Acórdão nº 1730/11.7TYLSB-F.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: S..., contribuinte fiscal n.º e mulher, P..., contribuinte fiscal n.º , residentes ...

Propuseram ação de reconhecimento do direito à separação ou restituição bens, prevista no art. 146º, do CIRE, e que tramita de acordo com a regras de processo comum declarativo, contra: 1)“S..., Lda.”, insolvente nos autos principais, com sede ..., 2)Massa insolvente de “S... Lda.”, representada pela administradora de insolvência AC..., com domicílio profissional na Rua da ..., Vivenda ..., Fonte ..., Santo António ...., B..., 3)Credores da massa insolvente de “S..., Lda.”, Peticionando a separação da massa e restituição da posse da fração autónoma descrita na CRP da Amadora sob o n.º 2..., fração “C” ou, subsidiariamente, ser reconhecido aos autores o direito de retenção sobre a referida fração, enquanto o seu crédito não for satisfeito.

Alegaram em síntese que: -Celebraram com a insolvente em 08.01.2008 um contrato promessa de compra e venda da fração identificada, pelo valor de € 160.000,00; -Entregaram a quantia de € 6.500,00 a título de sinal e de € 4.500,00 como reforço de sinal; -A escritura deveria ter sido celebrada no prazo de 60 dias a partir da data de entrada do requerimento de licença de habitação/utilização junto da CMA, no dia hora e cartório que a mediadora designasse; -À data da declaração de insolvência tal prazo mostrava-se ultrapassado, a insolvente não marcou a escritura, e a fração havia sido penhorada em processos executivos; -As chaves da fração foram-lhes entregues em 19.02.2008, passando a habitá-lo desde então, como se donos fossem; -Em 08.06.2012 deduziram embargos de terceiro contra a insolvente, no âmbito do processo executivo n.º 12.../09.9 T2SNT-C, no juízo de Execução de Sintra (Juiz...).

Citada, a massa insolvente contestou, alegando resumidamente que: -A insolvente ficou em mora, mas não ocorreu incumprimento definitivo, por falta de interpelação admonitória dos AA.; -A existência de penhoras não era obstáculo à realização do negócio, no âmbito dos poderes conferidos ao AI no processo de insolvência; -A AI decidiu cumprir a promessa e agendou escritura definitiva pra 23.04.2013, a que os AA. não compareceram; -O contrato-promessa foi celebrado sem eficácia real, não conferindo o direito à separação/restituição do bem; -Ao invocarem direito de retenção os AA. reconhecem que o bem não lhes pertence.

Citado, o “N...S.A.”, credor da massa insolvente contestou, alegando em síntese que: -A insolvência foi declarada em 26.10.2012; -A AI optou pela execução do contrato, agendou a escritura e comunicou aos AA, por 2 vezes, que não compareceram, sendo estes os causadores do incumprimento definitivo; -Os AA. não conseguem demonstrar a existência de incumprimento por banda da insolvente, não sendo titulares do crédito que lhes permita o exercício do suposto direito de retenção; -O direito de retenção, a existir, apenas conferira aos AA. o direito a serem pagos preferencialmente a outros credores através do produto da venda.

Pugnaram pela improcedência da ação.

Procedeu-se à realização audiência prévia, e foram proferidos despachos a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova – fls. 101.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.

A final, foi proferida sentença que decidiu: Julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver os RR. do pedido de restituição e separação da massa insolvente da fração autónoma, designada pela letra “N”, destinada a habitação, correspondente ao sexto andar direito do prédio urbano constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito na Avenida A..., n.º..., freguesia da M..., concelho da Amadora, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, freguesia da M..., sob o número 2..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 5....

Remeter a apreciação do pedido de reconhecimento do direito de retenção para a decisão a proferir no apenso de reclamação de créditos.

Os Autores S... e P..., inconformados com o teor da sentença dela interpuseram recurso, concluindo da forma seguinte: 1º-Vêm as presentes alegações na sequência do recurso de apelação interposto pelos aqui Recorrentes da, aliás douta, sentença de fls. (datada de 12.10.2015), que julgou totalmente improcedente a ação de verificação ulterior do direito à separação de bens intentada por aqueles, não se conformando os Recorrentes com a mesma porquanto, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer no que respeita ao Direito aplicável à situação sub judice.

  1. -O Tribunal a quo andou mal na sentença recorrida ao considerados não provados, designadamente, os seguintes factos descritos sob os pontos a ), b) e c) dos factos não provados.

  2. -Quanto ao facto não provado elencado na alínea a), a verdade é que no decurso das declarações de parte prestadas pelo Autor foi por este confirmado, de forma perentória e clara que, a solicitação do responsável da sociedade insolvente, havia entregado aquele valor a título de reforço do sinal ao Sr. R..., sendo que a própria Insolvente nunca negou a existência desse pagamento.

