Acórdão nº 743/10.0TALRS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: Por sentença proferida no processo 743/10.0TALRS da Secção Criminal da Instância ... de ..., Comarca de Lisboa Norte, foram as arguidas A. R. e O. Lda, absolvidas da prática do crime de abuso de Confiança Fiscal contra a Segurança Social, na forma continuada, p. p. pelos art.ºs 107º, n.º s 1 e 2; 105º, n.º 1; e 7º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de 05.06, e pelos art.ºs 11º, 26º e 30º, todos do Cód. Penal, de que vinham acusadas pelo M.º P.º.

Foi também as mesmas arguidas absolvidas do pedido cível formulado nos autos pelo Instituto da Segurança Social, I.P. no valor de €21.745,90.

Inconformado com a decisão, veio o M.º P.º interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “1.Na acusação deduzida nestes autos foi imputada a cada uma das arguidas A. R. e O. Lda, a prática, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), com referência ao artigo 105.º, n.º 1 e 4 do mesmo diploma e artigos 26.º e 30.º do Código Penal, e no caso da sociedade arguida ainda com referência aos artigos 6.º e 7 do RGIT e 11.º e 12.º do Código Penal.

  1. Submetidas a julgamento, vieram as arguidas a ser absolvidas do crime que lhes vinha imputado, porquanto, resumidamente, a Mm Juiz a quo considerou que as arguidas agiram em erro sobre a ilicitude, e que tal erro não lhes era censurável, motivo pelo qual afastou a culpa e consequentemente a responsabilidade criminal das três arguidas.

  2. O presente recurso limita-se, pois, à impugnação da matéria de facto dada como não provada, uma vez que ao decidir como decidiu a Mm Juiz a quo, além de ter incorrido no vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, incorreu também, em erro notório na apreciação da prova.

  3. O tribunal não pode, ao mesmo tempo que dá como provado que as arguidas, na sua qualidade de sócias-gerentes, participavam na tomada de decisões relativas ao desenvolvimento da actividade da empresa arguida, nomeadamente, quanto ao pagamento dos salários e dos impostos e contribuições, mormente à Segurança Social, e em concreto, na entrega das declarações das entregas de remunerações de trabalhadores à Segurança Social e, após a omissão da entrega, na integração de tais valores na esfera contabilística da sociedade (factos provados n.º 2, 3, 5, 6 e 7), dar como não provado que “As arguidas actuaram com o intuito de não proceder à entrega dos montantes devidos confiando na inércia da Segurança Social“ (facto não provado n.º 1).

  4. Resulta também do texto da decisão recorrida que “no caso que nos ocupa, provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, as arguidas, não diligenciaram pela entrega das quotizações devidamente declaradas, sabendo que tal conduta era proibida, pelo que seria plausível considerar preenchido também o elemento subjectivo do tipo.” (sublinhado nosso).

  5. Ao decidir desta forma, incorreu a decisão recorrida no vício da contradição insanável entre a fundamentação e entre a fundamentação e decisão (artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal).

  6. Resulta ainda, da simples leitura da decisão recorrida, que a mesma incorreu no vício do erro notório da apreciação da prova, quer no que respeita ao elemento subjectivo, por não ter sido dado como provado que as arguidas actuaram com o intuito de não proceder à entrega dos montantes devidos à segurança social, quer quanto ao invocado erro sobre a ilicitude do facto, por não ter resultado provado de que as arguidas soubessem quer que a omissão da entrega à Segurança Social das contribuições descontadas no vencimento dos trabalhadores fosse proibida e punida por lei.

  7. Ora, ao considerar provados factos que preenchem os elementos objectivos do tipo, não se compreende como pôde a Mm Juiz dar como não provado que as arguidas actuaram com o intuito de não proceder à entrega dos montantes devidos.

  8. Considerando a matéria de facto provada, impunha-se dar como provado o ponto 1, que consta da matéria de facto não provada, ao contrário do decidido pela Mm Juiz a quo.

  9. Por outro lado, e no que respeita ao facto não provado consubstanciador do alegado erro sobre a ilicitude, sempre se dirá que também aqui a sentença a quo incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova, porquanto, conforme resulta de forma clara do texto da decisão recorrida, a Mm Juiz a quo deu tal facto como não provado, apoiando-se em ideias contrárias às regras de experiência comum, designadamente de que “não se mostra razoável o entendimento de que é do conhecimento geral que criminalmente punível a omissão do pagamento das contribuições em questão sempre que o esforço de tal pagamento fraccionado esteja a ser feito e conseguido” e não na prova que foi produzida na audiência de julgamento.

