Acórdão nº 3359/13.8TASCS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelRICARDO CARDOSO
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acórdão os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: O Tribunal é competente.

Inexistem excepções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

No final do inquérito, o assistente acusou a arguida da prática de um crime de difamação p.p. no artigo 180º, n.º1 do CP pelos factos ocorridos no âmbito do processo n.º 3256/12.2TACSC.

A arguida requereu a abertura de instrução, alegando, em síntese, que a acusação é nula uma vez que não contém o elemento subjectivo do tipo de crime de que o assistente acusa a arguida.

Termina pedindo que se reconheça verificada a nulidade da acusação particular deduzida, por absoluta falta de narração dos elementos subjectivos integradores do tipo e como tal a declare, determinando a final, por absoluta falta de objecto, o arquivamento do processo.

No inquérito foi produzida prova testemunhal e documental e na instrução não foi produzida qualquer prova.

Não se vislumbrando qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, efectuou-se o debate instrutório, nos termos dos arts. 298º, 301º e 302º, todos do Cód. Proc. Penal cumprindo agora, nos termos do artº 308º, do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.

De acordo com o disposto no art. 286º/l do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.

Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artº 308º/1 do Cód. de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido.

Assim, concluindo se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

Ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis” cfr. Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, 2ª. ed., pág. 701.

Daí que no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no art. 30.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional art. 20.º da D.U.D.H. e art. 27.º da C.R. P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, Tomo IV, pág. 261].

Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva em Direito P.Penal. pág. 179].

A regra “in dubio pro reo”, enquanto manifestação do princípio da presunção da inocência – princípio estruturante do processo penal -, tem como momento mais relevante a apreciação da prova em julgamento, mas também se manifesta no momento do encerramento do inquérito, quando o Ministério Público, valorando as provas recolhidas, tem de tomar posição, arquivando-o ou formulando acusação. E, evidentemente, também se coloca ao juiz de instrução, após o debate instrutório, devendo, portanto, lavrar despacho de não pronúncia, imposto pela regra “in dubio pro reo”, no caso de se encontrar perante uma situação de dúvida inultrapassável quanto às provas produzidas.

Tendo em conta que, também a prova indiciária deve ser sujeita a uma análise racional e objectiva, de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso. Cumpre aqui esclarecer que, no caso e na apreciação deste Tribunal, não cuidamos de eventual responsabilidade civilística, mas tão-só de factualidade com a necessária dignidade penal.

Apreciando os factos em análise e a prova recolhida no inquérito e na instrução: Factos indiciariamente apurados: R. a, intentou no dia 12 de Julho de 2012 contra B., seu ex-marido, acção de suprimento do seu consentimento (proc.n.º3256/12.2 TACSC a correr termos nos serviços do MP do tribunal de família e menores de Cascais) com o fim de instruir o pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa do menor, filho de ambos, M..

No processo, a arguida refere que o assistente não tem qualquer contacto com o seu filho menor e não presta qualquer auxílio financeiro para fazer face às necessidades do menor.

A arguida referiu a fls. 45 dos autos acima referidos que teme que qualquer familiar paterno leve o seu filho menor para a Arábia Saudita e que a nacionalidade portuguesa para o seu filho é uma forma de garantir a segurança para o seu filho, uma vez que ninguém da Arábia Saudita o pode cá vir buscar.

Factos não indiciariamente apurados: A arguida referiu nesse mesmo processo que o assistente é portador de todo o fundamentalismo que caracteriza o reino da arábia saudita e os seus naturais, com todas as consequências que daí advêem e que são de todos conhecidas.

O arguido visita o seu filho menor em Amã, no reino hachemita da Jordânia, uma vez que não estando ainda regulado definitivamente o poder paternal do menor, encontra-se estabelecido por Tribunal da Jordânia no processo n.º 2010/1502 um regime de visitas semanais do assistente ao menor que tem sido escrupulosamente cumprido por este que visita o menor pelo menos 1 vez por mês.

Tem sido a arguida a entregar o menor num centro de visitas em Amã, para posteriormente o assistente o recolher nessas instalações ao início do período de visitas e aí o devolver quando este finda, para depois regressar a Riade, na Arábia Saudita.

Da motivação: Os factos indiciariamente apurados resultam essencialmente dos documentos juntos aos autos e que os comprovam.

Quanto aos factos não indiciariamente apurados resultam basicamente de a esse respeito não ter sido feita prova, até porque os documentos escritos em que algumas testemunhas do assistente se pronunciam sobre diversos aspectos não tem qualquer valor testemunhal à luz da nossa lei.

Acresce que, no que diz respeito ao suposto fundamentalismo do assistente, tais declarações não foram produzidas pela arguida quando foi ouvida em declarações, mas sim escritas num articulado pela sua advogada, desconhecendo-se em que medida é que a arguida influenciou ou não a advogada na escrita do articulado.

Do direito: Nos termos do disposto no Artigo 180º, do Código Penal, quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6...

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