Acórdão nº 324/14.0TELSB-L.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelA. AUGUSTO LOUREN
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, RELATÓRIO No âmbito do processo nº 324/14.0TELSB-L, que corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, veio o recorrente, Ricardo, a interpor recurso do despacho judicial que admitiu a intervir como assistentes, nos autos principais em que aquele é arguido, António e Maria, por entender que não têm legitimidade para se constituírem nessa qualidade.

O despacho recorrido é o seguinte: - «Fls. 7432 a 7434 e 7475 a 7480 c/ refª. aos requerimentos de fls. 5519 e 5529 e promoção do M. P. a fls. 6329 (ponto 4): - Por terem para tal legitimidade, estarem em tempo, devidamente representados por advogado, tendo pago a respectiva taxa de justiça, admito António e Maria a intervirem nos presentes autos como assistentes.

Notifique».

* Inconformado com tal despacho, o arguido, Ricardo, interpôs o recurso de fls. 1 a 36 deste traslado, concluindo nos seguintes termos: 1. O presente recurso é interposto do Despacho de fls. 7.543 verso, proferido em 28 de Agosto de 2015, que admitiu a constituição de António e Maria como Assistentes.

  1. A título preliminar, cumpre referir que, aquando da primeira e tempestiva notificação do Recorrente para exercício do contraditório ao abrigo do nº 4 do artigo 68º do CPP (através de notificação datada de 10 de Agosto de 2015), a notificação do Tribunal não foi acompanhada dos documentos indicados nos requerimentos de constituição de assistentes que estão em causa.

    3. Esta irregularidade foi arguida no contraditório exercido, tempestivamente, pelo Recorrente, mas não mereceu sequer uma palavra no Despacho recorrido, que não se pronunciou sobre esta questão.

    4. Consequentemente, o Despacho recorrido enferma de nulidade, com base no vício de omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do cód. procº penal.

  2. Em qualquer caso (sem conceder), cumpre referir que, ao admitir - de forma acrítica e imponderada - a constituição de António e Maria como Assistentes, o Despacho recorrido violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 68º do cód. procº penal.

  3. Se o contraditório do Recorrente tivesse sido considerado, teria sido verificado que, à luz da lei "convencional" e da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, os requerimentos de constituição de assistentes teriam de ser indeferidos.

  4. Em primeiro lugar, quanto ao Assistente António, este tinha o ónus de demonstrar que seria titular dos interesses protegidos pelos tipos incriminadores que indicou no seu requerimento de fls. 5.519 e ss.

  5. Quando o processo-crime não é despoletado por queixa-crime do requerente, o requerimento para constituição de assistente não pode limitar-se à manifestação de vontade do requerente ser investido nesta posição processual, ao pagamento da taxa de justiça e à constituição de Mandatário, precisamente porque o requerente não verteu os indícios factuais em qualquer queixa-crime constante dos autos.

  6. Ora, o Assistente António nem sequer conhece o objecto do presente inquérito, porquanto o mesmo está sujeito a segredo de justiça, pelo que impunha demonstrar que teria um legítimo interesse para ser constituído como Assistente.

  7. Sucede que o Assistente António apenas referiu que será accionista do BES, tendo participado no último aumento de capital deste banco (concluído em 16 de Junho de 2014), bem como apresentou uma queixa-crime autónoma contra o "Grupo Espírito Santo", cujos fundamentos continuam desconhecidos nestes autos.

  8. Em segundo lugar, por referência aos tipos de crimes invocados pelo Assistente António, esta alegação não cumpre os requisitos previstos na al. a) do nº 1 do artigo 68º do cód. procº penal.

  9. É que, no seu requerimento, este Assistente não descreveu quaisquer supostos factos com relevância criminal, nem tão visou qualquer pessoa (apenas se referiu, genericamente, ao "Grupo Espírito Santo", numa queixa-crime que apresentou noutro processo, mas que nem sequer foi notificada ao Recorrente, em devido tempo).

  10. Portanto, o Assistente António não demonstrou a sua qualidade de "ofendido".

    14. Em qualquer caso, saliente-se que, atentos os indícios objecto da investigação em curso que foram comunicados ao Recorrente, por diversas vezes, afigura-se evidente os supostos ilícitos em averiguação neste inquérito não estão relacionados com a subscrição de acções do BES, nomeadamente no aumento de capital concluído em 16 de Junho de 2014.

    15. Por outro lado, o prospecto público do aumento do capital do BES, divulgado em 20 de Maio de 2014, advertiu os investidores para os riscos reputacionais a que o BES estava sujeito, quer em virtude da colocação de dívida da ESI e subsidiárias, quer em virtude da incorrecção do passivo da ESI.

    16. Assim, não se descortina qualquer facto com relevância criminal que tenha sido indicado no requerimento de constituição de assistente do Assistente António.

    17. Ainda assim, em terceiro lugar, importa considerar que o Assistente António não demonstrou que é titular de interesses dignos de protecção à luz dos tipos incriminadores que invocou (sem conceder).

    18. Desde logo, o crime de burla, previsto e punido no nº 1 do artigo 217º do cód. penal (e a burla qualificada no artigo 218º do cód. penal), tutela o bem jurídico "património", contendo tipos objectivo e subjectivo.

    19. Ora, no requerimento apresentado pelo Assistente António, não constam quaisquer elementos que permitam reconduzir um qualquer interesse concreto aos tipos objectivos e subjectivos do ilícito penal de burla em investigação (e, muito menos, burla agravada, até porque este Assistente não especificou qualquer valor), que tutela o bem jurídico "património".

    20. Por outro lado, quanto ao crime de abuso de confiança, previsto e punido no artigo 205º do cód. penal, o bem jurídico tutelado é, igualmente, o património; o tipo objectivo consiste na apropriação ilegítima de coisa móvel que foi entregue ao agente e que este detém ou possui em nome alheio e o elemento subjectivo consiste no facto de o agente saber que deve restituir e, mesmo assim, querer apropriar-se dela, isto é, integrá-la no seu património.

    21. Salvo melhor opinião, no caso da subscrição de acções representativas do capital social do BES invocada pelo Assistente António, não se entrevê como possa estar em causa a apropriação, por quem quer se seja, de coisa móvel que entregue por título não translativo da propriedade.

    22. Quanto ao crime de falsificação de documentos, previsto e punido no artigo 256º do cód. penal, os bens jurídicos protegidos são a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental.

    23. Face ao requerimento de fls. 5.519, nem sequer é possível saber quais terão sido os documentos que, na óptica do Assistente em causa, foram falsificados.

    24. A talhe de foice, acrescente-se que, tanto quanto se sabe, nos presentes autos, não estão em causa quaisquer indícios de que as contas do BES tenham sido falsificadas (o que, aliás, não ocorreu); constam sim indícios de subavaliação do passivo nas contas da ESI, o que é bem diferente.

    25. Assim, o ilícito típico de falsificação de documento não tutela qualquer interesse do Assistente António.

    26. Relativamente ao crime de branqueamento de capitais, previsto e punido no artigo 368º-A do cód. penal, o bem jurídico tutelado é a realização da justiça, na vertente da perseguição e do confisco dos proventos da actividade criminosa.

    27. Por conseguinte, em princípio, a tutela do bem jurídico "realização da justiça" não fundamenta a constituição de assistente, com base na qualidade de "ofendido", que foi invocada no requerimento de constituição de assistente de António.

    28. Por outro lado, importa salientar que o crime de branqueamento constitui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, dado que pressupõe a prévia concretização de um outro ilícito.

    29. Esta exigência "a montante" de um facto autónomo e separado, permite a caracterização do tipo de branqueamento como sendo um crime de conexão, um "pós-facto" punível. Ora, no requerimento de fls. 5.519 não foram alegados fundamentos que permitam descortinar os concretos crimes na origem do suposto branqueamento.

    30. No que respeita ao crime de fraude fiscal, punido e previsto no...

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