Acórdão nº 2041/13.9TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelEZAG
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – “A.”, intentou ação declarativa, com processo comum, contra “B.”, pedindo a condenação da Ré “a pagar à A. a quantia de € 131.721,00 (…) acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde 22 de Abril de 2007 – e até integral pagamento, vencidos no valor de € 77.356,34 e vincendos.”.

Alegando, para tanto e em suma, que: No exercício da sua atividade, a A. celebrou com a R., em 23 de Abril de 2002, um contrato, nos termos do qual a R. se obrigou a comprar ao distribuidor Comercial, Lda., para revenda ao público e consumo no seu estabelecimento, produtos constantes do Anexo I nas quantidades e prazos previstos na cláusula terceira.

Por seu turno, a A. obrigou-se a vender, através dos seus Distribuidores, aqueles produtos, e, bem assim, a entregar à Ré, a título de contrapartida pela celebração do contrato e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia de € 44.891,81.

Ficou estabelecido no contrato que se vem mencionando que este vigoraria até que a R. adquirisse 125.000 litros dos produtos constantes do Anexo I ou pelo prazo de 5 anos a contar da data da sua assinatura, 23 de Abril de 2002, consoante o que primeiro ocorresse.

Porém, a R. apenas adquiriu, dos 125.000 litros a que se havia obrigado, 25.211 litros.

Posto o que, considerando que o valor de preço de venda a retalho da cerveja de barril da A., à data em que terminou o contrato – 22-04-2007 – o valor de venda da litragem que ficou por consumir é de € 131.721,48.

Ora, nos termos do Contrato a que se vem fazendo referência, é essa quantia que a R. tem de devolver à A. por não ter adquirido o volume de litragem a que se obrigara.

Contestou a Ré, em extenso articulado Alegando que, na prática, a lista do Anexo I foi alterada e alargada, ainda que sem expressão formal.

Mais arguindo a exceção de não cumprimento de banda da A., no tocante ao acordado apoio a ações de marketing, importando prejuízos para a Ré, a liquidar em execução, como reclama a título reconvencional.

Sendo por esse motivo que um dia a ré decidiu interromper todas as relações que mantinha com a A., ainda que a quantidade de litros consumidos prevista no contrato não tivesse sido atingida.

Mais declarando pretender compensar parcialmente o crédito invocado pela A. com esse seu arrogado crédito.

E, continuando nessa senda de exceções, argui ainda a “abusividade do contrato” (sic) – por reporte à cláusula quarta, número 5, que “configura uma cláusula penal, que estabelece uma indemnização a pagar pela Ré à Autora, correspondente ao volume de produto não adquirido no final do contrato, tendo por referência o montante mínimo estabelecido na cláusula terceira, 125.000 litros.” – nos quadros da LCCG.

Para além de a atuação de tal cláusula penal ocasionar uma situação de enriquecimento sem causa.

Configurando-se ainda um verdadeiro abuso de direito, com a propositura da presente ação, na circunstância da continuação de fornecimentos de forma contínua e regular, ao longo de três anos, por parte da A., à Ré, após a cessação do contrato em 22-04-2007, ficando acordado que se absteria a A. de interpelar a Ré para pagar qualquer quantia devida a título indemnizatório por incumprimento das litragens acordadas no contrato, e não abatendo à litragem que alegadamente falta consumir os mais de 20.000 litros fornecidos durante esse acrescido período.

Até à instauração da presente ação, e mesmo depois de a Ré ter cessado as relações com a A., nunca teve qualquer reação por parte desta, incutindo a ideia de que as relações entre as partes estavam sanadas.

Rematou com: a) a total improcedência da ação, por não provada, com todas as devidas consequências legais; b) a procedência, por provada, da reconvenção, condenando-se a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte o valor que equitativamente vier a ser fixado como justo correspondente aos lucros cessantes que a Ré deixou de auferir em razão do incumprimento pela Autora das prestações que esta deixou de cumprir em violação da cláusula 2.ª do contrato celebrado entre ambas, bem como dos acordos que a posteriori celebrou com a Ré; c) sem conceder, com a redução dos montantes das cláusulas penais previstos no mesmo contrato, adaptando-os a um valor razoável e proporcional aos danos que se venha a apurar terem sido sofridos pela Autora.

Replicou a A., concluindo: “1. Deve a reconvenção ser recusada e a matéria de excepção ser julgada procedente, porque provada, e, em consequência, ser a Autora absolvida da instância reconvencional; 2. Para o caso de assim não se entender, deve a reconvenção ser julgada totalmente improcedente, porque não provada, e, em consequência, ser a Autora absolvida do pedido reconvencional; 3. Devem os documentos juntos pela Ré ser desentranhados, em todo o caso aqui se deixando expressamente impugnados; 4. (…) como na p.i.”.

O processo seguiu seus termos – sendo dispensada a realização da audiência prévia – com saneamento – desatendendo-se a reconvenção – por falta de atribuição de valor à mesma – identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Inconformada com a rejeição da reconvenção, recorreu a Ré, não sendo tal recurso admitido, nos termos do despacho reproduzido a folhas 528.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença julgando a ação improcedente, por não provada e absolvendo a Ré do pedido.

Desta feita recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. A Recorrida não invocou, em sede de contestação, a eventual desproporção da cláusula penal e o consequente vício de nulidade (nem a final formula qualquer pedido de declaração de nulidade); 2. Por seu turno, também o Tribunal a quo não identificou como tema da instrução os elementos integradores dos tipos legais da alínea c) do artigo 19.º e do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 446/85 (entenda-se: a desproporcionalidade da cláusula penal, face aos danos a ressarcir, e a respectiva sanção da nulidade, tudo ao abrigo do regime legal das cláusulas contratuais gerais); 3. A enunciação dos temas da prova tem por função delimitar e balizar a instrução do processo. É que, segundo o artigo 410.º do C.P.C., "A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados..."; 4. Assim, a Recorrente não pôde organizar e orientar a produção da sua prova sobre aquela questão, pois que a mesma não foi enunciada entre os temas da prova (sobre os quais, inclusive, nos termos do artigo 516.º, n.º 1, do C.P.C., incidem os depoimentos das testemunhas); 5. O n.º 3 do artigo 32 do C.P.C., consagrando o basilar princípio da contradição, dispõe que o juiz não pode decidir questões de facto ou de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem; aqui assenta a chamada proibição das "decisões surpresa", impondo-se a formulação de um convite às partes para tomarem posição sobre qualquer questão de conhecimento oficioso do tribunal, visto ser susceptível de influir no exame e decisão da causa, como de facto influiu; 6. A Sentença é nula, por preterição do contraditório, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C.; 7. Em sede de depoimento de parte, a ora Recorrente explicou, de uma forma cabal e exaustiva, que actua num mercado marcadamente concorrencial, pelo que há uma ampla margem de abertura à negociação e à aceitação de propostas alternativas aos termos contratuais propostos. Ou seja, daqui só se pode concluir que é lícito aos clientes/revendedores apresentarem redacções alternativas, influenciando e conformando o conteúdo e teor de qualquer uma das cláusulas, e não apenas daquelas que, pela sua própria razão de ser, variam de contrato para contrato e têm de ser necessariamente ajustadas entre os outorgantes. Tudo isto resulta, de resto, da própria assentada constante da acta da audiência de 3 de Março de 2015. Além disso, aludiu ainda à experiência da Recorrida neste tipo de negócio e contratos, o que, conjugado com as regras da experiência comum, faz concluir que aquela dominava e conhecia o modus operandi do tipo de contratos em análise e, consequentemente, as cominações a eles associadas, tendo-as aceite sem qualquer reserva; 8. Também nas declarações de parte prestadas na audiência de 4 de Março de 2015, o legal representante da Recorrida referiu expressamente a existência de um almoço/reunião para apresentação da proposta contratual e ainda que trabalhava com a Central de Cervejas desde o ano de 1991; 9. Deve o ponto P da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo ser dado como NÃO PROVADO, ou, pelo menos, deve aditar-se-lhe o seguinte segmento: o de que, não obstante tal tipo de cláusulas poder ser utilizado em contratos semelhantes celebrados com outros clientes, o cliente/revendedor sempre pode influenciar o respectivo conteúdo, propondo redacções alternativas, aceitando a Autora ponderar alterações decorrentes de sugestões às referidas cláusulas; 10. Em razão da alteração da matéria de facto advogada, fica inevitavelmente prejudicada a aplicação ao caso dos autos do Decreto-Lei n.º 446/85, na medida em que: (i) o clausulado contratual resultou de negociação prévia, foi individualmente negociado, não se limitando a Recorrida a subscrever ou aceitar as respectivas cláusulas; (ii) a Recorrida pôde influenciar o conteúdo desse mesmo clausulado; 11. Mas ainda que assim não seja, mantendo-se o ponto P da matéria provada, salvo o devido respeito, não era lícito ao tribunal concluir que a cláusula penal ora em discussão é incluída em todos os contratos celebrados pela Recorrente com os seus clientes//revendedores e que está sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais; 12. Ainda sem prescindir, a cláusula penal em apreço não é desproporcionada. A cláusula penal constitui uma convenção anterior à ocorrência do facto danoso, um acordo relativamente ao quantum respondeatur, dispensando o credor da prova dos demais pressupostos do direito à indemnização que não seja o não...

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