Acórdão nº 368/13.9PBPDL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelA. AUGUSTO LOUREN
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, RELATÓRIO No âmbito do processo nº 368/13.9PBPDL, que correu termos na Secção Criminal da Instância Local de Ponta Delgada, Açores, foi o arguido, Pedro, julgado e condenado nos seguintes termos: - «Pelo exposto e no uso dos poderes de jurisdição que me são concedidos pela Constituição da República Portuguesa, decido julgar a acusação procedente por provada e, em consequência: a) Condenar o arguido Pedro pela prática de crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, nº 1, b), e nº 2, com referência aos artigos 144º, a), e 132º, nº 2, h), do cód. penal, numa pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão; b) Condenar o arguido Pedro pela prática de crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º do cód. penal numa pena de 8 (oito) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das penas a) e b), condenar o arguido numa pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e as condições acima indicadas, com acompanhamento pela Direcção-Geral de Reinserção Social, e condição de pagar a quantia de 600,00 € (seiscentos euros) ao ofendido no prazo de três meses, tudo nos termos dos artigos 50º, 51º nº 1, a), 52º, 1, c), e 2, d), e 3, 53º e 54º do cód. penal.

Vai o arguido condenado no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC».

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido Pedro, nos termos de fls. 196 a 214, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem por objeto a decisão que condenou o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave e, num outro processo entretanto a este anexado, por crime de ameaças, ambos na forma consumada, na pena de cinco anos de prisão.

2. O inconformismo do recorrente prende-se, quer com a matéria de facto, quer de direito, e essencialmente, com os seguintes pontos: a) Ter-se dado como provada matéria de facto que não correspondeu, nem na forma nem na substancia, com o que se apurou em audiência de julgamento - caso dos factos constantes dos nºs 2º, 3º, 5º e 6º da douta sentença; b) Não se ter dado por provado matéria de facto, essencial para uma boa decisão da causa, conforme a esse propósito infra especificaremos, apesar de se ter feito prova em audiência de julgamento e de, em sede de contestação, se ter oferecido o merecimento dos auto em tudo quanto nesta pudesse militar a favor do arguido.

c) Insuficiência face aos meios de prova disponíveis pelo tribunal para a matéria de facto dada como provada poder preencher o tipo objetivo, no que se refere ao crime de ameaça.

3. Assim, após realização de audiência de discussão e julgamento, deu o tribunal a quo como provado, que: 1. No dia 29 de Janeiro de 2013, pelas 14.35 horas, o arguido travou-se de razões com Frederico, na Rua Dr. José Maria Caetano de Matos, em São Pedro, nesta cidade de Ponta Delgada (...) 2. Em ato Continuo, o arguido pegou numa chave de rodas de dimensões não apuradas, que trazia na sua viatura, e desferiu-lhe uma pancada na face de Frederico, junto da boca.

  1. Como consequência direta e necessária de tal conduta, Frederico sofreu traumatismo da face e do dorso esquerdo que provocou um trauma maxilar e perda de peças dentárias designadamente fratura e extração dos dentes 11, 12 e 21, passando frederico a usar uma prótese dentária, e (. . .) 4. O arguido atuou sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, no intuito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido e de lhe produzir as lesões, as dores e os incómodos verificados, bem sabendo que aquele objeto que usou para bater no ofendido, por ser instrumento contundente era um meio especialmente idóneo a provocar lesões graves.

  2. Sabia que a violência que exerceu sobre o ofendido poderia desfigurá-lo permanentemente, o que veio a acontecer com a privação de três dentes, resultado com o qual se conformou, e sabia ainda que aquela conduta era proibida por lei.

4. O arguido não se pode conformar com estes factos que o tribunal deu como provados através "da conjugação e harmonização da prova produzida, sujeita ao crivo da análise crítica, norteada pelas regras da experiencia, da logica e da ciência", fundamentalmente no que concerne ao seguinte: - O arguido ter agredido o ofendido com uma chave de rodas.

- E como consequência direta e necessária, ter havido fratura e extração dos dentes 11, 12 e 21.

- Bem como desfiguração e consequentemente dano estético permanente.

5. O arguido é perentório a negar ter agredido com uma chave de rodas a 02m e 59s do seu depoimento relativo à primeira acusação - " se eu lhe desse com uma chave de rodas partia-lhe tudo"... e a 5m 58s "Eu não lhe dei com uma chave de rodas, se fosse com chave de rodas... e a 08m e 30 " e quanto à chave de rodas é mentira, tudo o que é mais sagrado se fosse com uma chave de rodas na cara dele, no maxilar não partia o maxilar srª? ... não fui buscar chave de rodas nenhuma, srª".

6. Por sua vez o ofendido, indagado sobre o mesmo assunto, começa por dizer que foi com uma chave de rodas, depois, mais à frente refere que não se apercebeu bem, não viu bem e, acaba por admitir não ter sido com uma chave de rodas.

