Acórdão nº 474/14.2TJLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO BRIGHTON
Data da Resolução08 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: 1-M.P.M.A.O. veio, ao abrigo do disposto no artº 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) intentar o presente processo especial de revitalização.

2-Após foi nomeado um administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artº 17º-C nº 3, al. a) do C.I.R.E.).

3-O Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi publicada no portal “Citius”, nos termos e para os efeitos do artº 17º-D nº 3 do C.I.R.E..

4-Foram apresentadas impugnações à lista provisória, as quais foram julgadas procedentes (cf. fls. 168 a 173).

5-O administrador judicial provisório juntou, em 26/6/2014, o Parecer a que alude o artº 17º-G nº 4 do C.I.R.E., concluindo estar-se perante uma situação de insolvência e não face a um caso de situação económica difícil.

6-Foi proferido, em 1/7/2014, despacho a declarar o termo do processo de revitalização, nos termos do artº 17º-G do C.I.R.E..

7-O Requerente veio aos autos arguir a nulidade de tal despacho.

8-O administrador judicial provisório apresentou requerimento a pedir que se considerasse sem efeito a junção do seu Parecer em 26/6/2014, argumentando que se tratava apenas de um projecto e que na mesma data o devedor enviou aos credores um Plano de recuperação que foi aprovado, não estando por isso aquele em situação de insolvência.

Referiu ainda o administrador que “não deixa de ser estranho que o plano tenha sido aprovado por credores que abdicam de 99,9% do seu crédito”.

Juntou o quadro com os resultados da votação, os votos recebidos dos credores e o Plano de Recuperação.

9- Perante o requerimento do administrador judicial provisório, o Tribunal, em 9/7/2014 proferiu despacho que declarou sem efeito a decisão que declarou o termo do processo de revitalização.

Nesse mesmo despacho ordenou o Tribunal a junção de novo documento “com o resultado da votação, atestando a presença do devedor na contagem, identificando todos os credores e respectivos créditos e respectivo sentido de voto, específica e discriminadamente”.

10-Em 17/7/2014 veio o administrador judicial provisório juntar aos autos o “resultado da votação rectificado e respectivo parecer”, referindo que votaram 100% dos credores com direito a voto, dos quais 77,46% a favor e 22,54% contra”.

Conclui que o devedor não se encontra em situação de insolvência, “pois consegue inclusive obter crédito (prorrogação do prazo de crédito hipotecário por 10 anos), contudo, não deixa de ser estranho que o plano tenha sido aprovado por credores que abdicam de 99,9% do seu crédito”.

11-O Tribunal notificou o devedor e os credores de tal relatório.

12-O credor“NB., S.A.”(anterior “B.E.S.”) veio requerer a não homologação do plano, invocando, em síntese, que o devedor não se encontra em situação económica difícil mas numa verdadeira situação de insolvência. Propôs-se ele pagar integralmente apenas dois credores, propondo quanto aos restantes o pagamento de 0,1% do capital em 15 anos, após um período de carência de 3 anos.

Defende o referido credor que, caso esse plano seja homologado, irá ocorrer uma quase total desoneração das responsabilidades do devedor, com prejuízo para a maioria dos credores.

13-O devedor respondeu, alegando a extemporaneidade de tal requerimento e pugnando pela improcedência do mesmo.

14-Foi, então proferida decisão a declarar tempestivo o pedido do credor “NB., S.A.” e a não homologar o acordo extrajudicial, constando da sua parcela decisória : “Pelo exposto, não homologo o acordo extrajudicial apresentado por M.P.M.

A.O., celebrado entre este e os seus credores Caixa Geral de Depósitos, Segurança Social e W.A.F..

Custas pelo devedor.

Registe e notifique”.

