Acórdão nº 2724/14.6T9MTS.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I-RELATÓRIO: 1.1-Por sentença do tribunal singular de 7 de Março de 2016 foi decidido: “Processo Comum Singular: 2724/14.6T9MTS 1-Relatório: Em processo comum, com intervenção de tribunal singular, vêm acusados pelo Ministério Público a fls. 102 e segs.: V., e P., Imputando-se-lhes a prática, em co-autoria material, de factos que integrariam a prática, em concurso real de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do C.P. e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no artigo 256.º, n.º 1, al. d) e e), do C.P.. VD, S.A., assistente, deduziu pedido de indemnização contra os arguido peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de €665,91, a título de danos patrimoniais que invoca, acrescido de juros de mora até integral pagamento.

Os arguidos apresentaram contestação invocando a excepção de incompetência em razão do território. Acresce que negam os factos que lhe são imputados, uma vez que alegam que no momento em que ocorreu o acidente de viação que motivou a apresentação da participação de acidente à assistente e ao pagamento por parte desta de parte das despesas reclamadas tinham seguro válido e eficaz, já que haviam pago, momentos antes o prémio do seguro.

Alegam, ainda, que a menção do dia 14-03-2014 deveu-se a um mero lapso de escrita, já que os demais documentos que acompanharam a citada participação estão correctamente datados – dia 07-03-2014.

Peticionam a sua absolvição.

O tribunal decidiu a fls. 321-323 ser improcedente a excepção invocada pelos arguidos.

(…) Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, tal como resulta da análise da respectiva acta.

* 2-Fundamentação: 2.1-Matéria de facto provada: A-No dia 7 de Março de 2014, o arguido P. deslocou-se à superfície comercial Continente, em Braga, dirigiu-se ao balcão de informações e, com o intuito de celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória para o motociclo de matrícula FG, B-preencheu a proposta de seguro da Companhia de Seguros VD, relativa à apólice n.º 940085033 (processada às 16h09m42s).

C-Nesse mesmo dia, pelas 16h11m, a Companhia de Seguros VD enviou uma mensagem de correio eletrónico ao arguido P. com toda a documentação relativa à apólice de seguro, designadamente a proposta, as condições particulares, aviso de pagamento e autorização de débito, solicitando ainda o envio da documentação assinada e da cópia do documento de identificação do tomador do seguro.

D-O arguido P. procedeu ao pagamento do prémio inicial nesse mesmo dia, pelas 17h15m, através de pagamento por multibanco, o qual foi efetuado numa caixa multibanco sita nas bombas de combustível da GALP, sitas na Estrada da Circunvalação, na Senhora da Hora, em Matosinhos.

E-Sucede que, no dia 21 de Março de 2014, a arguida V., cônjuge do arguido P., participou à Companhia de Seguros VD um acidente de viação, ocorrido no dia 14.03.2014, na A28 em Matosinhos, com o motociclo supra identificado, em que o tomador do seguro era o condutor e a arguida, era a passageira.

F-Na participação de acidente, por referência à apólice supra identificada, a arguida reclamou o pagamento dos prejuízos materiais e danos corporais suportados pela própria em razão do sinistro, os quais estimou em 3.699,66 €.

G-A Companhia de Seguros VD, em face da participação de sinistro, procedeu, de imediato, ao pagamento de despesas hospitalares no valor total de 665,91 €, o qual foi efetuado por transferência bancária para a conta bancária indicada na participação do sinistro.

H-Ocorre que, ao contrário do declarado na participação do sinistro, o acidente de viação não ocorreu no dia 14 de Março de 2014, mas no dia 7 de Março de 2014, pouco antes das 17h12m (hora em que foi efetuada a chamada telefónica para a PSP, via 112, a solicitar a deslocação das autoridades policiais ao local).

I-Ou seja, o arguido P. apenas procedeu ao pagamento do prémio do seguro de responsabilidade civil obrigatória após a ocorrência do acidente de viação, pelo que o motociclo de matrícula 07-85-FG não possuía seguro válido e eficaz no momento do acidente.

J-Os arguidos previram e quiseram, agindo em comunhão de esforços e de vontades, ludibriar a Companhia de Seguros VD quanto à existência de seguro válido e eficaz no momento da ocorrência do sinistro, o que fizeram com o intuito concretizado de se locupletarem com, pelo menos, a quantia de 665,91 €, bem sabendo que tal montante não lhes era devido e que causavam um prejuízo patrimonial à companhia de seguros de montante correspondente.

K-Para tanto, os arguidos previram e quiseram proceder ao pagamento do prémio logo após ter ocorrido o acidente de viação para, após, se arrogarem junto da companhia de seguros como possuindo seguro válido, o que ocorreu e o que sabiam não ser verdade.

