Acórdão nº 207.11.5-G.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA GRA
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, em conferência, do Tribunal Relação de Lisboa.

*** I – Relatório: De folhas 17.076 a 17.079 e de folhas 17.302 a 17.303 constam dois despachos, respectivamente, de 4/11/2015 e de 25/11/2015, relativamente aos quais o arguido R.E.S.S. recorre, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «1.O presente recurso é interposto dos Despachos de fls. 17.076 a 17.079 e de fls. 17.302 e 17.303, que indeferiram a revogação integral da caução prestada nestes autos - que, inicialmente, ascendia a 3 milhões de euros e a sua transferência à ordem da caução fixada ao Recorrente, neste mesmo valor, no NUIPC XXX, no qual o Recorrente também foi constituído arguido.

  1. Por força dos despachos recorridos proferidos nos presentes autos, conjugados com as decisões sobre o estatuto coactivo do ora Recorrente no NUIPC XXX, este encontra-se sujeito, cumulativamente, a OPH e à medida de coacção de caução prevista no artigo 197.° do CPP.

  2. A questão principal que se coloca neste recurso consiste em saber se a proibição de cumulação prevista no artigo 205.° do CPP é aplicável apenas no âmbito do mesmo processo ou, também, em processos-crime distintos.

  3. O Recorrente entende que o facto de, na prática, ainda estar efectivamente sujeito à medida de OPH no NUIPC XXX impede que lhe seja aplicada, simultânea ou cumulativamente, a medida de coacção de caução “carcerária”, ainda que no âmbito de outro processo-crime.

  4. Ora, ao manter o Recorrente sujeito a caução nos presentes autos e a OPH no NUIPC XXX, as decisões recorridas violam o disposto no artigo 205.° do CPP, que proíbe a cumulação da “caução carcerária” com a OPH, ainda que estejam em causa processos diferentes.

  5. Em primeiro lugar, para chegar a esta conclusão, basta atentar na finalidade da caução carcerária, que resulta do disposto no n.° 1 do artigo 208.° do CPP. Na verdade, a caução visa assegurar o cumprimento das obrigações processuais do arguido e das medidas de coacção que lhe tenham sido impostas.

  6. Ora, na presente data, a caução prestada nestes autos apenas está a garantir a comparência do Recorrente nos actos deste processo, que impliquem a sua presença.

  7. Sucede que o simples facto de um arguido estar sujeito a OPH no NUIPC XXX não lhe permite, mesmo em tese, tentar fugir ou perturbar o inquérito dos presentes autos (sem conceder).

  8. Com efeito, se um arguido está sujeito a OPH num determinado processo, afigura-se evidente que pode deixar de cumprir a obrigação de comparecer em actos processuais noutro processo, até porque nem sequer se pode ausentar da sua residência.

  9. Por conseguinte, a OPH decretada num processo não permite qualquer “espaço” para sequer haver incumprimento do TIR prestado noutro processo.

  10. Em segundo lugar, dir-se-á que um entendimento contrário basear-se-ia numa separação meramente formal entre processos-crime, com prejuízo material e injustificável para o arguido que, materialmente, poderia ficar sujeito à aplicação cumulativa de caução e obrigação de permanência na habitação, a que o legislador quis obstar.

  11. Em terceiro lugar, acrescente-se que esta interpretação do disposto no artigo 205.° do CPP é a que se revela mais conforme ao princípio da proibição do excesso consagrado no n.° 2 do artigo 18.° da CRP.

  12. Ao proibir a cumulação da caução com a obrigação de permanência na habitação, o próprio legislador ordinário (em harmonia com a CRP) entendeu que a cumulação destas duas medidas de coacção, em qualquer circunstância, será excessiva e desconforme ao n.° 2 do artigo 18.° da CRP.

  13. Na verdade, o artigo 205.° do CPP, interpretado no sentido de que é possível cumular a medida de coacção de caução prevista no artigo 197.° do CPP com a medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.° do CPP, é inconstitucional por violação do n.° 2 do artigo 18.° da CRP, que consagra o princípio da proibição do excesso.

  14. Em quarto lugar, note-se que, para efeitos da aplicação do desconto previsto no artigo 80.° do Código Penal, o legislador tomou em consideração as medidas de coacção e detenções aplicadas mesmo em diferentes processos.

  15. Assim, o artigo 205.° do CPP proíbe a cumulação da caução com a obrigação de permanência mesmo em processos diferentes, pelo que, ao não revogar a caução prestada nos presentes autos (apesar de o Recorrente se encontrar sujeito a OPH no NUIPC XXX, as decisões recorridas violaram o disposto no artigo 205.° do CPP.

  16. Em quinto lugar, esta cumulação, i.e., a aplicação da OPH no NUIPC XXX com a aplicação da caução neste processo, faz com que não subsistam quaisquer circunstâncias que justifiquem a manutenção da caução, nos presentes autos.