15-Inconformado com tal decisão, dela recorreu o devedor M.P. M.A.O., para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “1. O requerimento apresentado pelo credor Banco Espírito Santo, S.A., em 31/07/2014, pedindo a não homologação do plano de recuperação do devedor, depois de ter votado desfavoravelmente o plano de recuperação em 27/06/2014 e de o Sr. Administrador Judicial Provisório ter informado os autos da aprovação do plano de recuperação no dia 16/07/2014, é claramente extemporâneo.

  1. Pelo que, o requerido pelo credor B.E.S., ao abrigo do artigo 216º, nº 1, alínea a), do CIRE, não era sequer suscetível de apreciação judicial, seguindo-se também de perto o acórdão proferido em 26/11/2013 pela Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 1785/12.7 TBTNV.C1.

    Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se pondera, sem conceder, 3. O juízo de prejuízo subjacente ao artigo 216º, nº 1, alínea a), do ClRE, entre a homologação e não homologação do plano de recuperação, é concreto e efectivo: o credor tem que demonstrar que tem possibilidades de se pagar do património actual do devedor.

  2. Não tendo o credor B.E.S. demonstrado as vantagens que para si resultariam da inexistência de plano de recuperação – isto é, as vantagens que para si decorreriam da declaração de insolvência e da liquidação do património do Devedor, ora Recorrente – não podia o Tribunal a quo ter decidido pela recusa de homologação do plano de recuperação do Devedor, ora Recorrente, porque o raciocínio explanado da sentença recorrida não tem aderência com a realidade à luz do actual património do Devedor e das onerações que sobre ele impendem, todas a favor da C.G.D.

  3. Acresce que, a aprovação, pela maioria dos credores, de um perdão de 99,09% dos créditos – não só do credor BES, mas também de outros – não é contrário nem ao texto, nem ao espírito da lei. O perdão é, aliás, um meio de atingir aquele que é o objetivo de qualquer “Processo Especial de Revitalização”: a recuperação do devedor.

  4. O plano de recuperação pode prever perdões de créditos, carências, pagamentos alongados no tempo, juros remuneratórios, constituição de garantias, entre outros, não sendo o uso de um desses meios por si só fundamento para a não aprovação e/ou não homologação do plano de recuperação.

  5. O PER é um procedimento que, sem perder de vista a satisfação dos interesses dos credores, procura essencialmente a recuperação do devedor, ainda que com prejuízo para os credores: é assim um procedimento pró-recuperação e pródevedor.

  6. No PER, os credores são livres de propor e aceitar ao devedor, e vice-versa, o que bem entenderem para a sua recuperação, em homenagem ao princípio da autonomia privada que não pode ser judicialmente coarctado enquanto tal.

  7. O tribunal não pode recusar a homologação do plano de recuperação do devedor aprovado pela maioria legalmente necessária dos credores com fundamento (directo ou indirecto) nas opções tomadas pelos credores para votarem em determinado sentido, ou no alcance (quantitativo) dessas opções. No limite os credores poderiam perdoar todos os créditos ao devedor e o tribunal a nada poderá obstar.

  8. Quer isto dizer que está legalmente vedado ao Tribunal recorrido não homologar o plano de recuperação do devedor aprovado pelos credores porque não concorda com a opção dos credores ou com a dimensão dessas opções (neste caso do perdão de créditos).

  9. Ao ter actuado assim, o Tribunal recorrido acabou por violar o princípio da autonomia privada dos credores e do devedor ínsito na dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º da CRP.

    Para mais, 12. São evidentes as razões que motivaram o Devedor, ora Recorrente, a propor aos seus credores o pagamento da totalidade dos créditos à C.G.D., SA: por um lado, este credor concedeu ao Devedor um crédito à habitação e tem, a seu favor constituídas, três hipotecas voluntárias sobre o único bem imóvel, propriedade do Devedor – a casa onde o mesmo habita com a sua mulher e filho menor de idade; por outro lado, este credor é garantido, o que significa que será sempre e em qualquer caso pago por aquele e único...

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