Acórdão nº 880/14.2GACSC-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelANA FILIPA LOUREN
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


EM CONFERÊNCIA ACORDAM, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO O assistente/ ofendido A..., devidamente identificado nos autos veio recorrer para o TRL do despacho que em sede de inquérito foi proferido a folhas 89 destes autos (e 404 do processo original) com o nº 880/14.2gacsc-A, Comarca de Lisboa Oeste, Cascais-Inst.Central- 2ª secção.Ins.Criminal-J1, através do qual se ordena a impulso do Ministério Publico, a recolha de impressões digitais do ofendido.

Este despacho tem o seguinte teor (o qual se encontra manuscrito): “Investiga-se nos autos um crime de homicídio na forma tentada.

A fim de perceber os contornos em que o crime foi praticado procedeu-se na P.J., mais concretamente no L.P.C. ao exame pericial nº 201415308-clo.

É necessário concluir este exame procedendo-se á recolha de vestígios lofoscópicos do assistente A... para os cotejar com os três vestígios recolhidos.

No entanto, o assistente conforme resulta do requerimento de folhas 372/373 não concorda com a recolha das suas impressões digitais.

A recolha das impressões digitais não cria nenhum perigo para a saúde física ou psíquica do assistente nem molesta a integridade pessoal ou intimidade do visado-artº 154º nº 3 e 156º nº 5 e 6 do CPP e mostra-se importante para a descoberta da verdade em particular dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado.

Assim nos termos do artº 172º, nº 1 e 2 do CPP ordeno a recolha dos vestígios (impressões digitais) do assistente.” Encontra-se datado de 6.07.2015 e devidamente assinado.

O ofendido/ assistente inconformado com tal decisão apresentou no âmbito do seu recurso as seguintes conclusões: 1 - Como questão prévia a ser colocada a Vossas Excelência, será a de saber se ao presente recurso dever-se-á ou não ser atribuído efeito suspensivo? 2 -O despacho de que se recorre, ordena uma perícia, um exame lofoscópico ao ora recorrente, tendo em vista, apurar se as impressões digitais encontradas na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são ou não do recorrente; 3 -Entende o recorrente que o referido despacho é ilegal, por duas razões: 3.1 O objecto da investigação é de averiguar o cometimento de um crime de homicídio na forma tentada, de que o recorrente foi vítima, o mesmo ocorreu no dia 28 de Agosto de 2014, que na via pública, o objecto utilizado foi uma faca, que se encontra aprendida e já foi examinada; 3.2 Nesta investigação, quer o M.P., quer o arguido não accionaram procedimento criminal contra o ora recorrente, não está este assim a ser investigado da prática de qualquer crime, pelo que, não é arguido, o recorrente é a vítima; 4 - Pelo que, há que concluir que o despacho que ordena a perícia é uma decisão que comporta uma desvantagem para os interesses que defende e é contra si; 5 - Pretendendo assim o recorrente que com o referido recurso, que seja declarada a ilegalidade do referido despacho, determinando-se que não haja lugar á recolha das suas impressões digitais, pelo que, bem se vê, que não sendo atribuído efeito suspensivo ao recurso, a mesma deixa de ter qualquer efeito útil, não lhe servirá de nada.

6 -Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justica de 03/02/84(in www.dgsi.pt): "só se verifica a inutilidade absoluta do recurso quando, seja qual for a solução que o Tribunal Superior lhe der, ela é já absolutamente inútil no seu reflexo sobre o processo; só existirá essa inutilidade absoluta se o recurso não servir para nada, caso não suba imediatamente" - Cfr. Acordão Tribunal da Relação de Lisboa, 04.06.2015 no proc. n.º121/08.1 TELSB.L1-9; 7-Pelas razões expostas deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, sob pena de se considerarem violadas as normas contidas nos artigos 131º, 22º,23º e 73º todos do C.P., art.s 48º e 49º, alínea c) do n.º 2 do art.º 69º, art.º 125º, 126º, 151º, 154º, 171º, 172º, 262º, 399º, alínea b) do n.º 1 do art.º 401º, nº 2 do artº 406º, n.º 1 do art.º 407º e 408º todos do C.P.P, e, art.s, 18º, 20º, 22º, n.º 1 e 7 do art.º 32º e artº 202.° todos da Constituição da Republica Portuguesa.

8- O despacho que ora se recorre tem o seguinte teor:"Investiga-se nos autos um crime de homicídio na forma tentada.

A fim de perceber os contornos em que o crime ocorreu foi praticado procedeu-se na P.J., mais concretamente no L.P.C. o exame pericial n.º 201415308-LLo. È, necessário concluir este exame, procedendo-se á recolha de vestígio.

