Acórdão nº 1286/10.8TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO MARIA ……, residente na Rua ……. intentou, em 31.05.2010, contra LISA…… , residente ……., FRANCISCO ……. ALEXANDRA, residentes na ….., JOANA …… e GONÇALO ……., residentes na Rua ……, JOÃO …… e JOAQUINA …… residentes na R. …… PEDRO ……. residente na Rua ……, CRISTINA ……, residente ……. MARCO …. e SOFIA ……, residentes na Rua ….., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede: a) seja declarado e reconhecido que o contrato de arrendamento celebrado por escritura pública em 9 de Janeiro de 1969, em que foi dado de arrendamento ao Dr. J.S. o rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Av. ….., em Lisboa, traduziu e consumiu uma doação feita pelo pai, o Prof. A.S. ao seu filho Dr. J. S.; b) seja declarado e reconhecido que tal doação foi feita com reserva de usufruto vitalício a favor do doador, uma vez que o mesmo continuou a usar e fruir inteiramente do mesmo, tal como até aí sempre o fizera; c) seja declarado e reconhecido que sendo o donatário presuntivo herdeiro legitimário, tem o bem doado universalidade que constitui o referido “consultório médico”, de ser levado á colação e pelo valor que o mesmo teria à data da respectiva abertura da herança se não tivesse sido alienado, como foi pelo donatário, valor a liquidar na respectiva execução de sentença; d) seja declarado ainda que tal “consultório”, ou o seu valor, tem de ser objecto de partilha adicional como bem doado pelo referido autor da herança, para igualação na partilha, em conformidade com o disposto no artº 2104º do CC; e) sejam os RR., como herdeiros e representantes do falecido Dr. J.S., a reconhecer e proceder inteiramente com o declarado e reconhecido nos pedidos anteriores.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte: 1. É filha e herdeira de A.S. e esposa Marta…., sendo que a ré Lisa ….. é viúva do seu irmão, J.S., sendo esta juntamente com os demais RR., seus filhos, também herdeiros, em representação de seu irmão.

2. O seu pai A.S. foi o mais ilustre médico radiologista de seu tempo exercendo, além do mais, num consultório médico de radiologia no centro de Lisboa, consultório esse instalado num prédio e arrendado ao mesmo para o exercício da sua profissão, o qual dado o curriculum profissional de seu pai se tornou num importantíssimo consultório da cidade de Lisboa, tendo celebrado contrato de prestação de serviços com várias entidades.

3. Em 1968, o Prof. A.S. “passou” ou “trespassou” o dito consultório a seu referido filho, J.S., passando o contrato de arrendamento a ter como titular o mesmo, pelo que o consultório “com valioso equipamento”, mobiliário adequado, livros e revistas da especialidade e todos os seus pertences foi “doado” a seu filho, também médico, doação essa feita sem o consentimento e conhecimento de sua esposa, mãe da autora.

4. O seu irmão nada pagou a seu pai, pelo que tal constituiu uma pura liberalidade.

5. Desde a transmissão foi sempre o prof. A.S. que usou, usufruiu e exerceu a sua actividade no consultório em causa, ou seja, quer a contabilidade, folhas de ordenados, assumindo o pessoal do consultório, até 1978 e até após a sua morte continuou a ser feito em seu nome, pois só cerca de um ano antes da sua morte é que o Prof. A.S. deixou de ir ao consultório.

6. No processo de inventário a A. reclamou da relação de bens pretendendo que o consultório fosse considerado no acervo hereditário, o que não foi aceite pelo testamenteiro, pelo que tal questão foi remetida para os meios comuns, por despacho de 14/11/2008.

7. O bem em causa deveria ter sido relacionado como bem doado, tendo alienado tal bem a uma sociedade, pelo que deverá ser relacionado o consultório médico pelo valor que o mesmo teria à data da abertura da sucessão, o qual tem um valor “necessariamente considerável e muito elevado”, pelo que deve ser relegado para execução de sentença e partilha adicional a efectuar.

Citados, os réus apresentaram contestação, excepcionando a ilegitimidade passiva dos RR. cônjuges dos herdeiros, caducidade e prescrição do direito da autora, bem, como caso julgado.

