Acórdão nº 1065/14.3TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | ISABEL FONSECA |
Data da Resolução | 31 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
1.
RELATÓRIO: K. GRUNDBAU GmbH, SUCURSAL em PORTUGAL intentou a presente ação declarativa de condenação contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., pedindo que a ré seja condenada no pagamento à autora da quantia de capital de € 67.898,60 (sessenta e sete mil, oitocentos e noventa e oito euros e sessenta cêntimos) acrescida de juros vencidos no montante de € 1.024,99 (mil e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos) bem como de juros vincendos até integral cumprimento.
Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que é beneficiária de uma garantia bancária à primeira solicitação, prestada pela ré por ordem da C., para garantia do integral cumprimento de um contrato de empreitada celebrado entre a autora e a referida C..
A C. cumpriu defeituosamente o contrato de empreitada e está insolvente, e impossibilitada de reparar os defeitos ou indemnizar.
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autora interpelou a ré para pagar o valor das obras necessárias à reparação dos defeitos, ao abrigo da garantia, mas a ré nada pagou.
A ré contestou, invocando, em síntese, que a garantia caducou, que a reparação dos defeitos importa em valor muito inferior ao reclamado e que a autora aciona a garantia em abuso de direito.
Termina pedindo que a ação seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.
Procedeu-se ao saneamento do processo, fixando-se os temas da prova.
Realizou-se o julgamento após o que se proferiu decisão que conluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a ação totalmente provada e procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 68.923,59 (sessenta e oito mil, novecentos e vinte e três euros, e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora às taxas aplicáveis aos atos comerciais, sobre o capital de € 67.898,60 (sessenta e sete mil, oitocentos e noventa e oito euros e sessenta cêntimos), desde a propositura da ação até integral pagamento.
Custas pela Ré.
Registe e notifique”.
Não se conformando, a ré apelou formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida é nula por ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento, nos termos do art. 615º, n.º 1 alínea d) do Cl'C, 2. Consta da sentença recorrida que "Autora e C. tinham estipulado que a última entregaria à primeira uma garantia bancária autónoma, à primeira interpelação, do montante correspondente a 10% do preço da empreitada, que com a receção provisória da obra, se reduziria para 5% daquele preço (factos 5 e 7). Terá sido esta a ideia da dona da obra e da empreiteira aquando da celebração do contrato de empreitada. Tudo indica que, ulteriormente, alteraram esse acordo pois, quando a garantia foi prestada, em Março de 2010, já a obra tinha sido provisoriamente recebida havia pelo menos, seis meses." 3. Não foi alegado, nem feita qualquer prova, sobre qualquer alteração do contrato de empreitada pelo dono da obra e da empreiteira, pelo que não pode o tribunal recorrido concluir no sentido em que concluiu.
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Certo é que consta dos factos assentes que dono da obra e empreiteira acordaram que com a receção provisória a garantia bancária se reduziria ao montante de 5% do preço da obra.
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Aliás, os factos assentes constantes 5 e 7 são até contraditórios com o agora decidido pela sentença recorrida, pelo que a sentença é igualmente nula nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, alínea c) do CPC 6. Entende o tribunal recorrido que quando se trate de garantia bancária autónoma à primeira solicitação, o beneficiário da mesma fica dispensado de fazer prova do facto constitutivo do seu direito, mas tal dispensa não decorre da definição da garantia bancária autónoma à primeira solicitação.
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A garantia bancária em causa na presente ação é uma garantia de boa execução, ou seja, destina-se a assegurar o cumprimento do contrato-base.
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A referida garantia não é absoluta, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004, proe. 04B2883.
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Mesmo na garantia bancária à primeira solicitação, a prova do incumprimento tem que ser feita.
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A garantia bancária, como a dos presentes autos, que visa garantir o exato e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de empreitada de construção do edifício de escritórios K. pela C., está ligada a este contrato de empreitada, pelo que tem de se aferir se o contrato de empreitada não foi exato e pontualmente cumprido pela ordenadora.
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Resulta da prova efetuada que, em finais de 2013 fruto de chuvas intensas que se fizeram sentir, o imóvel objeto da empreitada começou a deixar entrar água em quase todos os vãos das janelas, a evidenciar manchas e fingos nas faces interiores das paredes exteriores e fissuras e empolamentos nas faces exteriores.