  10. Entendemos, pois, que o facto de ter sido dado como não provado que as arguidas (designadamente a arguida R.) sabiam que o omissão da entrega das contribuições da Segurança Social retidas nos salários dos trabalhadores resulta de erro notório na apreciação da prova.

  11. Assim, a sentença recorrida é contraditória e violadora, de forma notória, das regras da experiência comum, sendo inaceitável a decisão em vista da fundamentação factual dada como não provada, enfermando a decisão de erro notório na apreciação da prova, a que alude o artigo 410.º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal, violando o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

  12. Ainda que assim não se entenda, sempre se terá que considerar que Mm Juiz a quo, efectuou uma incorrecta e errada apreciação da prova produzida na audiência de julgamento.

  13. Na opinião do Ministério Público, foram incorrectamente julgados os dois pontos relativos à matéria dada como não provada, designadamente: “1.As arguidas actuaram com o intuito de não proceder à entrega dos montantes devidos confiando na inércia da Segurança Social.

  14. Actuaram de modo livre e voluntário, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.” 15.Impunham decisão diversa da recorrida as declarações prestadas pela arguida R., no dia 6 de Março de 2015, às 09 horas e 53 minutos, com a duração total de 31 minutos e 26 segundos, declarações estas que se encontram gravadas, nas quais a mesma confessa os factos, assumindo ter consciência de que a omissão de entrega das contribuições dos trabalhadores à Segurança Social, constituía crime e que a decisão de não fazer tais pagamentos foi tomada por ambas as arguidas.

  15. Por outro lado, também as declarações prestadas pela arguida A. prestadas no dia 6 de Março de 2015, às 10 horas e 25 minutos, com a duração de 10 minutos e 40 segundos e às 11 horas e 31 minutos, com a duração de 13 minutos e 52 segundos, não foram devidamente valoradas pelo tribunal a quo, porquanto a mesma também assumiu ter consciência do desvalor da sua conduta, tendo confessado que a decisão de não efectuar os pagamentos à Segurança Social foi de ambas as arguidas.

  16. Entendemos, pois, que da apreciação da prova produzida na audiência de julgamento, designadamente da confissão das arguidas, conjugada com as regras de experiência comum, e através da observação dos critérios definidos pelo artigo 127.º do Código de Processo Penal, sempre se teriam de considerar provados os factos acima enunciados.

  17. A Mm Juiz a quo não só não observou este princípio como se escudou em preconceitos que se reflectiram na apreciação da prova de forma absolutamente injustificada, pois que as dúvidas que invocou nessa matéria poderiam ser resolvidas com a prova produzida em julgamento, acima enunciada, que incompreensivelmente não sopesou.

  18. Alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, dando-se como provado que as arguidas agiram com intenção de não proceder à entrega dos montantes descontados dos salários dos trabalhadores e que agiram com consciência da ilicitude dessa conduta, sempre terá de considerar que não agiram as arguidas em qualquer erro sobre a ilicitude.

  19. Contudo, ainda que, por mero exercício de raciocínio, se equacionasse que as arguidas tivessem actuado sem consciência da ilicitude dos factos, sempre se teria de considerar esse erro como censurável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, n.º 1 do Código Penal.

  20. De facto e como decorre das regras de experiência comum, é do conhecimento geral, e em especial de quem desenvolve uma actividade comercial (in casu as arguidas), o desvalor da conduta de quem desconta as contribuições para a Segurança social nos salários dos trabalhadores, não dando a esses valores o destino legal, mas antes integrando-o no seu património ou da sociedade que representam. Assim, sempre seria de considerar um alegado erro como censurável.

  21. Pelo exposto, ao considerar que a conduta das arguidas não era culposa, por terem actuado sem consciência da ilicitude e, em consequência ao absolver as arguidas do crime pelo qual vinham as mesmas acusadas, violou a sentença recorrida os artigos 2.º, 3.º e 107.º, n.º 1 do RGIT, os artigos e 17.º do Código Penal e artigos 127.º do Código de Processo Penal.

  22. Deverá, pois, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que dê como provado que “1. As arguidas actuaram com o intuito de não proceder à entrega dos montantes devidos confiando na inércia da Segurança Social; e 2. Actuaram de modo livre e voluntário, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente”, e que em consequência as condene, tal como a sociedade arguida, pelos crimes que lhes foram imputados na acusação.” As arguidas A. R. responderam ao recurso, concluindo: “1.As arguidas vinham acusadas da prática, na forma consumada, de um crime de abuso de...

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