7. Aos 02m e 05s do seu depoimento o ofendido Frederico A. S. Ponte refere" de repente ele veio de carro, sai com uma chave de rodas e eu fiquei como o outro... não queria brigas não queria nada ele veio com a chave de rodas... eu só queria saber se era verdade se era mentira, apanha-me distraído... bomba, levei... " ato continuo o sr. Procurador entretanto perguntou "- mas ele deu-lhe logo com a chave de rodas, não faz sentido, se fosse ao contrário... você que era no fundo o ofendido, ele é que tinha mandado umas bocas à sua namorada... porque é que foi ele que saiu logo com a chave de rodas na mão para lhe bater em si? Ao contrário eu percebia. O Sr. está ali, o Sr. é o ofendido porque não gostou das bocas que ele mandou à sua namorada, porque é que ele sai do carro logo com a chave de rodas na mão para lhe bater a si, o Sr. Ainda não fez nada.

8. Aos minutos 18 e 43 do seu depoimento, que vinha sendo altamente contraditório desde minutos 13 pelo menos, acaba por dizer que não se recorda bem se foi agredido com uma chave de rodas "não me recordo Sr. ... não sei aquilo foi muita coisa, não sei Sr. De seguida a meritíssima juiz indagou-o -"0 sr. já não sabe se foi com uma chave de rodas ou se não foi com uma chave de rodas" ao que o ofendido respondeu "sei que ele saiu com uma chave de rodas do carro... sei que eu levei uma pancada...”.

9. Assim temos que arguido nega ter perpetrado qualquer agressão com uma chave de rodas e o ofendido admite no final do seu depoimento - Altamente contraditório especialmente a partir do minuto 13º, não ter sido agredido com uma chave de rodas.

10. Seria boa aplicação das regras da experiência comum retirar do depoimento do ofendido a afirmação inicial de que fora agredido com a chave de rodas bem como a segunda de que não se apercebeu, não reparou, mas nunca rejeitar a terceira, e última, justamente a coincidente com a do arguido que nessa medida se vê extraordinariamente reforçada.

11. O ofendido não sofreu qualquer corte ou ferimento que tivesse que ser suturado com um único ponto/agrafo, ou qualquer outra técnica de fecho de cortes na pele.

12. Nem sofreu qualquer fratura, fosse dos ossos do maxilar fosse do que fosse, que não estivesse ainda fraturado, conforme infra melhor se perceberá o sentido do agora dito.

13. É que não é verdade que o ofendido tivesse sofrido fratura e extração dos dentes 11, 12 e 21.

14. Admite-se, em contexto diverso, essa forma de expressão - dentes, para referir o objeto da lesão.

15. Já não se poderá admitir numa sentença o uso singelo da expressão dentes quando, conforme referido quer pelo arguido a 06 m e 49 s do seu depoimento da primeira acusação "O Frederico não tinha dentes srs o Frederico tinha agulhas, todos podres…" e a 09m e 50s "ele não tinha dentes, tinha as raízes... talvez raízes" quer principalmente e com TODA A CIÊNCIA pelo ofendido (quem melhor do que este o poderia esclarecer), do que objetiva e rigorosamente se tratavam: - três raízes estragadas e uma peça dentária que já estava estragada e fraturada. Neste sentido pergunta do Sr. Procurador se - "os seu dentes estavam podres muito podres refere a 05m e 21s que "um bocadinho, um bocadinho... e a 05m e 58s "... tinha três raízes e um dente ... foi os primeiros quatro... acho que foi isso" e mais à frente questionado pela Meritíssíma Juíza refere a 07m e 27s do seu depoimento “já estavam meio rachados já estava a apodrecer por dentro".

16. Tanto mais que se trata de uma sentença que tem por objeto um crime cuja determinação do seu tipo e da própria natureza, depende da forma como a ação é levada a cabo e das especiais consequências desta.

17. A própria tipificação do crime depende quer de especiais particularidades da conduta, quer do desvalor do resultado, 18. Resultado que, não só acentua muito substancialmente a moldura penal como, e mais grave para o presente caso, obstaculiza a possibilidade de tornar válida uma desistência de queixa efetivamente ocorrida em plena audiência de julgamento, durante o depoimento do ofendido pervertendo-se completamente com a sua não aceitação, a boa decisão da causa. Cfr minutos 21 do depoimento do ofendido "pode ficar tudo por aqui... perguntou ainda a Meritíssima Juíza "quer desistir da queixa” ao que o ofendido respondeu "desisto”.

19. E pressuposto objetivo necessário ao crime de ofensas à integridade física, um resultado especialmente danoso das agressões para a pessoa do ofendido, nomeadamente grave perda estética, orgânica ou funcional.

20. E no presente caso, tal consequência não aconteceu como resultado das agressões, apesar de constar e ter sido valorada na sentença.

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