Impugnaram ainda, os réus, a factualidade alegada pela autora, invocando, em suma: i. O consultório em causa era o espaço onde vários médicos exerciam a sua actividade de prática médica de radiologia, aproveitando uma logística comum, custeada por todos, mas na qual cada um tinha os seus doentes, partilhando apenas as despesas; ii. Após a realização do arrendamento em nome de J.S., passou a usufruir dos bens móveis e equipamentos aí existentes, posse essa que não foi posta em causa por quem que que seja, nem pela autora, pelo que relativamente aos bens móveis a aquisição deu-se por usucapião.

iii. Não admitindo que tenha existido qualquer doação, a mesma seria nula por falta de forma, mas a cessão da posição contratual não constitui qualquer doação.

iv. A intenção da A. ao pretender que tenha existido uma doação visou a outorga pela mãe de um testamento que em muito a beneficiou, dada que perante dois descendentes filhos, deixou a quota disponível à autora, referindo que tal foi afirmando pela mãe da A. e Dr. J.S., em documento manuscrito de “últimas vontades”, quando esta ideia é falsa e sem nenhum sentido, mas foi com base no testamento que os bens foram partilhados; v. Pretender ainda agora beneficiar do eventual valor do consultório é actuar em abuso de direito, pois caso se entenda que o mesmo é de partilhar teria de se cumprir “as últimas vontades” e não o testamento, logo, igualando os herdeiros.

vi. O prof. A.S. apenas quis perpetuar que o seu filho continuaria a exercer a sua profissão no mesmo local, assumindo o filho as responsabilidades inerentes ao mesmo, não pretendendo antecipar a transferência da legítima que viria a competir a seu filho Dr. J.S.; vii. Ainda que se considere que existiu uma liberalidade é manifesto que a colação foi dispensada pelo doador, e estando a herança partilhada não haverá lugar à mesma, nem os herdeiros aceitam qualquer restituição, nem o “consultório médico” constitui qualquer bem em concreto.

viii. A partir dos finais da década de 60 o Prof. A.S. foi abandonando a prática clínica, afastado ainda mais da prática hospitalar, e a clientela de um médico resulta essencialmente desta, pelo que existia uma redução dos doentes do mesmo, tendo o Dr. J.S. iniciado a sua carreira junto do pai em 1963, com 29 anos de idade, quando o Prof. A.S. já tinha 66 anos, exercendo a sua actividade em paralelo com seu pai, com doentes que os seus colegas lhe encaminhavam, criando a sua própria clientela.

ix. O Dr. J.S. era um excelente profissional, reconhecido pelos seus pares, dado que muitos o conheciam da faculdade, sendo que quem exercia a profissão, nessa época, não era a geração do pai mas sim do filho, não existindo qualquer relação de subordinação de um em relação ao outro, e em determinada altura era praticamente o filho que assegurava as despesas do consultório, pois os doentes do pai eram muito diminutos.

x. O contrato de arrendamento com o Dr. J.S. é completamente autónomo, não tendo existido qualquer cessão, tendo inclusive as senhorias fixado uma renda muito superior.

xi. Na radiologia assistiu-se a uma evolução tal que os meios de diagnóstico existentes na data do prof. A.S. se tornaram completamente obsoletos e sem valor, tanto que para a aquisição e novos aparelhos o Dr. J.S. constituiu uma sociedade com outros médicos e integrando o consultório do 1º andar. Deduziram ainda, os réus, reconvenção, na qual pedem que, na hipótese de procedência da acção, que a autora seja condenada a devolver-lhes metade da diferença entre o valor que lhe foi deferido a título de quota disponível de sua mãe e o valor que, em liquidação de sentença, se vier eventualmente a apurar ter o consultório.

Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, no qual respondeu às excepções deduzidas e além de manter o alegado na petição inicial quanto á questão da usucapião, invocou ainda que o consultório médico, como universalidade de facto, tem como factor mais importante o próprio médico, logo, não pode ser entendido como um estabelecimento comercial susceptível de posse, bem como o caso julgado quanto ao pedido reconvencional, considerando que a sentença homologatória de partilha já transitou em julgado.

A autora deduziu ainda pedido subsidiário, para o caso de ser julgada nula a doação, peticionando que os réus restituam à herança do falecido Prof. A.S. o valor do consultório doado, uma vez que o donatário Dr. J.S. o alienou, a título oneroso, valor esse a ser liquidado em execução de sentença.

Foi realizada a audiência preliminar, admitido o pedido reconvencional e proferido despacho saneador que conheceu das excepções invocadas, julgando-as improcedentes.

Os réus formularam pedido de alteração do pedido reconvencional, no sentido de ser a autora condenada a pagar aos réus a quantia correspondente a ½ da diferença entre o valor que lhe foi deferido a título de quota disponível de sua mãe e o valor que em liquidação de sentença se vier a apurar ter o “consultório”, extinguindo-se por compensação o menor daqueles valores, pedido esse que não foi admitido.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 24.03.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Por tudo o exposto, julgo a presente acção improcedente e, consequentemente, decido: a) Absolver os RR. de todos os pedidos formulados pela autora, ficando prejudicado o pedido reconvencional; b) Condenar a autora como litigante de má fé na multa de 10 UC’s.

(….) Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as excessivamente extensas (130) CONCLUSÕES da recorrente: i.

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados em que a Autora requereu a...

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