Acórdão nº 1608/12.7TXLSB-I.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: 1–No dia 16 de Novembro de 2015, a Sra. Juíza colocada no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa – Juiz ... – proferiu o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve: Identificação do recluso: A.M.D.L.

Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (artigos 155.º, n.º 1, e 173.º e ss., todos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, de ora em diante designado CEPMPL) com requisitos referenciados aos dois terços da pena.

Foi elaborado relatório pela equipa de tratamento prisional e reinserção social, versando os aspetos previstos no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CEPMPL.

O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (artigo 175.º do CEPMPL).

Ouvido o recluso, este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à concessão da liberdade condicional (artigo 176.º do CEPMPL).

O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (artigo 177.º, n.º 1, do CEPMPL).

II.

FUNDAMENTAÇÃO.

  1. De facto.

    i) Factos mais relevantes: 1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre, à ordem do processo n.º ABC do Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores de Comarca de ……….., a pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática de um crime de rapto, um crime de coação sexual, um crime de rapto qualificado tentado, um crime de rapto qualificado, dois crimes de abuso sexual de crianças, um crime de abuso sexual de crianças tentado e um crime de importunação sexual, consubstanciados, resumidamente, em pelo menos a partir de março de 2010 e durante cerca de 11 meses, vigiar e abordar ao todo seis raparigas com idades compreendidas entre os 12 e 20 anos de idade, que circulavam sozinhas a pé, umas vezes seguindo-as até ao prédio onde moravam, outras vezes levando-as – à força ou por invocação de subterfúgios – para locais isolados, apalpando-as nas nádegas, seios e coxas, roçando-se no corpo das mesmas, beijando-as com introdução da língua contra a sua vontade, colocando-lhes as mãos no seu pénis e ejaculando.

    1. Marcos de cumprimento da pena: termo inicial em 16/02/2011; meio em 16/08/2014, dois terços em 16/10/2015; cinco sextos em 16/12/2016 e termo em 16/02/2018.

    2. Vida anterior do recluso (antecedentes e condições pessoais): tem 29 anos de idade; cresceu no seio de uma família de condição sócio-económica modesta, marcada pelos problemas de saúde da mãe, que sofre de Parkinson e bipolaridade e esteve internada no Júlio de Matos; era o recluso quem acompanhava a mãe às consultas médicas e supervisionava a respetiva medicação; o condenado concluiu o 11.º ano de escolaridade com 19 anos de idade, altura em que deixou de estudar para trabalhar, o que fez inicialmente como empregado de armazém, com vista a ajudar economicamente o agregado; à data da detenção trabalhava há vários anos como vigilante na mesma empresa, tendo as funções sido suspensas após a sua detenção; mantém um relacionamento afetivo há cerca de 7 anos e antes da reclusão vivia em casa arrendada com a namorada, em situação economicamente equilibrada; tem antecedentes criminais pela prática de um crime de roubo.

    3. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime – assume a prática dos ilícitos e verbaliza arrependimento; refere não conseguir explicar a motivação do seu comportamento, refugiando-se numa alegada depressão; revela dificuldade em ser empático para com as vítimas; refere ter já contactado uma psicóloga para o acompanhar quando regressar ao meio livre; saúde – é acompanhado em psicologia, tendo em conta a tipologia do crime e por denotar alguma instabilidade emocional; personalidade – tenta transmitir uma imagem assertiva de si próprio; apresenta um discurso elaborado e manipulador; comportamento – averba uma sanção disciplinar, aplicada por factos praticados em 23/01/2013; atividade ocupacional/ensino/ formação profissional – no ano letivo 2014/2015 finalizou com sucesso o ensino secundário; desde 17/04/2015 desempenha atividade laboral no setor dos componentes elétricos; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais – frequentou e concluiu o programa para abusadores sexuais, apesar de inicialmente ter feito um fraco investimento, com inúmeras faltas que tentava justificar com o ensino; medidas de flexibilização da pena – beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, gozada em outubro de 2015, sem registo de incidentes.

    4. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar – beneficia do apoio dos progenitores, dos irmãos e da namorada; o recluso começou por referir que, quando regressasse à liberdade, pretendia residir com um dos seus irmãos em zona distinta daquela onde praticou os crimes, até arrendar uma casa onde pudesse viver com a namorada; recentemente alterou a morada onde pretende residir, indicando situar-se a mesma em …………, localidade que dista entre 4 e 10 km do local da prática dos crimes; refere projetar obter a carta de condução e, caso não consiga ser reintegrado na empresa para a qual laborava antes da reclusão, conseguir trabalho como condutor de longo curso ou em qualquer outra atividade, dando ênfase à necessidade de encontrar colocação laboral; ao tribunal referiu que o padrinho da sua companheira se disponibiliza a empregá-lo numa sua pastelaria.

    Motivação da matéria de facto: A convicção do tribunal no que respeita à matéria de facto provada resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica e do certificado de registo criminal do recluso, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos esclarecimentos prestados pelo conselho técnico e das declarações do recluso.

  2. De direito.

    "A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade" (Anabela Rodrigues, in "A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português", BMJ, 380, pág. 26).

    Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. artigo 61.º, n.º 3, do Código Penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.

    Destarte, aos dois terços da pena é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e de prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.

    Na avaliação da prevenção especial, o julgador tem, pois, de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita à reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena (artigo 61.º, n.º 2, do CP).

    No presente caso importa ter presente, além do mais, a personalidade revelada pelo condenado aquando do cometimento dos crimes. Efetivamente, a conduta do recluso foi reiterada e prolongou-se no tempo, bem como denotou alguma sistematização na procura e abordagem das vítimas, o que afasta o cenário de uma atuação momentânea, de um impulso isolado, antes apontando para uma desestruturação mais profunda ao nível da sexualidade. É, portanto, indiciariamente elevado o potencial de reincidência.

    Por outro lado, não pode deixar de se atentar na atitude ainda deficitária do recluso relativamente ao ilícito por si perpetrado. Repare-se que, na avaliação da prevenção especial, a lei exige que seja atendido à relação do recluso com o crime cometido (cfr. artigo 173.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL). Ora, muito embora assuma a prática dos ilícitos e denote arrependimento, tendo frequentado o programa dirigido a agressores sexuais, o recluso refere não conseguir explicar a motivação do seu comportamento e revela dificuldade em ser empático para com as vítimas. Acontece que a prevenção da reincidência passa por uma assunção sentida do desvalor da conduta e uma noção clara dos reflexos desta para a vítima, aspetos especialmente importantes nos crimes de natureza sexual, já que estes se caracterizam por uma atitude marcadamente egoísta do perpetrador, que procura a satisfação dos desejos próprios, com desrespeito pela real vontade do outro (a quem impõe...

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