Acórdão nº 681/14.8TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 29.4.2014 Unipessoal, Lda, intentou nas Varas Cíveis de Lisboa (atualmente, Instância Central, 1.ª Secção Cível, da Comarca de Lisboa) ação declarativa de condenação, na forma comum, contra Palmira e marido Álvaro.

A A. alegou, em síntese, que com início em 01 de março de 2013 tomou de arrendamento aos RR. um prédio urbano a estes pertencente, sito em Lisboa, para aí instalar e explorar um restaurante. Sucede que, apesar de os RR. lhe terem assegurado que o locado tinha licença de utilização, veio a apurar que tal não era verdade nem seria possível, máxime por oposição da Câmara Municipal de Lisboa. Ora, a A. efetuou no locado diversas obras e adquiriu mercadoria tendo em vista a atividade que aí iria exercer e com cujos proventos amortizaria o investimento feito e auferiria lucros. Uma vez que se viu impossibilitada de exercer a sua atividade no locado, em 12.9.2013 a A. resolveu o contrato.

A A. terminou pedindo que os RR. fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 73 737,96, “referente aos investimentos efetuados com obras e maquinaria utilizada, no espaço objeto do arrendamento” e numa quantia a título de lucros cessantes, a ser apurada em sede de liquidação de sentença.

Os RR. contestaram, afirmando que tinham tido o cuidado de informar a A. que o locado não tinha licença de utilização, sendo até duvidoso que dela carecesse. A A. assumiu o encargo de obter junto das entidades competentes, incluindo a CML, a suas expensas, as licenças ou dispensa das mesmas, inerentes à atividade que pretendia exercer. Negaram, assim, qualquer responsabilidade nos prejuízos alegados pela A., mais impugnando as despesas invocadas, quanto à sua realização e necessidade, e bem assim questionando a sua efetuação sem prévia garantia de que a atividade em causa seria licenciada. Em reconvenção, os RR. alegaram que a A. continuava na posse do locado, pelo que estava em dívida, em relação à renda estipulada (€ 600,00 por mês), o equivalente a 14 rendas, a que acresceria as que se vencessem até entrega do locado.

Os RR. concluíram pela sua absolvição do pedido, face à improcedência da ação, por não provada, e pediram que, em reconvenção, a A. fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 8 400,00, correspondente às rendas vencidas, bem como nas rendas vincendas até efetiva entrega do locado aos RR., bem como nos juros de mora correspondentes desde a data de vencimento das prestações decorrentes da locação em dívida.

A A. respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido saneador tabelar e realizou-se audiência final.

Em 26.6.2015 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, o Tribunal: 1. Julga a presente ação parcialmente procedente e, em conformidade, condena a Ré Palmira (…) a pagar à Autora Unipessoal, Lda. uma indemnização no montante de cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e nove euros e trinta e nove cêntimos (€ 59.529,39), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento; 2. Absolve o Réu Álvaro (…) do pedido; 3. Julga o pedido reconvencional parcialmente procedente e, consequentemente, condena a Reconvinda, Unipessoal, Lda. a pagar à Reconvinte Palmira (…) a quantia de seiscentos euros mensais desde 13 de Setembro de 2013 inclusive e até à entrega efetiva do locado.

As custas da ação são da responsabilidade da Autora/reconvinda e da Ré/Reconvinte na proporção do respetivo decaimento.” A R. Palmira apelou parcialmente da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: a) devendo a fundamentação conter os elementos que permitam a reconstituição do itinerário cognoscitivo subjacente a decisão, situação que, em sede de decisão sobre a matéria de facto, implica a identificação concreta dos documentos e dos segmentos dos depoimentos que sustentam a consideração de um determinado facto como provado ou não provado (art. 607º, nº 4, do Cod. Proc. Civil), verifica-se que os factos provados sob os nºs 4, 7, 9, 10, 11, 13 e 25 se mostram difusamente fundamentados, em moldes de justificar o lançar mão do disposto no art. 662º, nº 2, al. d) do Cod. Proc. Civil, por forma a que a mesma motivação seja complementada com indicação dos segmentos dos documentos e dos depoimentos que determinam a consideração probatória; b) inculca o ponto 7 (e, inerentemente, o ponto 8) dos factos provados que a A. assinou o contrato num pressuposto, criado pela R., de que o locado estava legalizado para o exercício da actividade comercial, sendo certo que, como decorre dos depoimentos das testemunhas Rui (…), Pedro (…) e das declarações de parte da ora recorrente que a R. deu acesso a documentos do imóvel, máxime certidão do registo predial, que revelam a não obrigatoriedade de licença de utilização do imóvel e a inexistência de qualquer licenciamento comercial, de forma a que a A. ficou com o encargo de efectuar o licenciamento, apenas decorrendo tal pressuposto de uma errada (infantilmente errada) interpretação da R. da certidão que se estava perante uma "propriedade horizontal", não devendo a consideração probatória subsistir; c) para mais, aliado ao ponto 8 dos factos provados, com que faz uma relação de causa-efeito o ponto 7 dos mesmos factos provados, mesmo que o locado estivesse licenciado para actividade comercial, o facto de se tratar de uma actividade industrial - restaurante - torna absolutamente irrelevante a mesma consideração para licenciamento de restauração; d) os factos nºs 9, 10 e 11 dos factos provados, pecam, desde logo, por serem inconclusivos e absolutamente carentes de concretização, concretamente no que concerne á alusão a "adquiriu materiais", "adquiriu serviços", indicando um valor dos "materiais e serviços supra referidos", sem especificar quais, em violação do art. 607º, nº 4, do Cod. Proc. Civil, que remete para o elenco de factos na acepção de serem os elementos concretos sobre que deve recair a prova, claros, precisos e bastantes; e) mesmo que se procurar suprir aquela indicação genérica por via de remissão para os documentos constantes da petição inicial, constata-se que os documentos juntos: ou não mostram a efectivação de pagamento - docs. nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 19, 20, 21 e 34; ou não revelam nexo de causalidade especifico com o locado - todas com excepção da factura 7 - por não serem directamente afectas ao locado, pelo que os mesmos factos devem ser tidos por não provados; f) situação que igualmente afecta o facto provado sobre o nº 25, pois que entre a data do contrato e a data da primeira factura decorrem quase dois meses, tendo intercalarmente a Camara Municipal de Lisboa notificado a A. da não aceitação do pedido, por um lado, tendo a testemunha Pedro Filipe Almeida Branco confirmado que as obras apenas se realizariam após a resposta da Camara; g) decorre dos autos que a A. pretendia exercer uma actividade industrial, e não comercial, pelo que a relação causa-efeito constante do ponto 13 dos factos provados carece de fundamento; h) a tal acresce a confirmação da elucidação prestada pela R. conforme decorre das suas declarações de parte, o que igualmente determina a impugnação, também, do ponto 1 dos factos não provados; i) lançando mão a sentença recorrida, como elementos de enquadramento normativo dos factos, o disposto no art. 227º, nº 1, do Cod. Civil, sempre se terá de aquilatar a verificação cumulativa dos quatro requisitos subjacentes ao seu accionamento, concretamente: a) uma situação de confiança traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia; b) uma justificação para essa confiança, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; c) um investimento de confiança consiste em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada, em termos que desaconselham o seu preterir; d) uma imputação da confiança á pessoa atingida pela protecção dada ao confiante; j) ora, no caso vertente, os elementos indubitavelmente transmitidos, constituídos por certidão do registo predial, mostram, por um lado, que o prédio em causa, sendo um pavilhão, não está legalmente sujeito a licença de utilização (cf. os arts. 6º A, nº 1, al. a) e 6º, nº 2, al. l) do Regime Juridico da Urbanização e Edificação, sendo que apenas a errada leitura da mesma, identificando o imóvel como submetido a propriedade horizontal, gerou o falso pressuposto; k) sendo que, pretendendo-se instalar um estabelecimento de restauração, exercício típico de actividade industrial, a pretendida licença para comércio seria, de todo em todo, inútil; l) tendo, em sede de indagação subsequente por parte da A. junto da Camara Municipal de Lisboa, esta informado, ainda antes de realizadas quaisquer obras, que a mesma não aceitava o licenciamento para aquele fim do mesmo estabelecimento; m) tendo o dever de informação sido preenchido com todos os elementos disponíveis e na posse da R.; n) para mais, não foi feita prova da realização legitima de despesas por forma do contrato de arrendamento, sendo que antes de iniciadas as obras a A. já tinha em posse informação contrária ao licenciamento por parte da edilidade licenciadora; o) sendo que quanto aos equipamentos que alegadamente adquiriu para o locado, os mesmos podem ser utilizados noutro lado, devolvidos ou vendidos, pelo que o pagamento dos mesmos pela R. envolve um efectivo enriquecimento sem causa pois que, daquela forma, a A. beneficia dos mesmos bens pagos pela R.; p) tendo o locado sido entregue (após prolação da sentença) pela A. á R., no mesmo não se encontram quaisquer bens dos alegadamente adquiridos, ou se verificam a realização de quaisquer benfeitorias; q) benfeitorias que, de qualquer forma, mesmo que fossem incorporadas no locado, foram objecto de renuncia a reclamação de indemnização pela A. na al. f) do contrato por si celebrado; r) nem sequer havendo lugar a benfeitorias, tendo a...

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