Acórdão nº 1634/14.1T9SNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelLUIS GOMINHO
Data da Resolução25 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I-1.)Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 350 a 354, em que o Mm.º Juiz da Secção Central de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa Oeste (Sintra), na sequência da instrução requerida pelos assistentes VL e VR, rejeitou o respectivo requerimento de abertura, por inadmissibilidade legal, por falta de objecto (com o que aqueles reagiam ao arquivamento do inquérito determinado pelo Ministério Público, relativamente a eventuais crimes de abuso de poder, ameaça e ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada) recorreram os Assistentes supra-indicados para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões: 1.ª-O presente recurso vem interposto do despacho de rejeição do requerimento de Abertura de Instrução (RAI), proferido pelo tribunal recorrido com a motivação que se segue.

  1. -Findo o Inquérito o Ministério Público, ordenou o arquivamento dos autos quanto aos crimes de abuso de poder e ameaça imputados ao Arguido A. previstos e punidos pelos Art.ºs 386.º, n.º 2º, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 2, d), do CP e quanto aos Arguidos L. e B., respectivamente pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada p. e p. nos Art.ºs 22.º, 23.º e 145.º, n.º 2, e de ameaça previsto e punível pelos Art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, todos do CP.

  2. -Não se conformando, os Recorrentes requereram a Abertura de Instrução (RAI).

  3. -Mas o RAI foi rejeitado por inadmissibilidade legal.

  4. -Nos termos do Art. 287.º, n.º 3 do CPP o RAI "só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução".

  5. -O despacho de rejeição refere a final: "Pelo exposto, por inadmissibilidade legal por falta de objecto, rejeito o presente requerimento de abertura de instrução e determino o arquivamento dos autos." 7.ª-Diz o despacho, que os Recorrentes "... não imputam factos concretos a pessoa determinada que conduzam a uma concreta incriminação com as respectivas circunstâncias de tempo, modo e lugar, bem como respectivos elementos material e subjectivo." 8.ª-Mas os Recorrentes no seu requerimento, imputam factos concretos a pessoa determinada e referem as respectivas circunstâncias de modo como os factos se passaram.

  6. -De facto, o RAI refere: II-14)…o arguido A. ordenou que fosse colocado um reboque-galinheiro (adiante designado apenas por galinheiro) a uma distância de cerca de 2 ou 3 metros da porta do estabelecimento e quase encostado à esplanada; II-22)Por isso, o queixoso e assistente VL, nesse dia de manhã, dirigiu-se aos arguidos quando estes passavam em frente do café e com bons modos e cheio de boa-fé, pediu-lhes que ordenassem que o atrelado com o galinheiro fosse afastado daquele local,...

    II-23)Mas esta tentativa de resolver o problema não surtiu efeito; II-24)...

    o queixoso e assistente VR ... por volta das 11H30m desse domingo, dirigiu-se aos arguidos ... e fez uma segunda tentativa de resolver o problema, fazendo-lhes com bons modos o mesmo pedido; II-25)Porém, ainda foi pior: os arguidos reagiram de forma intimidatória e agressiva e não mostraram nenhuma disponibilidade, nem vontade de resolver, ou sequer minimizar, o prejuízo provocado pelo galinheiro; II-31)o queixoso e assistente VR pediu a intervenção da GNR...

    II-32)De imediato, o assistente começou a ser alvo de intimidação por parte dos arguidos e II-35)Na presença dos agentes, o arguido Bruno Alexandre Mendes Codeco, com agressividade e ameaçando o queixoso e assistente chegou-se tão perto deste, que quase lhe pôs a mão sobre o rosto; II-39)Foi então que o arguido L. fez uma tentativa séria de agredir o queixoso e assistente VR; II-41)A agressão só não se consumou devido à rápida intervenção do queixoso e assistente Vasile que foi em defesa do filho, II- 44)Tudo isto aconteceu na presença do arguido A. que a tudo assistiu com absoluta passividade, sem que na sua qualidade de chefe dos fiscais, ou seja, chefe dos outros dois arguidos, tentasse dissuadi-los de agir conforme o supra exposto; II-46)A proprietária do galinheiro, I.N., que presenciou estes acontecimentos e é testemunha nestes autos, dirigiu-se então ao arguido A. e disse-lhe que, para evitar problemas estava disposta a não trazer o galinheiro na próxima feira; II-47)O arguido A., porém, logo a ameaçou dizendo que se ela não trouxesse novamente o reboque para junto da esplanada, na próxima feira, iria buscar outro galinheiro para colocar no mesmo local; II-49)...

    há muito que o arguido A. tinha a intenção e uma vontade séria de prejudicar os queixosos e assistentes. Senão vejamos: II-50)A testemunha I.N., no seu depoimento a fls. 220 v diz "... que da primeira vez que não levou o reboque o sr. A.... questionou ... o porquê de não ter trazido o reboque ... que... ameaçou que se ... não trouxesse novamente o reboque para junto da esplanada... que iria ceder aquele lugar junto ao café a outros feirantes..." II-52)Entretanto, ..., o arguido A., virou-se para o queixoso e assistente V. e disse-lhe deforma prepotente e ameaçadora "Quer a minha identificação? Veja, veja (disse ele abrindo ostensivamente o blusão e mostrando o "crachat"). Mas a partir de hoje tenha muito cuidado III"; 10.ª-Quanto às circunstâncias de tempo, refere o RAI em II - 12 - o dia 25 de Maio de 2014, domingo de feira de manhã, com referências ao tempo também nos pontos 13,14, 22, 24 e 28.

