Acórdão nº 401/14.7TVLSB-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMAGDA GERALDES
Data da Resolução19 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Paulo ...

e Miguel Ângelo ...

, identificados nos autos, interpuseram recurso de apelação em separado do despacho datado de 11.01.2016, proferido em sede de audiência prévia, o qual julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer da acção declarativa, com processo comum que o Fundo de Garantia de Depósitos lhes moveu em simultâneo, e na qual também foi demando o Banco Privado Português, S.A.- Em liquidação.

Em sede de alegações de recurso formularam as seguintes conclusões: “1- O Fundo de Garantia de Depósitos foi criado pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro sucessivamente alterado, sendo uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, e instituído por acto normativo, tem natureza patrimonial e integra a chamada Administração indirecta do Estado e cujas atribuições prosseguem sempre e apenas o interesse público.

2- O seu objecto consiste em garantir o reembolso dos depósitos constituídos junto das instituições de crédito nele participantes, entendendo-se como tal os saldos credores que, nas condições legais e contratuais aplicáveis, devam ser restituídos pela instituição de crédito e consistam em disponibilidades monetárias existentes numa conta ou que resultem de situações transitórias decorrentes de operações bancárias normais, abrangendo ainda os fundos representados por certificados de depósito emitidos pela instituição de crédito.

3- O FGD visa a prossecução do interesse público de credibilização do sistema financeiro, associado à ideia de segurança dos depósitos, incentivando e permitindo o necessário dinamismo desse sector, sendo que o reembolso dos depósitos resulta de uma atribuição legal e regulamentar, mais precisamente, o previsto no art.º 155.º, n.º 1, 4, 5 e 6 “à contrário” do RGICSF e art.º 17.º, n.º 10 do Regulamento do Fundo de Garantia de Depósitos (aprovado pela Portaria nº 285-B/95, de 15 /09, alterada pela Portaria nº 1426-B/2009, de 18 /12).

4- Os actos praticados pelo FGD no âmbito das suas atribuições importam a sua prévia sujeição a condicionalismos de natureza e ordem pública, aplicáveis a uma entidade que gere bens e até dinheiros públicos, o que, só por si, bastaria para tornar materialmente competentes os Tribunais Administrativos, na decisão de mérito a proferir no presente litígio.

5- O critério de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa radica, nos termos do art.º 1.º do ETAF, no conceito de raiz constitucional de “relação jurídica administrativa”, nos termos art.º 212.º, n.º 3 da C.R.P..

6- Além disso, a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum não dependendo da legitimidade das partes nem da procedência da ação.

7- De acordo com a causa de pedir alegada nos art.º 8.º, 9.º, 10.º e 44.º da PI, e bem assim, de acordo com o pedido de condenação de cada um dos Réus no pagamento da quantia de 81.081,30€, o FGD caracteriza e qualifica a sua pretensão no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa (art.º 473.º, n.º 1 do Cod. Civil), enquanto fonte de obrigações, autónomo relativamente a qualquer outro.

8- O enriquecimento sem causa está previsto no CPTA como um dos litígios que seguem a forma da ação administrativa comum – art. 37º, 2, al. i) do CPTA, na redação da Lei n.º 15/2002, de 22/02 –, impondo este normativo que aí se incluam os enriquecimentos sem causa surgidos no contexto de uma relação jurídica que deva ser qualificada como uma relação jurídica administrativa.

9- Para se aferir se o enriquecimento sem causa alegado pelo recorrido FGD emerge de uma relação jurídica administrativa necessário se torna saber se a sua atividade (prosseguida normativamente, como se disse) é ou não uma atividade no exercício do Direito Público, pois, o reembolso das quantias, pagas supostamente de forma indevida, é o facto que em si mesmo constitui o seu alegado empobrecimento.

10- Embora sem assento legal, a relação jurídica administrativa é aquela que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que um desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública que atua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios com vista à satisfação do interesse público.

11- Interesse esse de credibilização do sistema financeiro e, portanto, a relação jurídica através da qual pretende ver reconhecido um direito de crédito (ser-lhe restituída a quantia no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa) é de Direito Público, e assim, qualificada como uma relação jurídica administrativa.

12- Aliás, o objeto do presente litígio irá gravitar em torno da qualificação jurídica que judicialmente venha a ser a dada ao reembolso efetuado pelo FGD, e a sua qualificação ou não, como liquidez segregada.

13- Os tribunais administrativos são competentes para apreciar litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, conforme resulta inequívoco do art. 212.º, 3 da CRP, onde se refere que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

14- Sendo a relação jurídica material objecto da presente ação uma relação jurídica administrativa, são competentes para dirimir este litigio os tribunais administrativos e não o tribunal comum, nos termos previstos no art.º 4.º, 1 alínea a) e 37.º, n.º 2 alínea i) do CPTA, na redação da lei n.º 15/2002, de 22/02.

15- A competência dos tribunais judiciais para matérias administrativas decorre da aplicação do 212.º, n.º 3 da CRP segundo o qual sempre que a jurisdição administrativa consiga desempenhar a sua função, serão os tribunais administrativos...

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