menor M.F.P. e ao dizer que esta não era sua filha, o arguido agiu com o propósito de atingir a saúde psíquica da mesma, de afectar a sua capacidade de decisão, de humilhá-la e desconsiderá-la, procedendo com desprezo...

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