  7. -Quanto às circunstâncias de lugar, refere o RAI em I - 1- Os factos passam-se mesmo em frente ao café/snack-bar designado T. Pedro de Sintra, local onde decorreram os factos objecto destes autos.

  8. -Estão referidos no RAI os respectivos elementos material e subjectivo.

  9. -O arguido A., ao insistir em que o galinheiro fique encostado à esplanada do café, prejudicando os Recorrentes (II- 47 e II - 50), valendo-se da sua qualidade de chefe dos fiscais da feira de S. Pedro de Sintra, e ao ameaçar o Recorrente V. (II - 52) incorre com a sua conduta (elemento objectivo), num crime de abuso do poder previsto e punível pelos Art.ºs 382.º e 386.º, n° 2, do CP, e ameaça previsto e punível pelo Art.153.º do CP.

  10. -O elemento subjectivo dos crimes supra referidos, verifica-se, pelo depoimento da testemunha I.N., transcrito no RAI (II - 47, II - 50, II - 69 e II - 70), que o arguido sabia que a sua atitude era ilícita (elemento intelectual), mas quis praticá-la (elemento volitivo - dolo), tal como quanto ao crime de ameaça (II - 52), conforme depoimento da testemunha Ad. referido no RAI (II - 53).

  11. -A conduta do arguido B., que com agressividade, se chegou tão perto do Recorrente VR, que quase lhe pôs a mão na cara (II - 35 e 37), é referido pela testemunha Ad. (II - 36 do RAI), demonstra o elemento objectivo do crime de ameaça em que incorre, previsto e punível pelo Art. 153.º do CP.

  12. -A conduta do arguido L. ao tentar, seriamente agredir o Recorrente VR, tentativa esta que só não se consumou, porque o Recorrente V. foi em defesa do filho (II -39 e 41), o que é confirmado pelo depoimento da testemunha Ad. (II - 40 e 42), constitui o elemento objectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada (por o arguido estar investido da autoridade de fiscal) previsto e punível pelo Art. 145.º, n.º1 do CP e na forma tentada, previsto e punível pelo Art. 22.º, 23.º e 24.º (este a contrario senso) do CP.

  13. -O elemento subjectivo destes crimes cometidos pelo arguido L.(II - 76 e 77) está presente na consciência que ele tinha (elemento intelectual) de que estando investido na autoridade de fiscal, não podia agir dessa forma contra um cidadão comum como o Recorrente VR, mas quis ter esta atitude ilícita (elemento volitivo - dolo).

  14. -Diz o despacho, citando o Prof. Germano Marques da Silva, que "... se o requerimento para abertura de instrução não contém a identificação do arguido, ainda que por simples remissão para o local no processo onde consta tal identificação, a instrução será inexequível. e constituirá uma fase processual sem objecto se o assistente que a requer deixar de narrar os factos e de identificar as disposições legais aplicáveis... " 19.ª-Os Recorrentes narraram os factos e identificaram as disposições legais aplicáveis, pelo que, a Instrução não tem falta de objecto, portanto, não está ferida de inadmissibilidade legal.

  15. -Quanto à identificação do arguido, nos termos do Art. 287.º, n.º2 do CPP "O requerimento não está sujeito a formalidades especiais,..." e nos termos do Art. 283.º, n.º 3, a), do CPP, que se aplica ao RAI, refere que este deve conter "As indicações tendentes à identificação do arguido;".

  16. -O Art. 283.º, n.º3, a), do CPP apenas impõe que tais indicações sejam conducentes à identificação do arguido e não que a mesma seja exaustiva.

  17. -A parte introdutória do RAI fá-lo com referência ao despacho de arquivamento, onde essa indicação é clara e precisa.

  18. -No entanto, o RAI ao narrar os factos, identifica TODOS os arguidos: O arguido A. é referido pelo seu próprio nome em II - 14 (com o nome completo), 20, 29, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 52 e em III - 61 c), d) e e), 69, 78 d), C, D e E.

    O arguido L. é referido também pelo seu próprio nome em II - 33 (com o nome completo), 39,43 e em III - 61 a), b), 70, 76, 77, 78 d,) A e B.

    O arguido B. é referido também pelo próprio nome em 11-35 (com o nome completo), 43 e III - 61 d), 70, 78 d), D.

  19. -Nestes termos, contendo o RAI a identificação dos arguidos, a Instrução é exequível e deverá ser aberta.

  20. -Os Art.ºs 287.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3 do CPP contêm os requisitos legais do requerimento de abertura de instrução.

  21. -Nos termos do Art. 287.º, n.º2 "O requerimento ... deve conter,... as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação 27.ª-No II - 4 a 60 do RAI, os Recorrentes começam por narrar...

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