  3. -O Tribunal recorrido sobre o facto de o Autor ter relatado de forma cabal todo o processo conducente a este pagamento nada disse na sua sentença, optando por omitir essas declarações para apenas fazer juízos sobre se é verossímil que os Autores tenham pago esses valores sem terem solicitado qualquer comprovativo de pagamento.

  4. -Bem sabemos, aliás, que é frequente, no âmbito das relações jurídicas que se estabelecem entre promitentes vendedores e promitentes compradores, a entrega de quantias a título de reforço de sinal ou princípio de pagamento sem qualquer documento escrito que o ateste, ficando apenas do conhecimento das partes.

  5. -Mais, é importante contextualizar a entrega dessa quantia. Recorde-se que já tinha existido tradição do bem e existia entre as partes, em especial dos Autores, confiança na seriedade do promitente vendedor e dos seus representantes.

  6. -Aliás, no caso dos autos, nem será difícil imaginar que, numa situação de dificuldades financeiras da sociedade insolvente, em situação de pré-insolvência e de penhoras sobre os seus bens, tenham os seus responsáveis optado por solicitar essas verbas em dinheiro.

  7. -Quanto à alínea b) dos factos não provados, o Tribunal recorrido fundou a sua decisão na manifesta insuficiência de meios de prova apresentados, sendo que, porém, foi dito de forma clara e convincente pelo Autor nas suas declarações, que quando a mediadora imobiliária encerrou o estabelecimento, a obrigação de proceder à marcação da escritura de compra e venda do imóvel foi assumida perante o Autor pelo Sr. R..., gerente da sociedade insolvente.

  8. -Sobre esta matéria, as partes não elaboraram qualquer documento que formalizasse essa posição assumida pelo promitente vendedor, o que se compreende atendendo à confiança que existia entre as partes e o Autor também não achou necessário exigi-lo por já se encontrar a ocupar o imóvel.

  9. -Resulta igualmente das regras de experiência comum que a marcação da escritura neste tipo de contratos por norma cabe ao promitente vendedor.

  10. -Pelo que, deveria ter sido dado como provado o facto constante da alínea b) dos factos não provados, atentas as declarações prestadas pelo Autor e não havendo razão para duvidar que o mesmo disse a verdade.

  11. -Ademais, deveria também ter sido dado como provado o facto constante da alínea c) dos factos dados como provados, porque o Tribunal a quo, tendo dado como provados, designadamente, os factos 6 e 7 dos factos provados, deu como assente o corpus da posse dos Autores sobre o imóvel em apreço, isto é, deu como provado o elemento objetivo que se traduz na prática de atos materiais equivalentes ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

  12. -Assim, o elemento subjetivo – o animus – que corresponde à intenção do detentor do poder de facto exercer o referido direito de propriedade ou de outro direito real como titular desse mesmo direito, é presumido quando o detentor pratica os atos materiais equivalentes ao exercício do direito de propriedade – o corpus.

  13. -Com efeito, estatui o art. 1252.º, n.º 2, do Código Civil, que, em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto dado que é difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio.

  14. -Note-seainda, que o Acórdão datado de 09.07.2003, do Tribunal da Relação de Lisboa (proferido no processo n.º 4591/2003-2 disponível para consulta em www.dgsi.pt), veio salientar que: «II - A posse conferida ao abrigo de contrato-promessa de compra e venda, devidamente formalizado ( art. 410,2 C.C. ), com tradição da coisa vendida, a que coube direito real de retenção ( art. 755,1,f) C.C. ), com satisfação da quase totalidade do preço, e a atuação posterior de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (art. 1251 C.C. ), faz presumir o “ animus "».

  15. -Neste aresto pode ainda ler-se que: «Essa posse é, nestas circunstâncias, de presumir ( arts. 349º e 351º C.C.) como " poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade" ( art.º 1251º C.C.), portanto como autêntico " corpus " de posse. (…) E o exercício do " corpus "faz presumir o " animus" - Acs. S.T.J. de 26.4.1994 e R. P. de 20-9-1994, in , respectivamente, C.J. - S.T.J. - II - 2-62 e B.M.J. 439-652.

    É plenamente possuidor o promitente - comprador beneficiário de tradição da coisa - Acs. R.L. de 14-5-1998 e S.T.J. de 14-3-2000, in, respectivamente, B.M.J., 477- 564 e 495-310».

  16. -Os ora Autores sempre beneficiam, portanto, da mencionada presunção do animus possidendi.

  17. -Por outro lado, não colhe a argumentação aduzida pelo Tribunal com o intuito de afastar a presunção legal, quando afirma que os Autores não praticaram atos relevantes que «distingam a verdadeira actuação como dono...

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