Acórdão nº 1312/04.0TASNT.L2-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelALDA TOM
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: No âmbito do processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 1312/04.0TASNT, que corre termos na ...ª Secção (J...) do Juízo de Grande Inst. Criminal de Sintra, na comarca da Grande Lisboa-Noroeste, e após reabertura da audiência, foi ao arguido, F.

indeferida a pretensão de aplicação da lei penal eventualmente de conteúdo mais favorável face ao disposto no art. 44º do Cód. Penal introduzido pela Lei 59/2007, de 4.09.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine o cumprimento da prisão de 1 ano e 6 meses no regime de permanência na habitação, sob os moldes permitidos pelos artigos 44º, nº 1 e nº 2, alínea c) e ainda 2º, nº 4, ambos do Cód. Penal.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O Ilustre Tribunal "a quo", ao indeferir o requerimento do arguido, ora recorrente, negando-lhe a possibilidade de cumprir a pena na qual foi condenado, de prisão de 1 ano e 6 meses, em regime de permanência na habitação, e para o que tanto o próprio como seus pais em cuja residência passaria a habitar, deram o competente consentimento escrito, fez uma errónea aplicação dos preceitos legais aplicáveis ao caso concreto, ferindo diretamente a ratio subjacente à reforma operada pelo legislador penal em setembro de 2007.

  1. As premissas nas quais se baseou o tribunal "a quo" para decidir desse modo são, salvo o devido respeito, erróneas e ilegais, já que a execução da pena de prisão de um ano e meio em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo á distância, deverá ser visto como passível de aplicação, de igual modo, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

  2. O entendimento vertido na decisão sob recurso de que a pena não detentiva de suspensão da execução da pena de prisão sob condição de pagamento à firma E., aplicada em maio de 2007, é mais favorável do que a do regime de permanência na habitação a existir este nessa data (que não existia), é restritivo da aplicabilidade do princípio da retroatividade da lei mais favorável instituída pelo artigo 2º nº 4 do Código Penal, sendo por isso violador das normas constitucionais abaixo referidas.

  3. "Em traços largos, e tendo em consideração a diferença de redacção do nº 4 do artigo 2º do CP, antes e após a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, parece que o legislador quis deixar bem claro que o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ocorre "sempre", haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida." 5. "Sucede que, a acrescer a esta proibição de restrição desproporcionada do direito à liberdade, a Constituição da República Portuguesa tomou uma opção incontestável pela aplicação retroactiva da "lex mitior", sem que sujeitasse essa retroactividade a qualquer restrição explícita ou implícita (cfr. nº 4 do artigo 29º da CRP)." 6. A interpretação levada a cabo pelo tribunal "a quo" conduz à própria inconstitucionalidade do artigo 44º nº 2 alínea c) do Código Penal, se interpretado nesse sentido, ou seja, de que o regime de permanência na habitação só seria aplicável no momento da própria condenação, ou seja, em maio de 2007, (quando era certo não existir) e não já após, aquando da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em setembro de 2012.

  4. A dita norma do artigo 44º nº 2 alínea a) do Código Penal, será constitucional se interpretada no sentido de que pode ser executada sob regime de permanência na habitação a pena de prisão de um ano e meio na qual foi o arguido F. condenado, por se entender estarem verificados os pressupostos fácticos referidos no dito artigo, quanto v.g. à existência de menor a seu cargo e os demais, que se verificam, no momento em que tem a mesma de ocorrer, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

  5. É que assim não for, não terá exequibilidade nem aplicabilidade prática a norma contida no artigo 2º nº 4 do Código Penal, violentando-se a própria vontade do legislador penal de 2007.

  6. Cotejando a situação dos autos, tal como é preconizado o desfecho por parte do tribunal "a quo", ou seja, impossibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação por ter sido aplicada em maio de 2007 uma pena não detentiva, com a daqueles arguidos que foram desde logo condenados a pena de prisão efetiva, e que com a dita reforma penal de 2007, puderam pedir posteriormente o dito regime de permanência na habitação, não se consegue vislumbrar o porquê de tal ilação, porque assim torna mais severa a reação penal ao que foi menos "punido" inicialmente.

