Acórdão nº 1246/14.0T8PDL.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução10 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: Intentaram as sociedades M. Britas, SA., com sede na Rua J…M., nº ..., Ribeira Grande e S. M. - Materiais e Serviços Para a Construção, SA.

, com sede na C..., freguesia de C…., concelho de L…, a presente acção de condenação contra o Banco Y., SA.

, com sede na Rua …, nº…., Porto, com instalações e balcões, na cidade de Ponta Delgada.

Essencialmente alegaram: As AA., afastando a operacionalidade da cláusula relativa à sujeição do litígio decorrente da execução dos contratos aqui em causa ao tribunal arbitral, por a entenderem nula, afirmam que tendo em conta a conjuntura em que a apresentação dos negócios lhes foi feita pelo R., assinaram os contratos aqui em causa numa situação de erro e de desconhecimento sobre o real conteúdo dos mesmos que não compreenderam na sua extensão o que, associado ao facto de se tratar de contratos especulativos, leoninos e consubstanciarem um enriquecimento sem causa ao R. e, concomitante, um prejuízo para si de que querem ressarcir-se.

Concluem pedindo que os contratos de barganha acordados entre as AA. e o R. sejam julgados nulos e, não sendo considerados nulos, então, que sejam julgados anulados, não produzindo quaisquer efeitos na ordem jurídica portuguesa; por força da nulidade dos contratos de barganha, ou, em alternativa, por força da sua anulabilidade, o R. seja condenado a devolver às AA. a quantia correspondente ao diferencial entre os valores de juros pagos pelas AA. ao R. (resultantes das taxas “fixas” contantes dos três contratos em causa) e os juros pagos pelo R. às AA. (resultantes das taxas Euribor e “variáveis” contantes dos três contratos em causa), desde a data do início dos contratos, até ao momento do trânsito em julgado da decisão que declare a nulidade ou a anulabilidade dos contratos em causa; o R. seja condenado a entregar às autoras, sobre a quantia referida no parágrafo anterior, juros vencidos e vincendos, à taxa de juro supletiva, para as relações comerciais, sendo esses juros contados desde a data do início da vigência dos contratos cuja nulidade, ou anulação se pede. Taxa de juro que, nos termos do Aviso do Banco de Portugal nº 8 266/2014 de 1 de Julho de 2014, é de 7,15% sem prejuízo de todas as actualizações futuras que vierem a ser ordenadas pelo mesmo Banco de Portugal.

Regularmente citado, o R. contestou.

Alegou essencialmente que os contratos de swap de taxa de juro em apreço tiveram um objectivo de cobertura de risco: proteger as AA. contra o cenário de subida da taxa de juros e, consequentemente, dos montantes a pagar a esse título, substituindo-o por uma taxa, um montante fixo, e conferindo-lhe a certeza e segurança daí decorrente.

As AA. compreenderam o significado do que assim ficou estipulado nos instrumentos contratuais, não existindo qualquer nulidade por violação dos deveres de informação e comunicação do Banco Réu.

Invocam, ainda a excepção da violação da cláusula compromissória.

Concluem pela procedência da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral e pela improcedência da acção.

Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 117 a 118, não tendo sido atendida a excepção da violação da cláusula compromissória.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a presente acção improcedente absolvendo o Réu do pedido (cfr. fls. 148 a 176).

A A. apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 225).

Juntas as competentes alegações, a fls. 178 a 211, formulou a A apelante as seguintes conclusões: I-“No swap em que não há qualquer financiamento o swap é, marcadamente, especulativo (…)” II-É sintomático que a importância nominal não sofra qualquer mutação (mormente, uma desvalorização) ao longo da vida do contrato. Tal circunstância acentua o cariz fictício destes swaps.

III-A ordem jurídica só protege os negócios celebrados pelas pessoas que constituam um meio adequado à realização de certos fins que aquela tem como juridicamente relevantes e legítimos, o que equivale por dizer que a causa tem que, simultaneamente, ser relevante e lícita.

IV-O risco ínsito nestes swaps como endógeno aos mesmos (o que, por sua vez, também os assemelha a uma aposta), ou seja, foi exclusivamente por eles criado com base num vácuo financeiro, prefigurando-se, pois, a denominada “gestão do risco” que lhes deu o mote como meramente fictícia. Assim, não se divisando que, por intermédio dos swaps contratados, as partes hajam prosseguido as finalidades referidas nos antecedentes parágrafos, resta concluir que, as partes se limitaram a especular, i.e. a procurar um ganho financeiro, sem qualquer pejo, no domínio da pura abstracção.

V-Por outras palavras, podemos concluir que estamos perante swaps “ad nutum” que se reconduzem “(…) a uma pura aposta sobre a evolução das taxas de juro (…)” que “(…) não tem qualquer outro efeito que não a captura do produto do risco (…)” VI-Ora, como evola da noção que supra adiantámos, o instrumento financeiro derivado é concebido para manter uma certa relação com a realidade subjacente, contratualizando-se o risco a ele inerente. Numa palavra, derivação não pode ser sinónimo de absoluta abstracção (...) sob pena de se descaracterizar o próprio swap, transmutando-o, pela perda da relação de derivação, num contrato de estrutura análoga a uma aposta VII-Como é bom de ver, a especulação, em si mesma e desligada de um qualquer referencial (e ainda que dissimulada sobre algo tão vago como a “gestão de risco”), não é susceptível de corresponder a um interesse relevante do ponto de vista económico e merecedor de tutela jurídica (cfr. n.º 2 do artigo 398º do Código Civil), o que, aliás, é consonante com a conclusão extraída da caracterização destes contratos como apostas.

VIII-Como se disse, a especulação tolerada pela ordem jurídica considerada no seu todo deve-se conter em determinados limites. Não se pode, pois, afirmar uma ilimitada admissibilidade da especulação como “(…) sal do mercado e “adrenalina” dos criadores do mercado (…)”, como sustenta CALVÃO DA SILVA (ob. cit., pág. 263), embora sem o comprovar e apenas se baseando na falta de referência proibitiva a determinadas práticas relativas a “CDS”.

IX-Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualisticamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do supra referido comando constitucional, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem pública. Assim, consequentemente, há que concluir pela sua nulidade (n.º 2 do artigo 280º do Código Civil).

X-A valoração das referências legislativas ao contrato de swap não infirma esta conclusão. Com efeito, o simples facto de o contrato de swap de taxa de juro estar previsto (e até definido no citado Regulamento comunitário com referência a um capital hipotético) não afasta a hipótese de a sua concreta conformação acordada entre as partes ser desconforme à ordem pública.

XI-A recorrente e autora subscreveu os contratos objecto dos autos porque pretendia defender -se da persistente subida das taxas de juro que lhe foi anunciada pelo Réu e recorrido o qual: “sustentou a sua utilidade em estudos e gráficos, que apresentou, que indicavam que as taxas de juro iriam subir no mercado”.

XII-Sucede que, na realidade, as taxas de juros desceram, ao contrário da previsão constante dos “estudos e gráficos, que apresentou, que indicavam que as taxas de juro iriam subir no mercado” e por isso a autora e recorrente, encontra-se, agora, confrontada com a obrigação de proceder a pagamentos ao benemérito Réu num total de € 1.685.224,77.

XIII-Assim, por obra e graça de um contrato que a sentença recorrida considerou legal e compatível com a Ordem Pública Nacional, a recorrente (que desejava defender-se da subida das taxas de juro) sem ter recebido um cêntimo do Réu (isto é sem qualquer esforço ou contribuição do Réu) passou a responder perante o mesmo pela obrigação pecuniária, no montante de MIL SEISCENTOS E OITENTA E CINCO MILHÕES DUZENTOS E VINTE E QUATRO EUROS E SETENTA E SETE CÊNTIMOS.

XIV-A recorrente, devido aos contratos de barganha, passou de entidade que “incorria, de facto, no risco de subida de taxa de juro“ a entidade a caminho de ser insolvente, devido às consequências de ter de transferir para o Réu a quantia de MIL SEISCENTOS E OITENTA E CINCO MILHÕES DUZENTOS E VINTE E QUATRO EUROS E SETENTA E SETE CÊNTIMOS, sem que este lhe tenha mutuado um cêntimo.

XV-Esta realidade, além de ser incompatível com a Ordem Pública Nacional – o direito Pátrio não tutela o enriquecimento sem causa – baseia-se, como já se alegou, numa insuportável alteração das circunstâncias, a qual não era previsível para a recorrente, nem para os seus ditos quadros.

XVI–Mesmo que os contratos em causa fossem compatíveis com a Ordem Pública Nacional, o que não sucede, jamais os contratos em causa podiam sobreviver na Ordem Jurídica, face ao previsto no artigo 437.º do Código Civil.

XVII-O credor e recorrido não alegou que autora e recorrente estivesse em mora, para reclamar a seu favor o previsto no artigo 438.º do Código Civil.

XIX-Assim, os contratos objecto do presente recurso terão de ser resolvidos por ordem da Veneranda Relação de Lisboa: Termos em que, com o douto e indispensável suprimento, se pede que o Venerando Tribunal da Relação ordene que: Os contratos objecto do recurso sejam declarados nulos, ou, em alternativa, sejam resolvidos porque: 1.º)Ofendem a Ordem Pública Nacional e por isso são nulos, nos termos do n.º 2 do artigo 280 do Código Civil; 2.º)Se assim não fosse, os mesmos devem ser resolvidos por declaração do tribunal e pedido das recorrentes dado ter ocorrido uma profunda alteração das circunstâncias, que levaram à...

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