Acórdão nº 45/14.3T2MFR.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: I.

  1. D. Van L.

instaurou a presente acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Massa Insolvente de B. - Sociedade de Construções, S.A., pedindo que, concedendo-se a execução específica do contrato de promessa de compra e venda do imóvel que identifica nos artigos 2° e 3° da PI, obtenha sentença que produza os efeitos jurídicos da declaração negocial da R. faltosa.

Alegou, em síntese, que em Julho de 2007 celebrou com a B. - Sociedade de Construções, S.A., o contrato promessa de compra e venda com permuta, através do qual as partes contrataram a permuta de imóveis de que eram proprietários e que identifica, obrigando-se ainda a B., S.A. ao pagamento ao A. da quantia de €50.000,00 correspondente ao diferencial de valores de mercado dos imóveis a permutar; que a realização da escritura pública de compra e venda com permuta ficou dependente da obtenção por parte da B., S.A. da Licença de Utilização do imóvel sua propriedade, incumbindo a esta indicar ao A. a data da escritura; que o A. cumpriu as suas obrigações no contrato que celebrou com a B., S.A.; que também ao A. foi concedida a tradição e a posse do imóvel sito na E..., o qual é desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial; que a B., S.A. nunca agendou a escritura pública prometida, nem para o efeito interpelou ou comunicou o que fosse ao A., tendo em 8 de Março de 2010 sido declarada insolvente.

Citada a ré, a mesma silenciou.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 567°, n° 2, do Código de Processo Civil.

O A. foi convidado a prestar esclarecimentos o que veio fazer, tal como resulta de fls. 46 e segs .

Após algumas vicissitudes, foi proferido saneador-sentença onde se decidiu julgar a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolver a R. do pedido formulado.

Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: I-Na sua Petição Inicial de fls. e requerimento de aperfeiçoamento, o ora Apelante alegou por diversas vezes e em diversos factos que quer a Insolvente, quer a Sra. Administradora de Insolvência aceitavam a posse e uso do imóvel por parte do então Autor, tendo sido julgado provado, na própria sentença ora em crise, que "As partes mantêm interesse na celebração do contrato".

II-Sendo julgado provado que as partes mantêm interesse na celebração do contrato, não se pode, na parte decisória concluir que a Sra. Administradora de Insolvência laborou em total omissão da alegação quanto à sua vontade relativamente ao cumprimento ou recusa de cumprimento do contrato promessa em causa nos autos.

III-Pelo que a sentença é nula nos termos do disposto no art. 615 n°. 1 al. c) do Código de Processo Civil.Sem prescindir.

IV-Nos termos do disposto no are. 106 n°. 1 do CIRE "No caso de Insolvência do Promitente Vendedor, o administrador da Insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador', disposição que, segundo ensina o Prof. Luís Menezes Leitão, deve ser objecto de uma interpretação correctiva.

V-Esta disposição legal apenas terá sentido útil, se abranger igualmente os casos em que, mesmo não tendo sido atribuída eficácia real ao contrato promessa, tenha havido de forma indiscutível a tradição da coisa, dado que, nos casos em que existe eficácia real, esgotam-se os poderes de recusa do cumprimento por parte do Administrador de Insolvência.

VI-ln casu, encontra-se por demais demonstrada a tradição do bem ao promitente-comprador, não só em sede de Petição Inicial, como igualmente em sede de requerimento de aperfeiçoamento, foi exaustivamente alegado que, ao Autor foi concedida a tradição e a posse do imóvel sito na E..., sendo este, desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial.

VII-A Sra. Administradora da Insolvência não contestou a ação de execução específica, o que teve como consequência a prova por confissão de todos estes factos (ares 567 n°. 1 e 568 n°. 1 do Código de Processo Civil).

VIII-Ainda assim, é entendimento sem margem para dúvida razoável que é ao Administrador de Insolvência que cabe decidir, optando, quando a lei não o vincula ao cumprimento (sendo que neste caso estaria vinculada ao cumprimento, veja-se ensinamento do Prof. Menezes Leitão) - entre o cumprimento e a recusa de cumprimento do negócio em curso à data da declaração de Insolvência.

IX-Conforme decorre do ensinamento do Prof. Menezes Leitão, encontrando-se demonstrada a tradição do bem, não era legítimo à Sra. Administradora de Insolvência recusar o cumprimento do contrato promessa dos Autos.

X-Ainda que diverso fosse o entendimento, o que apenas por mera hipótese académica se admite, e como decorre do Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 05.11.2013 (proc. 89/11.7TBVFC - LLl-7, in www.dgsi.pt.

estaríamos na presença de uma declaração negocial equivalente a incumprimento contratual, em face da qual à outra parte cabe o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil, o que o Apelante fez, XI-Intentou a competente ação judicial (execução específica).