  7. Esta decisão do tribunal recorrido vem assim ferir, ainda de forma mais gravosa, os direitos de igualdade e da dignidade humana a que o arguido tem direito e merece ver reconhecidos, conforme estatuído por lei constitucional - artigos 1º e 13º da CRP.

  8. A interpretação restritiva dos princípios e dos direitos fundamentais em matéria de igualdade, da dignidade humana e outros vertidos e consagrados no texto constitucional não é admitida nos termos realizados pelo tribunal recorrido (o que se invocou desde logo até para efeitos futuros de recurso, se necessário for, para o Tribunal Constitucional, dado o específico regime consignado no artigo 72º nº 2 da Lei específica que regula a tramitação processual respetiva).

  9. O arguido não tem qualquer outro processo pendente na justiça, nem tem outros antecedentes criminais, está bem integrado social e familiarmente, vive com sua companheira e para além de outros dois filhos que vivem com sua ex-mulher, tem este filho M. que faz 3 anos no próximo sábado, 3/Outubro/2012, (conforme consta já nos autos, cópia de certidão de nascimento e bem assim relatório social). - Cfr. docs.

  10. O arguido estava consciente, pelo que apresentou o respetivo requerimento, a cumprir desde já a pena de prisão que lhe foi aplicada, sob regime de permanência na habitação, o que é evidenciador de sua consciência, e de arrependimento, mas nos exatos termos que a lei lhe permite e confere, em regime de igualdade com outros condenados por decisões já transitadas em julgado. Daí ter dado logo seu consentimento bem como providenciado pelo consentimento, igualmente necessário, de seus pais (cfr. autos).

  11. O crime pelo qual foi condenado o arguido já foi praticado há cerca de 12 anos, sendo completamente inadequado e contrário aos intentos do legislador, também sancionador penal, seu ingresso neste momento num estabelecimento prisional, considerado que seja, mais uma vez se refira, sua ausência de antecedentes criminais, e suas circunstâncias de vida pessoal retratada já nestes autos, e que se dá aqui por integralmente reproduzida.

  12. "O regime do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas - efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno - que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência. A aplicação do regime do artigo 44º do CP, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional - cfr. ac. da Relação de Guimarães, de 16.11.2009, processo nº 97/05.7GACBT.G1, dgsi.pt." 16. Em consequência, e dado que não atendeu à pretensão do arguido, o Ilustre Tribunal "a quo" violou frontalmente os preceitos legais vertidos no artigo 2º nº 4 e artigo 44º nº 2 alínea c), ambos do Código Penal, artigos 1º, 13º, 16º nº 1,18º nº 2 e 29º nº 4 todos da Constituição da República Portuguesa, artigo 15º, nº 1, "in fine" do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e ainda o artigo 49º, nº 1, "in fine", da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

* O Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância propugnou porque o recurso fosse julgado improcedente, concluindo que não ocorreu a violação das normas invocadas pelo recorrente devendo manter-se a decisão ora recorrida nos seus precisos termos.

* Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta emitiu Parecer em que manifestou concordância com o entendimento defendido pelo Ministério Público junto da primeira instância. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se audiência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* * * Fundamentação.

Na sequência de requerimento do arguido a solicitar a abertura de audiência para aplicação retroactiva da Lei Penal mais favorável, ao abrigo do disposto no art. 371ºA do Cód. Proc. Penal, foi reaberta a audiência e proferido acórdão nos seguintes termos: “F. (…) foi condenado por acórdão proferido em 29 de maio de 2007, transitado em julgado em 27 de junho de 2007, pela prática, entre maio e dezembro de 2003 e fevereiro a abril de 2004, de um crime de peculato, previsto e punido pelos art.ºs 375º, n.º 1, e 386º, n.º 1 al. c), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de, neste período, depositar à ordem da lesada “E. ”, a quantia de €34.325,51 (trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), na proporção de um terço da referida quantia em cada período de um ano de suspensão.

* Ao abrigo do disposto no art.º 371º-A, do Código de Processo Penal, e art.º 2º, n.º 4, do Cód. Penal, veio o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento, para efeitos da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável, face ao disposto no art.º 44º do Cód. Penal, introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro.

* Procedeu-se à reabertura da audiência de julgamento com observância do formalismo legal. (…) 1.

FUNDAMENTAÇÃO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT