Acórdão nº 11459/12.3TDLSB.L1 -5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução20 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Iº.1.-No processo nº11459/12.3TDLSB da Comarca de Lisboa, Lisboa - Inst. Central - 1ª Sec. Inst. Criminal - J2, o Ministério Público, findo o inquérito, acusou: -arguida L.B., como autora material de um crime de burla agravada e co-autora material de um crime de burla agravada, um crime de extorsão, um crime de ameaça e um crime de perturbação da vida privada, na forma continuada.

-os arguidos, S.C., M.B., L.A., C.A., S.R.

e A.S., como coautores-materiais de um crime de burla agravada, um crime de extorsão, um crime de ameaça e um crime de perturbação da vida privada, na forma continuada.

O assistente, DCC, aderiu à acusação do Ministério Público, fazendo a esta algumas precisões factuais e deduziu pedido de indemnização civil (fls.714), pedindo a condenação solidária dos demandados (L.B., S.C., M.B., L.A., C.A., S.R.

e A.S.), a lhe pagarem a quantia de €47.903,03, acrescida de juros, vencidos e vincendos, por danos patrimoniais e €10.000 por danos não patrimoniais, também acrescida de juros, vencidos e vincendos.

Os arguidos M.B., A.S., C.A.

e S.R., requereram a realização de instrução.

A instrução terminou com despacho de 16Jun.16, não pronunciando os arguidos M.B., A.S., C.A.

e S.R., por nenhum dos crimes que lhes foram imputados, não pronunciando os arguidos L.B., S.C.

e L.A., pelos crimes de extorsão e de perturbação da vida privada que lhes foram imputados e pronunciando a L.B. por dois crimes de burla agravada e um crime de ameaça e a S.C.

e o L.A.

por um crime de burla agravada e um crime de ameaça.

Este despacho tem o seguinte teor: “...

...

De acordo com o disposto no art. 286º/l do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.

Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artº 308º/1 do Cód. de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido.

Assim, concluindo-se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Na base da não pronúncia dos arguidos, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

Analisemos, pois, os crimes imputados aos arguidos.

O crime de burla encontra-se previsto no artigo 217º do Código Penal, nos seguintes termos: «Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.» A burla, tendo por bem jurídico protegido o património, é um crime de dano, que apenas se consuma com a ocorrência de um efectivo prejuízo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro. É também um crime de resultado parcial ou cortado na medida em que embora se exija que o agente actue com a intenção de obter para si ou para outrem um enriquecimento ilegítimo a consumação do crime não depende da concretização de tal objectivo, bastando que se verifique o empobrecimento da vítima.

A burla é um delito de execução vinculada, no qual a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento, traduzindo-se na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. Para que se esteja em face de um crime de burla não basta o emprego do meio enganoso.

Torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais. Como melhor se verá adiante, a este processo, globalmente considerado, se reconduz o domínio do erro como critério de imputação inerente à figura da burla e que esgota o sentido da referência à astúcia.«(…) Tratando-se de um crime material ou de resultado a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e depois entre estes últimos e efectiva verificação de prejuízo patrimonial. (…)» Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, artigo 217º pág.293 a 308.

(…)Em qualquer dos momentos em que se desdobra o duplo nexo de imputação objectiva subjazem os pressupostos da teoria da adequação. (…)

No essencial, a questão prende-se não com a configuração externa, mas com o valor ou conteúdo comunicacional que globalmente considerada, a conduta do agente reveste na situação controvertida, ali radicando a admissibilidade da burla por actos concludentes.

A colocação da tónica no aludido conteúdo comunicacional da conduta, implica relevantes consequências ao nível das soluções concretas. Assim, a afirmação da verdade pelo agente não exclui a punição a título de burla se, atento o contexto em que foi proferida assumir o prevalente sentido de uma declaração não séria ou jocosa e, nessa medida, se mostrar insusceptível de por termo ao estado de erro em que se encontra o sujeito passivo. De outra parte, tendo em atenção a particular credulidade ou falta de resistência do burlado (v.g. mercê de fragilidade intelectual, de inexperiência ou de especiais relações de confiança com o agente) admite-se a possibilidade de concluir pela idoneidade de um meio enganador via de regra incapaz de persuadir a generalidade das pessoas.

O tipo legal exige que o erro que se forma no sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente. Para Beleza dos Santos a astúcia consistiria, no recurso a uma mentira qualificada - requisito que se justificaria pela circunstância da conduta envolver não só uma ofensividade acrescida em relação ao bem jurídico, mas também a expressão de uma particular perigosidade do agente. (Beleza dos Santos , RLJ, nº76º, 276, 278, 295, 322 e 323). Entende-se que a tónica não deve ser colocada na restrição aos critérios gerais de imputação objectiva consubstanciada numa repartição da responsabilidade pelo erro entre os sujeitos activos e passivos da infracção, mas sim na efectiva manipulação de outrem «caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista.(…). A posição adoptada ganha, contudo, em clareza, quando perspectivada do ângulo da qualificação da burla como crime com participação da vítima. Na verdade, como é o próprio sujeito passivo que pratica os actos de diminuição, a burla integra, em ultimo termo, uma hipótese de auto lesão, estruturalmente análoga às situações de autoria mediata em que o domínio do facto, do homem de trás deriva do estado de erro do executor acerca do circunstancialismo em que actua. (…) à luz de uma ponderação material o paralelismo dos dois casos aponta para que também no âmbito em apreço se exija a verificação de um genuíno domínio do erro como pressuposto da responsabilização do agente pelo crime consumado. Melhor dizendo, no quadro da compreensão da burla como um delito contra o património, num tal domínio do erro terá que ancorar o fundamento da imputação do resultado à conduta. De harmonia com a exposição anterior, na medida em que exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, aquele domínio do erro esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio astuciosamente no nº1 do artigo 217º enquanto nota caracterizadora do modus operandi da burla: por referência ao disposto no nº1 do artigo 10º do Código Penal ele exprime, no contexto do iter criminis que comporta, de permeio, a intervenção de outra pessoa, a exigência de um rigor intensificado-o mesmo que se coloca na esfera da autoria mediata fundada no domínio-do-erro – ao nível da aplicação dos critérios de imputação objectiva.».

A particularidade do delito de burla deriva de se estar perante um processo executivo que comporta de permeio a intervenção de um ser autónomo e livre, circunstância que, por si só, justifica as conclusões do parágrafo anterior. Perspectivado de outro ângulo, o problema adquire, todavia, novos contornos. Prendem-se eles, não já com a simples atribuição de um resultado à conduta, mas com a delimitação do âmbito de protecção da norma e, assim, do ilícito subjacente ao crime de burla.

Com efeito, apesar da acentuação da vertente solidarista do Estado de direito social, persiste a convicção de que, em primeira...

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