Acórdão nº 23079/09.5YYLSB-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 31 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO: Deduziram Vítor F.S.B. e Maria Margarida C.J.B.
, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma comum, que lhes foi movida por …. … INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., a presente oposição à execução e à penhora.
Essencialmente alegaram: Em 19 de Dezembro de 2007, a exequente e os opoentes celebraram o contrato de crédito n.º 138614, no âmbito do qual – e apenas nesse âmbito – os Opoentes subscreveram e entregaram em branco à Exequente a Livrança ora dada à execução, com o número 500076278070524602.
O crédito financiado por esse contrato destinava-se à aquisição do veículo automóvel de marca Peugeot 307 CC 1.6 Dynamique, com a matrícula …-…-XV.
Nos termos das Condições Gerais daquele contrato, as partes acordaram, irrevogavelmente, na reserva de propriedade do veículo a favor da exequente.
Para pagamento das despesas com os registos do veículo a favor do primeiro opoente e da reserva de propriedade a favor da Exequente, foi incluída no crédito concedido aos Opoentes a quantia de € 150,00.
Sucede, porém, que a exequente não procedeu aos registos do veículo para o primeiro opoente, nem da reserva de propriedade para si própria, e não entregou aos opoentes os documentos, em particular o Documento Único Automóvel, após efectuados esses registos e com os devidos averbamentos.
O Documento Único Automóvel é título imprescindível para o uso e circulação do veículo.
Até final de Outubro de 2008 foram entregues ao primeiro opoente, mensalmente, documentos intitulados “Declaração de Circulação”, com os quais circulou com a viatura até essa data.
Tais documentos foram-lhe entregues por Ricardo Nelson Pereira do Nascimento, proprietário do stand “Espaço 1976 – Comércio de Automóveis, Unipessoal, Lda.”, conforme consta do contrato atrás referido.
Porém, a partir do início de Outubro de 2008, esse stand encerrou, nunca mais conseguindo os opoentes contactar o seu responsável até esta data.
A partir dessa altura, por absoluta falta de documentos, ficaram os opoentes impossibilitados de usar o veículo, com ele circular e dele se servir.
Vieram então os opoentes a saber que o veículo automóvel que “adquiriram” era propriedade de Z. Burguer Hamburgaria, Lda., e estava em reserva de propriedade a favor de Banco Santander Consumer, S.A.
Os opoentes enviaram então à exequente uma carta, na qual, após invocarem a motivação respectiva, requerem que ela lhes entregue os documentos de registo da viatura no prazo de oito dias e comunicam que procedem, no caso de tal não se verificar, à declaração da nulidade e do termo do contrato.
A exequente não efectuou os registos do veículo, não entregou aos opoentes qualquer documento do veículo, nem respondeu à interpelação dos mesmos. Ficaram, assim, os opoentes totalmente impossibilitados de usar, utilizar e circular com o veículo a partir de Outubro de 2008.
De facto, foi vendido aos opoentes um bem que não pertencia ao stand vendedor, e a Exequente comprometeu-se a proceder ao registo da propriedade do mesmo bem quando ele já tinha igual registo a favor de outra entidade.
A venda de bens alheios é nula (art. 892.º do Código Civil), assim como é nulo o contrato de crédito celebrado em directa articulação com o de compra e venda. Com efeito, validade e eficácia do contrato de compra e venda e do contrato de crédito são interdependentes, as vicissitudes de um repercutem-se no outro, têm tratamento unitário – é esse o regime que resulta do Dec. Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro.
A exequente tinha a obrigação de proceder ao registo de propriedade do veículo a seu favor, cabendo-lhe certificar-se da condição do mesmo, o que deveria ter feito de forma directa e simples, através dos documentos do veículo. Se o não fez, agiu de forma ligeira, mesmo leviana, e manifesta negligência (se é que não terá mesmo agido com culpa).
Certo é que o não cumprimento desses deveres básicos prejudicaram em muito os opoentes, já que a sua decisão de negócio assentou em elevada monta na idoneidade que, pensavam, a exequente, enquanto entidade financiadora, lhes oferecia. Esses prejuízos ascendem à quantia de € 3.073,50, paga pelos opoentes à exequente referente às prestações entre Fevereiro e Novembro de 2008, bem como a outros valores que ainda hoje não é possível calcular.
E essa confiança só não funcionou porque a exequente, como se disse, não cumpriu as suas obrigações básicas prévias necessárias ao registo da reserva de propriedade – que ela própria exigiu aos opoentes. Por força desse incumprimento das obrigações assumidas pela exequente, os opoentes nunca puderam usar e ter a propriedade do veículo.
Para se tornarem proprietários da viatura dos autos, os opoentes pagaram ao Banco Santander Consumer, SA, o seu valor, e hoje são plenos proprietários da mesma, após a terem pago ao seu verdadeiro dono.
