Acórdão nº 103/12.9 PPPRT.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelA. AUGUSTO LOUREN
Data da Resolução16 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: No âmbito do processo nº 103/12.9PPPRT, que correu termos no Tribunal Criminal de ..., Instância ..., e em que é arguido, J… L… C…, foi o mesmo julgado e condenada nos seguintes termos: -«Pelo exposto, decido julgar a acusação procedente por provada e, em consequência: 1.Condeno o arguido J… L… C… como autor de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por igual período de pena de multa – 360 (trezentos e sessenta) dias - à taxa diária de € 6,00 (seis euros); 2.Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais; 3.Julgo procedente a excepção da ilegitimidade e, em consequência, absolvo o arguido/demandado da instância quanto ao pedido de indemnização civil; 4.Sem custas da parte cível».

* Inconformado com a decisão, veio o arguido J… L… C… a recorrer, nos termos de fls. 289 a 337, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1.A decisão ora recorrida reflete uma interpretação e conjugação de depoimentos que, salvo melhor entendimento, resulta de um esforço assinalável de assacar uma qualquer responsabilidade ao ora Recorrente, colocando em crise o princípio fundamental in dubio pro réu.

  1. Ao arrepio deste princípio e ao arrepio da prova produzida ao longo do processo, logrou o Tribunal a quo condenar o ora Recorrente sem qualquer base sólida condenatória.

  2. É que nem da prova carreada para os autos, nem da factualidade dada como provada na decisão ora recorrida resultam elementos suficientes para sustentar a condenação do Recorrente, razão pela qual se apresenta a presente peça recursiva.

  3. Não resulta da matéria dada como provada a atuação criminosa por parte do Recorrente.

  4. No ponto 4 da douta sentença, “Enquadramento Jurídico-Penal”, quando o Tribunal procede à análise do tipo legal de crime, conclui, limitando-se a escrever: -“Atentos os factos provados, verifica-se que o arguido praticou o crime de descaminho de objetos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355º do Código penal, de que vinha acusado”.

  5. A decisão recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 379º nº 1 al. a) ex vi o nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal, sendo este um dos fundamentos do presente nos termos do nº 3 do artigo 410º do mesmo Código.

  6. Não poderia o Tribunal a quo ter sido mais vago ou abstracto na forma como (não) cuidou de escrutinar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão bem como a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, até porque, veja-se, na matéria de facto dada como provada, nada releva para que a decisão seja a que a final foi tomada.

  7. A omissão pelo Tribunal de 1ª instância de uma completa ou cabal enunciação das razões pelas quais entende verificados os requisitos para se decidir pela prática do crime pelo Arguido/Recorrente – e atenta a relevância destas para a determinação da concreta pena a aplicar – põe não só em causa a total compreensão pelo Arguido e pela comunidade da decisão em causa, mas, mais grave ainda, coloca em crise a possibilidade do Arguido nesta sede recursiva demandar a sindicância de Vªs Exªs quanto ao entendimento do dito Tribunal de 1ª instância.

  8. Assim, é entendimento do Recorrente que precisamente pelo que acima se disse, a decisão recorrida viola o artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

  9. Face ao exposto é insuficiente a fundamentação da decisão nesse trecho, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea a), com referência ao artigo 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal.

  10. Nestes termos deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida nos termos supra expostos, e, consequentemente ser esta substituída por uma outra em que nos devidos termos legais se fundamente o entendimento do Tribunal quanto a “Atentos os factos provados, verifica-se que o arguido praticou o crime de descaminho de objetos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355º do Código penal, de que vinha acusado”.

  11. O vício que resulta do artigo 410º nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal - insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.

  12. O Recorrente vem condenado do crime supra referido cuja imputabilidade assenta na alegada não entrega dos bens, tendo-se apoderado dos mesmos.