O Tribunal A Quo, nada decide, e coloca o processo decisório em exclusivo na esfera da Sra. Administradora de Insolvência, violando desta forma o disposto no are. 106 do ClRE, uma vez que com a traditio do bem prometido vender, não existe fundamento jurídico para a recusa de cumprimento.

XII-Por outro lado, entendendo que existe recusa para o cumprimento, caberia ao Tribunal analisar os pressupostos dessa recusa (que reitera-se, não existiu), e proferir sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial do faltoso, pelo que igualmente violou a Ma. Juiz a Quo o disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA ORA EM CRISE POR NULIDADE PREVISTA NA AL. C) DO N°. 1DO ARTo. 615 DO CPC E VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARToS 106 N°. 1 DO ClRE E 830 N°. 1 DO CÓDIGO CIVIL, SENDO A MESMA SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE PRODUZA OS EFEITOS DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL DO FALTOSO, lN CASU, PROMITENTE VENDEDOR, NA PESSOA DA SUA MASSA INSOLVENTE REPRESENTADA PELA ADMINISTRADORA DE INSOLVÊNCIA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* II.

Em 1ª instância, foram, nos termos do art. 567º, n.ºs 1 e 3, do CPC, considerados provados os factos articulados na p.i., que foram dados como reproduzidos.

Esses factos (provados por confissão e por documento) são os seguintes: 1.O autor, por escritura pública de compra e venda a 15 de Abril de 2004, lavrada no livro n.º ..., fls. .../...n.º ... e registada no Cartório de Notas de Porto Seguro, B..., Brasil, adquiriu a propriedade de um lote de terreno com a área total de 900m2, situado na margem esquerda da BR-367, no lugar conhecido por “Bica Velha”, no Município de Porto Seguro, Estado da B..., República Federativa do Brasil, registado no Cartório de Registo de Imóveis de Porto Seguro, B..., sob a matrícula n.º 11.207, no qual se encontra edificado um imóvel composto por dois pisos com a área total de 524,00 m2, cadastrado na Prefeitura Municipal de Porto Seguro sob o n.º 01.04.062.2200.001.

  1. A ré, enquanto sociedade, e antes de ser judicialmente declarada insolvente, era proprietária da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao apartamento 5D no piso 5 e do qual fazem parte integrante 4 lugares de estacionamento e uma arrecadação situados no piso 2 do imóvel constituído em propriedade horizontal denominado “Villa M...”, sito no Caminho Vale da ..., n.º..., freguesia da E..., Concelho de Mafra, descrita na C.R.P. de Mafra sob a ficha n.º ...-I/E... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º P...-I da respectiva freguesia.

  2. Em Julho de 2007 o autor celebrou com a B. - Sociedade de Construções, S.A., o contrato-promessa de compra e venda com permuta, através do qual as partes contrataram a permuta dos imóveis de que eram proprietários, conforme doc. n.º 1, que se dá por reproduzido.

  3. A B. - Sociedade de Construções, S.A. ficou ainda obrigada ao pagamento ao autor da quantia de €50.000,00, correspondentes ao diferencial de valores de mercado dos imóveis a permutar, tendo em conta que o imóvel referido em 1. se encontrava avaliado em €340.000,00 e o imóvel referido em 2. se encontrava avaliado em €290.000,00.

  4. A realização da escritura pública de compra e venda com permuta ficou dependente da obtenção por parte da B. - Sociedade de Construções, S.A. da licença de utilização do imóvel de sua propriedade, conforme cláusula 2ª do contrato-promessa.

  5. Tendo ainda assim sido apontadas como datas indiciárias o período compreendido entre 14 e 28 de Setembro de 2007.

  6. No dia 27/09/2007 foi emitido pelo Município de Mafra o alvará de utilização n.º .../2007, que titula a autorização da utilização do edifício sito no Caminho Vale da ..., n.º ..., E... descrito na CRP de Mafra sob o n.º ..., conforme doc. de fls. 53.

  7. A B.- Sociedade de Construções, S.A. ficou incumbida de comunicar ao autor a data da escritura pública de permuta, conforme cláusula 2ª do contrato-promessa.

  8. Em execução do contrato.promessa, e de acordo com as promessas veiculadas por parte da B. e seu Conselho de Administração, em 30 de Novembro de 2007 o autor cedeu àquela e a L.M.F.A., à data Presidente do Conselho de Administração desta sociedade, a totalidade das quotas da sociedade “B...P... Hotel, Lda”, sociedade de direito brasileiro com sede na Avenida B... Mar n.º..., Praia de Itacimirim, CEP 45.810-000 (Porto Seguro, B..., Brasil), sociedade que explorsava o imóvel objecto de permuta, conforme 7ª Alteração e Consolidação do Contrato Social (CNPJ-MF n.º 34.324.624/0001-86) da Junta Comercial do Estado da Bahia (docs. n.ºs 2 e 3, que se dão por reproduzidos).

  9. ...

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