Os opoentes concluem pela procedência da oposição, com as legais consequências, entre elas a devolução aos opoentes da quantia de € 3.073,50 que pagaram à exequente e das quantias penhoradas.
A exequente contestou, alegando essencialmente: Celebrou efectivamente com os opoentes o contrato de crédito a que estes aludem, no âmbito do qual, e como garantia do cumprimentos das obrigações assumidas pelos opoentes, foi preenchida em branco a livrança ora exequenda, bem como assinado o respectivo termo de autorização de preenchimento.
Sustentou a exequente a validade do contrato de crédito, dada a sua independência relativamente ao contrato de compra e venda, pelo que a haver falta ou vícios na formação da vontade relativamente a este contrato os mesmos não se repercutem no crédito de crédito, tratando-se de contratos autónomos.
Por outro lado, é verdade que a exequente pretendeu que toda a documentação relativa ao veículo e respectiva declaração de compra e venda lhe fosse remetida para efeitos de registo da reserva de propriedade.
Com efeito, a exequente comprometeu-se a realizar as operações materiais de registo, tendo por base a documentação que lhe haveria de ser remetida pelo ponto de venda, com vista a ver registada a reserva de propriedade a seu favor. A exequente não se comprometeu a extinguir a reserva de propriedade que existia a favor do Banco Santander, facto que aliás ignorava.
A escolha do veículo, na situação jurídica em que se encontrava, foi da exclusiva responsabilidade dos opoentes, assim como é da sua exclusiva responsabilidade qualquer acordo que, sobre o caso, tenha feito com o revendedor, pelo que, a ter existido venda de bem alheio a responsabilidade é do vendedor.
Acontece que os documentos que deveriam ter permitido à exequente proceder às operações materiais de registo da propriedade em nome dos opoentes e da reserva de propriedade a seu favor, nunca lhe foram entregues, não lhe sendo imputável tal facto, até porque nunca se obrigou a obter tais documentos, improcedendo, assim, a invocada nulidade do contrato de crédito.
Conclui pela improcedência da oposição, devendo a execução seguir os seus termos.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 106 a 112.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente oposição totalmente improcedente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução contra os opoentes/executados Vítor F.S.B. e Maria Margarida C.J.B.
(cfr. fls. 304 a 319).
Apresentaram os opoentes recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 363).
Juntas as competentes alegações, a fls. 324 a 336, formularam os opoentes as seguintes conclusões: 1ª-Logo que souberam que o veículo automóvel que adquiriram era propriedade de Ritos Burger Hamburgaria e estava em reserva de propriedade a favor de Banco Santander Consumer, SA, os opoentes enviaram a exequente uma carta requerendo que ela lhes entregasse os documentos de registo da viatura no prazo de oito dias e que, no caso de tal não se verificar, procederam a declaração de nulidade e do termo do contrato.
-
-Essa carta é datada de Outubro de 2008, constitui o doc. 4 junto a PI, esta junta ao Processo (fls 16 a 19) e foi recebida em 5 de Novembro de 2008.
-
-A exequente não procedeu aos registos da aquisição do veículo nem ao registo de reserva de propriedade a seu favor, não procedeu a entrega aos opoentes dos documentos referentes ao veículo, não respondeu à interpelação, e os opoentes ficaram impossibilitados de utilizar o veículo.
-
-Face a esse procedimento da exequente, nos termos da própria carta dos opoentes, opera a revogação do contrato a que eles procederam - direito potestativo que exerceram com os fundamentos ai invocados.
-
-Trata-se de matéria de relevância extrema, uma vez que a revogação do contrato em 5 de Novembro de 2008 tem consequências decisivas em todo o processo (desde logo não havendo o incumprimento do contrato invocado pela exequente, porque ele já tinha cessado).
-
-A douta sentença não aborda nem analisa essa matéria quer na sua parte discursiva quer na parte decisória, assim incorrendo nessa parte em omissão de pronúncia.
-
-Cometeu, assim, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668ª (actual art. 615º) do CPC.
-
-Os opoentes não invocam qualquer nulidade da livrança. O que eles alegam e que foi dado um uso indevido a livrança o que directamente se prende com a supra invocada revogação do contrato a que procederam.
-
-Apesar de, na parte expositiva, a douta sentença recorrida assinalar vários aspectos da relação entre o contrato de compra e venda e o de crédito, conclui que não pode ser imputado a exequente qualquer incumprimento contratual - antes, diz, “tudo parece indicar que as obrigações cujo incumprimento os opoentes imputam a exequente foram antes assumidos pelo vendedor do veículo, razão pela qual este foi emitindo as declarações de circulação”.
-
-Não pode aceitar-se tal entendimento - sobretudo existindo, como existe e a própria sentença recorrida acolhe, a já assinalada interdependência entre...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO