Acórdão nº 850-09.2TVLSB.L1- de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MARINHO
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

RELATÓRIO: M... S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra C... S.A., e OUTROS, todos neles melhor identificados, por intermédio da qual solicitou que fosse: «a.) a seguradora (…) condenada a pagar à A. M..., o valor total que esta pagou aos RR. J..., C... e L..., e que até 10/07/2008 ascendia a euro 158.046,43, acrescido de juros de mora desde a data da respectiva citação, e até efectivo e integral pagamento; b.) a "M..." (…) desonerada da obrigação de pagamento determinada por douta sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Cascais no processo especial de acidentes de trabalho n° 141/2002, relativamente às pensões vincendas a pagar aos RR J..., C... e L...». Alegou, para o efeito, que: ocorreu, em 30/02/2002, em França, o acidente de viação que descreveu no primeiro articulado; interveio nesse acidente o veículo pesado de mercadorias conduzido por motorista no âmbito de contrato individual de trabalho e transportando um passageiro que exercia funções laborais no quadro de idêntico contrato; tal veículo circulava a velocidade superior à permitida no local; o condutor seguia desconcentrado e estava cansado; no sítio indicado nos autos, o aludido condutor perdeu o controlo da viatura, entrando em despiste; esse despiste produziu os danos descritos na petição inicial; o passageiro transportado faleceu; a responsabilidade civil por acidentes de trabalho ocorridos com este passageiro estava transferida para a Autora; a responsabilidade civil pela circulação do referido veículo estava transferida para a Ré; em consequência do acidente, a Autora pagou as indemnizações referidas no mesmo articulado.

Foi citada a sociedade J... S.A., que seria, segundo a Demandante, representante em Portugal da 1.ª Ré, que contestou invocando a sua ilegitimidade passiva, a incompetência territorial dos tribunais portugueses e a prescrição declarando, quanto aos factos, o desconhecimento da generalidade dos mesmos e impugnando os que não enquadrou nesta noção. Terminou pedindo a sua absolvição da instância ou do pedido.

A A. veio desistir da instância relativamente à segunda Ré J... e aos seus filhos menores também Demandados, o que foi homologado por decisão judicial. Mais replicou, respondendo à matéria de excepção e concluindo como na petição inicial.

O Tribunal «a quo» declarou a nulidade da citação da Ré e determinou a realização da mesma.

A Demandada contestou alegando a incompetência territorial dos Tribunais portugueses e a prescrição e defendeu-se por impugnação. Concluiu pedindo a sua absolvição da instância ou do pedido.

A Autora replicou pronunciando-se pela improcedência das excepções e concluindo como na petição inicial tendo, no entanto, reduzido, por rectificação de erro aritmético, o montante pedido.

Posteriormente, a Demandante veio ampliar o pedido, o que foi admitido.

A Ré respondeu à matéria da ampliação invocando desconhecimento dos factos alegados e impugnando a letra e assinatura dos documentos juntos.

Em sede de saneamento dos autos, a excepção de incompetência internacional dos Tribunais portugueses foi julgada improcedente. O conhecimento da excepção de prescrição foi, por seu turno, relegado para final.

Foram realizados a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que julgou a acção «totalmente não provada e improcedente, absolvendo a R. do pedido contra si formulado». É desta sentença que vem o presente recurso interposto pela Autora, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido: I-Questão prévia: Da rectificação de erro material: 1.

No douto elenco dos factos provados vertido na sentença recorrida, ficou a constar da alínea 1) o seguinte: 1) “No dia 30/02/2002, cerca das 10.30 horas, ocorreu um acidente de viação no nó de saída da RN 175/A84 para a RD 937, em direcção a GRANVILLE, atento o sentido de marcha RENNES – CAEN, na localidade de AVRANCHES em FRANÇA.

  1. Facto esse que foi alegado pela A. na petição inicial (cfr. art. 1º).

  2. Alegação essa que, notoriamente, padece de verdadeiro lapso de escrita quanto à data da ocorrência do acidente, e de que só agora a Apelante se apercebeu.

  3. Naturalmente que o acidente jamais poderia ter ocorrido no dia 30 de Fevereiro.

  4. O acidente ocorreu, pois, e sem margem para dúvidas no dia 20/02/2002.

  5. Nesse sentido, afigura-se demonstrativa a extensa prova documental junta aos autos, da qual nos permitimos destacar, a título de mero exemplo, a sentença proferida no âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho de fls…., e documento de fls 86 a 107.

  6. Ora, a alínea 1) dos factos provados mereceu aquela (errónea) redacção, não se atendendo à respectiva prova e lapso (aliás notório, até porque é de conhecimento público e comum, que não existe o dia 30 de Fevereiro).

  7. Tal situação de manifesto lapso configura um erro material da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 614º do Cód. Proc. Civil, sendo susceptível de rectificação, a qual desde já se requer.