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Não resultou provado que os defeitos que ocorreram mais de 4 anos após a receção provisória fossem defeitos de construção, ou seja, que não cumprissem o estipulado no projeto de construção.
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Termos em que, não tendo sido feita prova do incumprimento do contrato de empreitada pela C., não pode a Recorrente ser condenada no pagamento do valor garantido.
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Pelo exposto, não podia a sentença recorrida condenar a Recorrente no pagamento de € 68.937,59, dado que não foi feita prova do incumprimento do contrato de empreitada, condição para que a garantia bancária pudesse ser honrada, visto ter sido emitida para garantir o exato e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de empreitada de construção do edifício de escritórios K..
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Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se teria de entender que com a receção provisória da obra, a garantia bancária se encontrava automaticamente reduzida ao valor de 5% do preço acordado.
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Como resulta dos factos provados n.º 11, a receção provisória da obra ocorreu em Setembro de 2009.
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Nos termos do contrato de empreitada que a garantia bancária visa garantir (facto provado n.º 7) "com a receção provisória da obra, o valor da caução seria reduzido para 5% do preço da empreitada" 18. Ora, como decorre do texto da garantia bancária, a Recorrente prestou garantia bancária destina a garantir o exato e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de empreitada de construção do edifício de escritórios K., pelo que foi prestada garantia bancária para garantir cumprimento deste contrato de empreitada e não qualquer outra obrigação.
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Nestes termos, a garantia bancária apenas poderia garantir o valor de € 30.838,30 e não o valor de € 69.340,47.
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A Recorrida sabia que com a receção provisória da obra a garantia estipulada pelas partes no contrato de empreitada se encontrava reduzida a 5% do preço da empreitada, pelo que a garantia bancária apenas poderia garantir o valor de € 30.838,30 e não o valor de € 69.340,47, como pretendido pela Recorrida.
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O pagamento à 1 ª solicitação implica a obrigação de pagar ao beneficiário a indemnização objeto da garantia, não podendo ser-lhe oponíveis exceções reportadas à relação principal, salvo em casos determinados, designadamente se não existir já o direito a que se arroga o beneficiário ou se houver evidentes indícios de atuação de má-fé ou abuso de direito, como é amplamente entendido pela jurisprudência.
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Termos em que ao exigir a totalidade do valor garantido, em 2014, a Recorrida atuou com manifesta má- fé, pelo que a recusa de pagamento pela Recorrente é legítima e justificada.
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Assim, a recusa de pagamento pela Recorrente encontra-se justificada pela atuação abusiva da Recorrida, que pretendia o pagamento da garantia bancária por valor que sabia que ao abrigo do contrato de empreitada já não se encontrava abrangido.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!” Foram apresentadas contra-alegações.
A Meritíssima Juiz apreciou das nulidades de sentença invocadas, concluindo pela sua improcedência, conforme despacho de fls. 246.
Cumpre apreciar.
II.
FUNDAMENTOS DE FACTO.
A primeira instância deu por assentes os seguintes factos: 1. A autora é uma sociedade comercial cuja atividade se traduz no aluguer de bens imóveis. (1.º p.i.) 2. Em 6 de março de 2009, a autora celebrou, na qualidade de dona da obra, com a sociedade C. – Engenharia e Construção, S.A. um contrato de empreitada nos termos da qual esta última, na qualidade de empreiteira, se obrigou a construir um edifício de escritórios em Castanheira do Ribatejo, pelo preço global de € 616.766,00. (2.º p.i.) 3. Nos termos da cláusula 3.ª deste contrato, o preço da empreitada devia ser pago apenas depois da conclusão da obra e respetiva receção provisória (1.º cont.) 4. De acordo com a cláusula 4.ª, n.º 1, do mesmo contrato, a obra devia estar concluída até 31/03/2009. (2.º cont.) 5. Na cláusula 7.ª do contrato de empreitada, as partes estipularam que a C. entregaria à K. uma garantia autónoma, à primeira interpelação, de montante correspondente a 10% do preço, para caucionar o pontual cumprimento de todas as obrigações que para a C. resultassem do contrato e da lei, incluindo o pagamento de multas contratuais e indemnizações, e que vigoraria até à receção definitiva da obra (cl. 7.ª, n.º 1, do contrato de empreitada junto pela autora e que a ré aceita ter sido celebrado entre a...
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