Acórdão nº 213/14.8TTFUN-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.

I– RELATÓRIO: AA, Contribuinte Fiscal n.º (…) residente no (…) Funchal intentou, em 27/05/2014, ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, LDA, Pessoa Coletiva n.º (…), com sede na Rua (…)Machico, pedindo, em síntese, o seguinte: «Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência, declarado ilícito o despedimento efetuado, dada a inexistência de justa causa ou processo disciplinar, tendo o Autor direito ao pagamento das retribuições já vencidas até à reintegração no seu posto de trabalho, reservando-se ainda para o Autor o exercício do direito de opção pela indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho.

Deve ainda a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 3.191,84 € respeitante às retribuições atrás discriminadas» [[1]] * Designada data para audiência de partes (fls. 15), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 19 e 20) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 17, por carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.

* A Ré apresentou, a fls. 28 e seguintes, contestação, onde (alegadamente) se defendeu apenas por impugnação, tendo-o feito nos seguintes termos: (…) Conclui a Ré o seu articulado nos seguintes moldes: «Termos em que deve a presente ação (ser) julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se, em consequência, a Ré dos pedidos, com as demais consequências». * O Autor veio responder a tal contestação da Ré nos moldes constantes de fls. 52 a 56, por entender que a Ré se defendeu por exceção, ao invocar o pagamento de créditos laborais e o instituto do abuso de direito, tendo impugnado a alegação de pagamento e rejeitado a verificação de abuso de direito, pugnando assim pelo peticionado no seu articulado inicial. * Foi proferido ainda, a fls. 63, despacho saneador, onde veio a ser fixado em 5.000,01 € o valor da ação, considerada a instância válida e regular, dispensada a realização de Audiência Prévia, assim como a seleção da matéria de facto controvertida/enumeração dos temas de prova, admitidos os requerimentos de prova e designada data para a realização de Audiência Final.

O tribunal recorrido, depois de ter sido informado pela Secção do Comércio do Tribunal do Funchal que a Ré, depois de ver ser extinta a instância de um Processo de Insolvência (fls. 64 a 70), se encontrava sujeita a um Processo Especial de Revitalização que ali também corre termos, proferiu, em 06/07/2015 e a fls. 73 a 74, o seguinte despacho: «Conforme se escreveu no Ac. do TRP, de 7.04.2014, relator Desembargador João Nunes, www.dgsi.pt, “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) foi objeto de alteração (entre outras) através da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril. Através da referida alteração aditou-se, com a introdução dos artigos 17.º-A a 17.º-I, um processo especial de revitalização (PER). Este processo, tal como resulta do n.º 1, do artigo 17.º-A, destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.” Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, pág. 141), fazem, a este propósito, uma distinção entre o processo de insolvência e o processo de revitalização, «[…] enquanto naquele se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos credores.

».

Considera-se, para efeitos do processo de revitalização, que se encontra em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (artigo 17.º-B).

O processo contempla, na tramitação, diversos procedimentos legais, como seja o de o devedor comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a insolvência [n.º 3, alínea), do artigo 17.º-C].

E as negociações com os credores, com duração limitada, podem culminar com a aprovação, unânime ou por maioria dos votos, do plano tendente a revitalização da empresa, sujeito à homologação do juiz (artigo 17.º-F), ou podem as negociações com os credores malograrem-se, por impossibilidade de alcançar acordo quanto ao plano de revitalização, sendo o processo negocial encerrado (artigo 17.º-G, n.º 1).

De acordo com o n.º 1 do artigo 17.º-E, a comunicação ao juiz, pelo devedor, da pretensão de dar inicio às negociações com os credores tendentes à (sua) recuperação, «[…] obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade […]».

A lei não refere quais as ações que se suspendem (por exemplo se ações declarativas e/ou executivas) nem o que deve entender-se (para efeitos legais, naturalmente) por cobrança de dívidas.

Todavia, tendo em conta que, como decorre do que consta do diploma legal e se deixou sumariamente assinalado, o que se pretende é que o devedor, através do processo de revitalização, obtenha acordo, unânime ou maioritário, com os credores, tendo em vista [a] sua recuperação económica, para obter tal desiderato só fará sentido que todas as ações que contendam com o património do devedor sejam suspensas. Neste sentido parecem apontar Carvalho Fernandes e João Labareda (obra citada, págs.164-165) quando, a propósito do n.º 1 do artigo 17.º-E, assinalam que «[…] a paralisação aqui determinada abrange todas as ações para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias […e] também ações com processo especial e procedimentos cautelares […]».

Este é também o entendimento que se retira do ensinamento de Luís M. Martins, quando escreve (Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2013, pág. 38): «A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respetivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido. Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores».

Deve assim entender-se que da interpretação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE decorre que «[…] objeto da suspensão não são (apenas) as ações exclusivamente instauradas para cobrança de dívidas, mas sim todas as ações que tenham também, por finalidade, a cobrança de dívidas, ou seja, quaisquer ações, pendentes, que “contendam contra o património do devedor” […]».

Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 17.º-E, n.º 1 do CIRE, declaro suspensa a presente instância.

Notifique.

Fica sem efeito a audiência final designada nos presentes autos.

DN.».

* O Autor AA, inconformado com tal despacho, veio, a fls. 75 e seguintes e em 10/7/2015, interpor recurso do mesmo, que foi admitido a fls. 81 dos autos, como de Apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 75 verso e seguintes) e formulou as seguintes conclusões: “1–Na presente ação o pedido principal consiste no reconhecimento da ilicitude do despedimento de que o recorrente foi alvo.

2–Sendo por demais evidente que tal pedido não pode configurar uma “ação para cobrança de dívida”.

3–Caso assim não se entendesse estaríamos perante uma situação absurdamente inconstitucional dado que a qualificação da pretensão formulada pelo recorrente como “cobrança de dívida” implicaria a forçada extinção do direito que peticionou caso venha a ser aprovado o plano de reestruturação.

4–Situação que também abrangeria os direitos referentes a prestações salariais, os quais, como é bem sabido, são “irrenunciáveis”, não podendo ser unilateralmente extintos.

5–Do exposto decorre que o disposto no n.º 1 do art.º17-E do CIRE, na interpretação invocada pelo julgador é inconstitucional, por pôr totalmente em causa o princípio da segurança no emprego e a proibição de despedimentos sem justa causa consagrados no art.º 53.º da CRP e o direito à retribuição consagrado no art.º 59.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da mesma Constituição.

6–Tendo o julgador feita errada aplicação da norma que invocou, ou seja, o aludido art.º 17-E do CIRE, não é admissível a decidida suspensão da instância.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, Como é de Justiça!” * A Ré apesar de notificada para responder a tais alegações de recurso do Autor, não o veio fazer dentro do prazo legal.

* O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 88 a 93), não tendo as partes se pronunciado sobre o mesmo dentro do prazo legal, apesar de notificadas para o efeito. * Cumpre apreciar e decidir, após os autos terem ido aos vistos.

* II– OS FACTOS.

Os factos a considerar no âmbito do presente Acórdão mostram-se descritos no relatório acima elaborado e cujo teor aqui se dá por reproduzido. III– O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de...

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