  8. Assim, e face ao supra exposto, deverá ser rectificado o teor da alínea 1) dos Factos Provados, à qual deverá ser conferida a seguinte redacção: 1) “No dia 20/02/2002, cerca das 10.30 horas, ocorreu um acidente de viação no nó de saída da RN 175/A84 para a RD 937, em direcção a GRANVILLE, atento o sentido de marcha RENNES – CAEN, na localidade de AVRANCHES em FRANÇA.

    III - Da reforma da sentença: Erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis: 10)Salvo o devido respeito por diverso entendimento, entende a Apelante que o Meritíssimo Tribunal “a quo”, ao aplicar ao caso em apreço, as normas jurídicas vertidas no Regulamento Roma II 5 incorreu em grave e manifesto erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis.

    11)Ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, o caso dos autos não está abrangido pelo Regulamento Roma II.

    12)Encontramo-nos perante um acidente rodoviário (e simultaneamente de trabalho) ocorrido em 20/02/2002 que, como bem se aponta na sentença proferida, se apresenta como uma relação jurídica complexa e plurilocalizada.

    13)A causa de pedir – igualmente complexa - consiste no accionamento da responsabilidade civil extracontratual da Seguradora R. pela ocorrência do evento danoso e, por conseguinte, a aferir-se do direito da Seguradora A. ser ressarcida, por via da sub rogação legal e ao abrigo do disposto no art. 31º da LAT, das quantias indemnizatórias que liquidou ao abrigo da responsabilidade infortunístico-laboral aos herdeiros da vítima mortal.

    14)Urge, pois, indagar, em primeira linha, qual será a lei materialmente aplicável in casu.

    15)E para tanto, há que recorrer às normas de conflitos aplicáveis em sede de direito internacional privado.

    16)O Regulamento Roma II tem o seu âmbito de aplicação circunscrito às situações de conflito de leis em sede de obrigações extracontratuais em matéria civil e comercial (Cfr. art. 1º n.º 1 do Regulamento) 17)Considerando-se, no seu artº 2 n.º 1 que “Para efeitos do presente regulamento, o dano abrange todas as consequências decorrentes da responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco, do enriquecimento sem causa, da negotiorum gestum ou da culpa in contrahendo”.

    18)O Regulamento Roma II apenas entrou em vigor em 11/01/2009, conforme dimana do disposto no respectivo art. 32º, sob a epígrafe “Data de Aplicação”.

    19)Prevendo-se expressamente no seu art. 31º que “O presente regulamento é aplicável a factos danosos que ocorram após a sua entrada em vigor”.

    20)Atenta a data da ocorrência do acidente dos autos – 20/02/2002 - e a data da entrada em vigor do citado Regulamento – 11/01/2009 - , urge concluir que o mesmo jamais poderia ser aplicável ao evento danoso sub judice.

    21)Assim, andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” ao considerar que tal corpo normativo se aplicava ao caso em apreço.

    22)Incorrendo, pois, em manifesto erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis.

    23)Atenta a relevância das normas de conflito vertidas no Regulamento (nomeadamente o art. 4º) para a determinação da lei material aplicável, e sendo certo que consoante o ordenamento jurídico substantivo que se considere aplicável poderá do mesmo resultar cabal divergência quanto à solução a conferir, urge concluir que o erro de que padece a douta sentença influiu, de forma cabal, na decisão de mérito do presentes autos, inquinando-a na sua totalidade.

    24)Impõe-se, pois, reformar a douta sentença proferida, nos termos supra expostos, aplicando-se à relação material controvertida a lei substantiva que decorrer, não da aplicação do Regulamento Roma II, mas outrossim das regras de conflito efectivamente aplicáveis consignadas no art. 45º do Cód. Civil.

    Sem prescindir: 25)Na eventualidade de considerar que o invocado erro na determinação das normas aplicáveis não configura fundamento para a peticionada reforma da sentença, então sempre se dirá que, pelos motivos supra expendidos, incorreu o Meritíssimo Tribunal “a quo” em desadequada aplicação da lei, o que sempre será questão que configura o objecto do presente recurso.

    Do objecto do recurso.

    IV - da aplicação da lei no tempo e da lei substantiva aplicável: 26)Salvo o devido respeito por diverso entendimento, entende a Apelante que o Meritíssimo Tribunal “a quo”, ao aplicar ao caso em apreço, as normas jurídicas vertidas no Regulamento Roma II incorreu em grave e manifesto erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis e, por conseguinte, numa desadequada aplicação da lei e do direito.

    27)Ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, o caso dos autos não está abrangido pelo Regulamento Roma II.

    28)Encontramo-nos perante um acidente rodoviário (e simultaneamente de trabalho) ocorrido em 20/02/2002 que, como bem se aponta na sentença proferida, se apresenta como uma relação jurídica complexa e plurilocalizada.

    29)A causa de pedir – igualmente...

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