  13. Tal atuação acha-se descrita na factualidade dada como provada ponto 1 da douta sentença: -No âmbito do processo referenciado foi nomeado como encarregado da venda o arguido que solicitou o envio dos bens de que Maria … era fiel depositária a fim de poder realizar a venda; -Na sequência desse pedido, e como era sua obrigação legal, Maria … E… remeteu ao arguido, através de meio de transporte que contratou, a totalidade dos bens conforme guia de remessa de fls. 117 tendo tais bens sido recepcionados pela testemunha William … no Parque ..., Estrada ..., Alto do Forte, em Rio de Mouro – Sintra; -Ora, após os bens, na sequência de proposta, terem sido adjudicados a Lisete …, o encarregado da venda não os entregou a esta, tendo-se apoderado dos mesmos, alegando que não os consegue localizar não obstante terem sido recebidos no local que indicou para entrega; -O arguido como encarregado de venda, bem sabia que os bens que detinha estavam sob o poder público; -O arguido atuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que os bens de que se apropriou não lhe pertenciam e que atuava contra o direito; -O arguido sabia ainda que a sua conduta era contrária à Lei; 15.Ora, e não obstante o esforço desenvolvido, não se vislumbra em que momento incorreu o Recorrente na prática de um crime de descaminho de objetos colocados sob o poder público.

  14. É que da descrição supra transcrita não resulta uma qualquer atuação de índole criminosa.

  15. O que resulta, tão-somente, é que o Recorrente terá recebido no armazém, que à data da entrega era do seu pai, os bens penhorados no âmbito de um processo de execução fiscal e que esses mesmos bens ainda não foram entregues à adjudicatária.

  16. Não resulta da factualidade dada como provada matéria suficiente para preencher os tipos objetivo e subjetivo do crime pelo qual o Recorrente foi condenado, designadamente o elemento objectivo essencial: frustração da finalidade da custódia, isto é, impedimento definitivo da realização dessa finalidade, que é a de entregar os bens. Mais, para além da frustração definitiva da finalidade da custódia, é ainda necessário que essa frustração ocorra através de “uma ação direta sobre a coisa”, isto é, uma atuação que a destrua, inutilize, ou impeça a sua entrega.

  17. É que, bem vistas as coisas, em momento algum de tal matéria de facto consta que o Recorrente destruiu, danificou ou inutilizou, total ou parcialmente, ou por qualquer forma, subtraiu ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objeto de providência cautelar.

  18. Termos nos quais se entende que, face ao vício invocado e estando este Venerando Tribunal em perfeitas condições de o conhecer e sanar, deve a sentença recorrida ser substituída por uma outra que absolva o Arguido J… L… do crime descaminho de objetos colocados sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal, pelo qual foi condenado na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por igual período de pena de multa – 360 (trezentos e sessenta) dias – à taxa diária de 6,00 € (seis euros), por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  19. O Recorrente não compreende a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo da factualidade a si imputada da qual se entendeu resultar, de forma inequívoca, a prática de uma qualquer conduta criminosa.

  20. Assim, em cumprimento do disposto no art. 412º nº 3, alínea a) do Código de Processo Penal o Recorrente impugna a matéria de facto vertida nos factos supra transcritos com base nos depoimentos das testemunhas Lisete Andrade e William Marinho.

  21. No que concerne especificamente ao facto: “Ora, após os bens, na sequência de proposta, terem sido adjudicados a Lisete…, o encarregado da venda não os entregou a esta, tendo-se apoderado dos mesmos, alegando que não os consegue localizar não obstante terem sido recebidos no local que indicou para entrega;”, cumpre desde já referir que, no entendimento do Recorrente – e à semelhança dos demais que se acham impugnados pelo presente – estamos perante um facto conclusivo.

  22. Isto é, em momento algum no segmento descritivo da atuação do Recorrente, é feita uma qualquer referência à apropriação dos bens pelo Recorrente.

  23. Não obstante, na fundamentação da decisão ora em crise, o tribunal recorrido indica que, no seu entendimento (sem qualquer base na matéria de facto dada como provada), o arguido João Ladeira ter-se-á se apoderado dos bens.

  24. A ponte (i)lógica que o Tribunal faz, ou se quisermos, a conclusão retirada pelo Tribunal no facto “Ora, após os bens, na sequência de proposta, terem sido adjudicados a Lisete …, o encarregado da venda não os entregou a esta, tendo-se apoderado dos mesmos, alegando que não os consegue localizar não obstante terem sido recebidos no local que indicou para entrega;”, é a de associar a não entrega dos bens, com a sua apropriação pelo Recorrente.

  25. Não cuidou, contudo, o Tribunal a quo de explicar tal conclusão, uma vez que a mesma não resulta da descrição dos factos...

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