Acórdão nº 210/12.8TALNH.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos com o NUIPC 210/12.8TALNH, da Comarca de Lisboa Norte – Lourinhã – Instância Local – Secção de Competência Genérica– J1, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido A condenado, por sentença de 17/06/2015, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea b), do Código Penal.

2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

  1. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena acessória de 9 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art. 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, porque o Tribunal a quo não teve em conta a jurisprudência uniformizada, nem a interpretação autentica da lei na data dos factos, e o período de 9 meses manifestamente excessivo tendo em conta o provado.

  2. As penas acessórias constituem verdadeiras penas. Para além de terem de estar expressamente previstas na lei, comungam dos requisitos das penas principais, e a sua imposição não pode nunca assumir carácter automático.

  3. Nos termos do art. 283º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a "indicação das disposições legais aplicáveis".

  4. Depois da narração dos factos imputados ao agente, que fundamentam a aplicação de uma pena, a acusação deve mencionar as normas penais que prevêem e punem jurídico-criminalmente os aludidos factos, incluindo assim todas as disposições legais que cominem penas – sejam principais ou acessórias.

  5. Estando em causa a possibilidade de imposição da pena acessória prevista em uma das alíneas do nº 1 do art. 69º, do Código Penal, como veio a acontecer, a acusação não podia deixar de conter essa referência.

  6. Com o despacho que, recebendo a acusação, designa dia para ao julgamento, fica estabilizado o objecto do processo e fixados os poderes de cognição do Tribunal.

  7. Uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação que se traduza na possibilidade de imposição de outra pena (principal ou acessória), só é possível nos termos do art. 358º n.º 3 do Código de Processo Penal – o que não aconteceu - sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379º Código de Processo Penal.

    Veja-se. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 7/2008, DR 1ª Série de 30.07.2008 – fixou o seguinte: "Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termo dos n.º 1 e 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379º deste último diploma legal." H) Nos presentes autos, a acusação não menciona a aplicação da pena acessória prevista no artigo 69º do Código de Processo Penal, nem no decurso da audiência foi comunicado ao arguido qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos.

  8. Pelo que a sentença deverá considerar-se nula na parte em que aplica a pena acessória prevista no artigo 69º do Código Penal, por violação do artigo n.º 1 e 3 do artigo 358º do Código do Processo Penal e como consequência o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 379º do referido diploma.

    Caso assim não se entenda: J) Os factos ocorreram em 10 de Março de 2010.

  9. O Tribunal a quo ao aplicar a sanção acessória de proibição de conduzir prevista e punida pela alínea b) do n.º 1 do art.º 69º do Código Penal, esteve mal dado que não teve em conta que esta sanção acessória só é aplicável aos casos de crimes dolosos, isto é, aos crimes que o arguido decidiu cometer e não aos crimes negligentes.

  10. Quando a lei fala em "crime cometido com utilização de veículo" não pode estar a referir-se à mera condução de veículo, a crime resultante de condução defeituosa, porque se assim fosse não haveria espaço para a aplicação da exigência cumulativa "e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante". Na verdade, se o crime a que se refere a norma fosse o que resulta da mera má condução em que casos se poderia dizer que a execução do crime foi facilitada pelo veículo de forma relevante? Não seria em todos?" v.g. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Março de 2003, proferido no âmbito do processo n.º 2743/02 da 1a secção, consultável in www.dgsi.pt.

    M)A inaplicabilidade desta pena acessória aos casos de homicídio por negligência resulta desde logo da evolução legislativa e da alteração do art.º 69º, n.º 1 do Código Penal com a Reforma de 2001 - v.g. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Outubro de 2009, proferida no âmbito do processo n.º 231702.9GNPRT.P1 da 1.ª secção, cuja súmula que se passa a transcrever: "A opção legislativa em 2001 (lei 77/2001, de 13.7) foi a de abandonar a possibilidade de punir com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aquele que for condenado por crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, a menos que a sua conduta integre ainda os crimes indicados no art.º 69º, n.º 1, al a) do Código Penal”.

  11. A recente publicação da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, que consagrou a 2a alteração ao Código Penal, vem reforçar este entendimento ou até mesmo remover qualquer outra interpretação diversa O) Resulta da Proposta de Lei 75/XII, que esteve na génese da Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro.Com efeito, lê-se na referida Proposta de Lei: "Com a presente proposta de lei submete-se à apreciação da Assembleia da República uma alteração pontual ao Código Penal.

    1 - As modificações que se propõem incidem sobre a pena acessória de proibição de conduzir, o instituto da prescrição, a natureza do crime de furto simples, o crime de furto qualificado, o crime de resistência e coação sobre funcionário, e o crime de falsas declarações, criando ainda um novo tipo legal que criminaliza as falsas declarações prestadas perante autoridade ou funcionário público no exercício das suas funções.

    2 - Introduz-se uma alteração ao artigo 69.º, consagrando-se que a pena acessória de proibição de condução de veículos, atualmente apenas prevista para os crimes de perigo contra a vida ou a integridade fisica no exercício da condução, passe também a ser aplicável a crimes praticados no exercício da condução em que existe efetiva violação desses mesmos bens jurídicos, não se justificando a manutenção do regime atual que, na prática, redunda em que aos crimes de homicídio ou de ofensa à integridade fisica praticados no exercício da condução não seja aplicável a pena acessória de proibição de conduzir".

  12. Com a publicação do referido diploma legal, veio consagrar-se e, expressamente na alínea a) a aplicação desta pena acessória aos crimes de homicídio por negligência, alterando-se assim a opção política criminal e regressando à previsão anterior à Reforma de 2001, o que bem traduz que, por opção de política criminal, no período de vigência da redacção conferida ao art.º 69º do Código Penal pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho não era punível com a pena acessória de proibição de conduzir a prática do crime de homicídio por negligência no exercício da condução ao automóvel.

    (Vg. Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2013, no proferido no âmbito do processo 108/07.1GBAMT.P1 da 1ª Secção, consultável in www.dgsi.pt).

  13. Pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que condena o arguido na pena acessória com base na alínea b) do n.º 1 do art. 69º do Código Penal, por não estar previsto na Lei vigente à data da prática dos factos a condenação em pena acessória de proibição de conduzir relativamente aos crimes negligentes.

  14. Falhando todos os argumentos expostos julgamos que o tribunal a quo ao aplicar a medida acessória pelo período de 9 meses foi excessivo tendo em conta a matéria dada como provada, violando os arts. 65º, 69º e 71º, todos do Código Penal.

  15. O tribunal a quo deu, designadamente como provado que: - Não são conhecidos antecedentes criminais nem contraordenacionais ao arguido.

    - O arguido é empresário da construção civil, auferindo cerca de 700,00€ mensais, a sua esposa é doméstica e vive em casa própria já paga.

  16. A quando da "escolha e determinação da medida concreta da pena" o juiz a quo é claro em afirmar, entre outras circunstâncias, que o grau da ilicitude é diminuto, a intensidade da culpa é de grau médio e o tempo já decorrido desde da prática do s factos (5 anos).

  17. O arguido tem 62 anos e não tem antecedentes criminais, e está inserido profissional e socialmente.

  18. Sendo que o crime que lhe foi imputado foi episódio único na sua vida.

  19. O Arguido mesmo do ponto de vista estradai sempre foi um condutor exemplar.

  20. Face ao exposto e tendo em conta que a determinação da pena acessória deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).

    Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência: 1- O arguido ser absolvido da pena acessória aplicada ou, subsidiariamente, 2- A mesma ser...

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