9-Entende o recorrente que a perícia ordenada é ilegal por duas razões: 10 -Em primeiro lugar, dada a inexistência de objecto, uma vez que, não tendo sido movido, quer pelo M.P., quer pelo arguido, neste inquérito, qualquer procedimento criminal contra o ora recorrente, o M.P., não tem assim legitimidade para promover tal perícia, consequentemente, não podia a Meritissima J.I.C.

deferi-lo; 11-Pelo que, foram violadas as normas constantes do n.º1 e 3 do artº 212, 213º doC.P. e art.º s 1º, 2º, 8º, n.º 1 do artº. 9º, 10º, 17º, 48º, 49º, 53º, 58.º, alínea d) do n.º 3 do artº59.º, 60.º, in fine e alínea d) do n.º3 do artº 61.º, 125º,151.º, 171º,172º, 248º 262º e 263º todos do C.P.P., art.s 1º, 2º, n.º1 do artº 3º, 18º, 25º, 26º,n.º1 e 2 do art.º202º, 205º e 219º todos da Constituição da Republica Portuguesa; 12 -Em segundo lugar, o objecto e finalidade da investigação no presente inquérito prende-se com crime de homicídio na forma tentada, o instrumento utilizado para a prática do crime, foi uma faca, que está aprendida e examinada, pelo que, tal perícia, que visa apurar se as impressões digitais encontradas na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são do recorrente ou não, é excessiva, desproporcional ao direito e fins da investigação em curso; 13 -A recolha de impressões digitais, visa sempre estabelecer, através de perícia lofoscópica a ligação entre determinada pessoa e cuja identidade civil não suscita qualquer dúvida a determinado facto criminosa, ou seja, em regra, são recolhidas impressões digitais, para carrear prova contra o arguido.

14 -À vítima, recolhem-se impressões digitais ao cadáver, quando é necessário, no mais, a vítima é submetida a perícias, exames ou outras diligências, para carrear prova contra o arguido; 15 -Daí que, o arguido e a vítima têm interesses distinto na investigação, sendo que, a lei determina numa investigação que tanto a um como a outro possam realizar perícias, exames, etc., mas sempre, atento o objecto da investigação, qualidade dos indivíduos, estarem tais diligências, exames e perícias, especificadas na lei e serem essências, sob pena, de vir a ser comprometido o princípio da legalidade; 16 -Daí que, quando qualquer diligência, exame ou perícia, é requerida o arguido, de acordo com o seu estatuto que determina a obrigação de o mesmo se sujeitar às diligências de prova, o mesmo, só pode ser compelido a realizá-las, desde que, estas estejam prevista na lei e sejam necessárias para a investigação, já que, podendo este ser objecto de prova, o principio nemo tenetur se ipsum accusare, lotoscópicos do assistente A... para os cotejar com as três vestigios recolhidos.

No entanto, o assistente, conforme resulta do seu requerimento de fls. 372/373 não concorda com a recolha das suas impressões digitais.

A recolha de impressões digitais não cria nenhum perigo para a saúde fisica ou psíquica do assistente nem molesta a integridade pessoal intimidade do visado — artigo 154 n.º 3 e 156 n.º 5 e 6 do CPP e mostra-se importante para a descoberta da verdade em particular dos contornos em que terá ocorrido o crime investigado." garante-lhe que não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual de repressão do crime, daí, ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumivelmenteinocente; 17 -A exigência de especificação na lei, e da essencialidade da diligência, dos exames e perícias, bem se compreendem face aos valores em conflito, de um lado o interesse público da prevenção, investigação e repressão da criminalidade, e de outro, o direito por parte do arguido à não auto-incriminação e do direito á sua personalidade; 18 -E, é nesta colisão de interesses que se pondera se o arguido terá ou não que realizar tais diligências de prova, entre elas a perícia, mesmo contra a sua vontade, sob pena, de existir uma violação dos seus direitos de defesa e do direito á personalidade, por intromissão na sua esfera privada - Cfr. art.s 2º, 8º, 9º, 17º, 58.º, alínea d) do n.º 3 do artº 59.º ,60.º, in fine e alínea d) do n.º 3 do artº 61.º, 125º,151.º, n.º 1 do artº 171.º e n.º1 do artº172.º,191º,192º, 262º a 269ºtodos do C.P.P., art.s 1º, 2º, n.º 1 do artº 3º, n.ºs 2 e 3 do artº18.º, 20º, 25º, 26º,32º, 202º, 205º, 219º, da C.R.P.

19 -Ora, se assim é para o arguido, o que dizer em relação ao ora recorrente, vítima de uma tentativa de homicídio? 20-Entende o recorrente, que atento o objecto e fins da investigação, tendo sido a faca já aprendida e examinada, a perícia deferida - o exame lofoscópico para se apurar se as impressões digitais encontradas na face espelhada do retrovisor do lado direito da viatura do arguido, são do recorrente ou não, tal perícia, não é necessária, nem visa carrear prova contra o arguido, e por tal motivo, excede manifestamente os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

21 -Os mecanismos processuais destinados à eficácia da intervenção punitiva do Estado encontrarão legitimidade em juízos de ponderação e de concordância prática a que procedeu o próprio legislador, pois o Direito existe para salvaguardar a liberdade e a segurança, mas também para preservar a dignidade humana», insistindo na ideia de que o direito e o processo penal «são um reduto do Humanismo, pois o Direito existe para salvaguardar a liberdade e a segurança, mas também para preservar a dignidade humana; 22 -O principio da proporcionalidade leva, pois, a que, em sede de conflito entre os valores já referidos...

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