Acórdão nº 88/10.6JAPDL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DA GRA |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
*** I-Relatório: Inconformado com o despacho que declarou não receber a acusação substituída, junta aos autos, o Ministério Público recorreu do mesmo, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «-Não se vislumbra que relevo possa ter a alteração, pelo seu autor, de um texto de peça processual, seja em papel ou em suporte informático, mesmo que a tenha assinado, desde que o seu teor não tenha saído da sua esfera pessoal e transmitido aos sujeitos processuais a que se destina; -No caso e nesse contexto, tendo sido alterada pelo seu subscritor o teor da acusação, sem que tenha chegado a ser cumprida, a versão final que fez constar nos autos e que saiu da sua esfera pessoal e foi comunicada aos demais sujeitos processuais é que tem existência jurídica; -Não podendo, por isso, deixar de ser recebida; -Não é admissível, a título de questão prévia e antes de produzida qualquer prova em audiência de julgamento, que o Tribunal, ao receber a acusação, possa alterar a qualificação jurídica dos factos, no caso subsumindo os factos num único crime em vez de dois crimes de falsidade informática, p. e p., pelo art° 3º, n° 2, da Lei n° 109/2009, de 15/9, para daí, passando a moldura penal a ser de cinco anos de prisão, se considerar incompetente em razão da matéria por força do disposto no art° 16°, n° 2, do Código de Processo Penal.
-O momento certo para eventual alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação será após a produção de prova em julgamento e ao abrigo do disposto no art° 358, n°s. 1 e 3, do Código de Processo Penal, como decorre da jurisprudência fixada no Acórdão do S.T.J. n° 11/2013.
-Não podia, assim, o Tribunal se considerar incompetente, ainda que à condição.
-Foram violados o disposto nos art°s 311°, n°s. 1 e 3, «a contrario», e 358°, n°s. 1 e 3, do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, ordenando-se, a revogação do douto despacho e modificado em conformidade, desde logo, no sentido de ser recebida a acusação apresentada».
*** Não foram apresentadas contra-alegações.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer acompanhando o sentido do recurso. *** II-Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
As questões colocadas pelo recorrente são a discordância com o não recebimento da segunda acusação deduzida e bem assim com a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo despacho recorrido *** III-Fundamentação de facto: Com relevo para a decisão do recurso há que ter em consideração os seguintes os factos: 1-A 29/4/2015, foi junto aos autos um despacho proferido pelo MP que declarou encerrado o inquérito e deduziu acusação, em Tribunal colectivo, contra os arguidos H.P.E. e N.P.E., pela prática, em coautoria material, de dois crimes de falsidade informática, ps. e p.s pelo artº 3º/2, com referência ao nº 1, da L. 109/2009, de 15/9.
2-Tal despacho foi proferido no âmbito de uma conclusão datada de 28/04/2015.
3-O referido despacho começa pela seguinte declaração: «Tendo em consideração que a acusação proferida no dia 7/04/2015 ainda não foi cumprida e havendo necessidade de alterá-la, não só quanto à intervenção do tribunal para coletivo, em vez de singular, bem como ao número de crimes imputados aos arguidos, declaro a mesma sem efeito e determino o seu desentranhamento, fls. 1.743 a 1.799 e, consequentemente, a sua destruição (em papel), uma vez que a mesma continua informaticamente no sistema».
4-Concluído que foi o processo, foi proferido o despacho recorrido, nos termos que se transcrevem: «Questão prévia [art. 311° n° 1 do Código de Processo Penal (CPP)].
Vem o Ministério Público deduzir o que denomina de “acusação” contra os arguidos H.P.E. e N.P.E. imputando-lhes a prática, em coautoria, de dois crimes de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3º n° 2 da Lei n° 109/2009, de 15 de setembro, requerendo que os mesmos sejam sujeitos a julgamento pelo Tribunal Coletivo - fls. 1743 e ss.
Trata-se de uma denominada acusação (apelidemo-la de “acusação substituta”) que, para além do mais, deu sem efeito uma outra acusação deduzida a montante, em 09.04.2015, disponível para consulta no sistema CITIUS (apelidemo-la de “acusação substituída”).
A meu ver, tal acusação substituta consubstancia um ato ilegal, sem qualquer enquadramento ou suporte na Lei e/ ou nos princípios processuais penais e, como tal, ferida de um vício que, como julgo, é o de inexistência (isto é, inexistência de acusação com o verdadeiro valor e função jurídico-processual de uma acusação pública).
Com efeito, um ato decisório do Ministério Público (art. 97° n° 3 do CPP), qual seja um despacho de acusação - tanto mais com a função primordial de delimitar o tehma do processo - somente é suscetível de sindicância nos precisos termos constantes da Lei [veja-se, por exemplo, em sede de instrução (art. 287° n°s 1 al. a) e 2 do CPP)], não existindo qualquer norma (e o despacho que antecede a acusação substituta é...
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