  17. Isto porque, como vimos, na presente data, a caução prestada nestes autos apenas está a garantir a comparência do Recorrente nos actos deste processo, que impliquem a sua presença, o que já é suficiente e devidamente assegurado pela aludida medida de OPH.

  18. Do exposto resulta, portanto, que a manutenção da aplicação da referida OPH ao Recorrente no âmbito do NUIPC XXX, determina, necessariamente, a revogação imediata da caução prestada nestes autos, atento o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 212.° do CPP.

  19. Na verdade, trata-se, de resto, da solução que melhore se compagina com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade a que as medidas de coacção estão subordinadas nos termos do artigo 193.° do CPP.

  20. Em suma, ao manter o Recorrente sujeito à aplicação da caução nos presentes autos, ainda que com um valor mais reduzido, não obstante o Recorrente encontrar-se sujeito a OPH no NUIPC XXX, a decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 193.°, 205.° e 212.°, n.° 1, alínea b), todos do CPP.

  21. Por último, não se diga que a revogação da caução nestes autos, com a consequente “transferência” dos fundos à ordem do NUIPC XXX fará com que fiquem supostos perigos por acautelar nos presentes autos.

  22. É que, mediante o levantamento da OPH no NUIPC XXX, o Recorrente passará a estar sujeito à proibição de se ausentar do país, nesse processo, ficando o cumprimento desta e outras obrigações assegurado pela caução de 3 milhões de euros (entretanto, transferida para NUIPC XXX).

  23. Portanto, não haverá qualquer suposto perigo que fique por acautelar.

  24. Em qualquer caso, como resulta ainda do disposto no n.° 2 do artigo 212.° do CPP, as medidas revogadas ao abrigo do n.° 1 daquele preceito podem ser de novo aplicadas.

  25. Em face do exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e as decisões recorridas serem revogadas, levantando-se a caução de 1,5 milhões prestada pelo Recorrente nestes autos, através de depósito.

  26. Por conseguinte, este montante deve ser, automática e directamente, transferido para o NUIPC XXX, para efeitos de prestação do remanescente da caução aí fixada pelo mesmo Meritíssimo JIC dos presentes autos.

    Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, as decisões recorridas serem revogadas e a caução de 1,5 milhões de euros vigente nestes autos ser levantada.

    Por conseguinte, este montante deve ser, automática e directamente, transferido para o NUIPC XXX, para efeitos de prestação do remanescente da caução aí fixada pelo mesmo Meritíssimo JIC (que é o mesmo dos presentes autos)».

    *** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as nos seguintes termos: «1º-Nos presentes autos foi aplicada ao arguido R.E.S.S., ora recorrente, após primeiro interrogatório judicial, em Julho de 20, a medida de caução, no montante de 3 (três) milhões de euros, para além de medidas de proibição de ausência de território nacional e de proibição de contactos com determinadas pessoas.

    1. -O arguido começou por reagir contra o montante fixado para a medida de caução, o qual veio, no entanto, a ser confirmado em sede de recurso, por acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Outubro de 20, tendo apenas sido posteriormente reduzido, em sede da reapreciação das medidas, em Novembro de 2015, para o montante de 1,5 milhão de euros.

    2. -A actual discordância do arguido suporta-se na tese de que a caução se encontra cumulada com a aplicação, noutro processo, no caso o NUIPC XXX, da medida de obrigação de permanência na habitação, pelo que violaria o disposto no art. 205º do CPP.

    3. -No entanto, já depois da interposição do recurso neste processo, o fundamento invocado pelo arguido deixou de ter suporte processual, uma vez que a medida de obrigação de permanência na habitação foi cessada e substituída por medida de caução, no âmbito do processo XXX , por decisão do Sr. Juiz de Instrução do TCIC, proferida naqueles autos, na data de 11 de Dezembro passado.

    4. -Entendemos que resta assim, no presente recurso, apreciar, agora sob uma perspectiva teórica, uma vez que reportada a uma situação processual que se verificou apenas no período entre 24 de Julho de 2015 e 11 de Dezembro de 2015, a admissibilidade da aplicação simultânea, em diferentes processos, das medidas de caução e de obrigação de permanência na habitação, bem como apreciar se subsiste a necessidade da medida de caução nos presentes autos.

    5. -No que se reporta à aplicação de medidas de coacção nos dois processos, realça-se a clara distinção e distanciamento dos objectos processuais, uma vez que, enquanto no processo XXX , estão em causa factos relacionados com a área financeira do GES, nos presentes autos estão em causa alguns negócios que, claramente, se situam na área não financeira, envolvendo sociedades participadas, como a ESCOM, e a sua repercussão na contabilidade do Grupo.

    6. -Nem se diga que a abertura deste dois processos visou provocar uma diferenciação onde ela não existia, uma vez que ambos os processos surgiram de forma autónoma, com mais de um ano de diferença na conformação indiciária dos referidos objectos processuais e sem que se verifique, face ao até agora apurado, entre os mesmos qualquer dos pressupostos da conexão processual, previstos no art.24º do Cod. Processo Penal.

    7. -Nos presentes...

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