L-Sabiam os arguidos que tal conduta lhes estava vedada por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiram de a realizar.

M-A referência ao dia 14-03-2014 na participação de acidente de viação à companhia de seguros foi feita por mero lapso de escrita por parte da arguida.

N-Os arguidos vivem juntos.

O-A arguida tem três filhos que vivem no Brasil com o ex-marido.

P-A arguida é gerente de uma empresa de construção imobiliária, auferindo o salário mínimo nacional.

Q-A arguida possui como habilitações literárias mestrado em psicologia e licenciatura em filosofia, encontrando-se a frequentar o mestrado de geontologia social aplicada.

R-A arguida não possui antecedentes criminais registados.

S-O arguido é solicitador e aufere o salário mínimo nacional.

T-Tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade e o curso de solicitadoria.

U-Por sentença transitada em julgado em 10-12-2012 o arguido foi condenado pela prática em 12-01-2012 de um crime de desobediência na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

2.2–Matéria de facto de facto não provada: Inexiste.

2.3-Motivação da matéria de facto provada e não provada: (…) 3-O Direito aplicável: 3.1-Enquadramento jurídico-penal: (…) -Do crime burla simples: O erro exigido no tipo legal do crime de burla consiste na falta ou falsa representação da realidade concreta, funcionando como vício na formação da vontade do burlado. Na sua formulação, recorre-se aos princípios apurados pela Teoria Geral do Direito Civil, em termos de o fazer equivaler ao erro-vício. Nesta sede, o erro traduz-se numa representação inexacta ou ignorância de uma qualquer circunstância, de facto ou de direito, que condicione a decisão do agente.

3 Desta forma, transposto o princípio, será de concluir que o erro aqui exigido, como aliás já adiantámos, se prende com a falta ou a falsa representação da realidade. A própria forma por que a pessoa burlada é induzida pelo agente no erro que a leva a praticar o acto lesivo do seu património (ou do de terceiro) não é completamente livre, já que a lei exige que tal erro tenha sido astuciosamente provocado.

4 Sem astúcia não há burla - nem sequer na forma tentada -, uma vez que ela delimita objectivamente este ilícito e lhe confere a irrecusável qualidade de crime de forma vinculada.

Não basta também que esta se fique pela atitude psicológica do agente, até porque ao direito penal não cabe julgar intenções, mas acções. Necessário se torna que a conduta exterior do agente a revele, sendo tal exigência uma consequência de a astúcia exigida pelo tipo se reconduzir ao modo objectivo de ser da acção.

Ela traduz-se, de facto, num artifício fraudulento, ou, mais claramente, num ardil ou manha5, num enredo subtil, numa trapaça, embuste, ou urdidura.

6 O objecto da actuação, quer do agente quer do burlado, já que ambos concorrem para que se verifique o resultado danoso, é um determinado património, ou seja, o bem jurídico que se visa proteger com a incriminação da burla.

A definição normalmente aceite é a de "património" como a globalidade de bens economicamente valiosos que um sujeito detém com a aquiescência do ordenamento jurídico.

7 Propendemos para tese que concebe o património, enquanto conceito jurídico-económico, como a soma dos valores económicos juridicamente relevantes, ou seja, protegidos pela Ordem Jurídica na sua unidade.

8 Daí que, para efeito do crime de burla, deve entender-se por património a globalidade de bens economicamente valiosos que um sujeito detém com a aquiescência do ordenamento jurídico.

9 Finalmente, sendo a burla, como vimos, um crime de dano, a sua consumação depende da existência de um prejuízo patrimonial resultante, para a vítima ou para terceira pessoa, da conduta do agente. Este prejuízo10 consubstancia-se numa diminuição de valor no património do lesado, referida ao momento imediatamente anterior ao da consumação da infracção, e que tenha por causa adequada a actuação do agente. O crime de burla consuma-se, portanto, com a saída dos bens ou valores da órbita de disponibilidade do lesado, independentemente de um efectivo enriquecimento do agente. Daí que seja considerado pela doutrina um crime de resultado parcial ou cortado. Assim, bastará uma redução ou perda de disponibilidade patrimonial do burlado ou de terceiro para que efectivamente se verifique um prejuízo patrimonial.

Subjectivamente exige-se o dolo e o dolo específico de intenção de enriquecimento ilegítimo.

Assim, tratando-se de um crime doloso, a burla exige sempre uma vontade consciente e dirigida a determinada finalidade, qual seja levar outrem à prática de actos que lhe causem, a si ou a terceiro, um prejuízo patrimonial. Porém, na burla, o dolo excede os elementos objectivos do tipo de ilícito, englobando o tipo subjectivo um elemento especial. Com efeito, para a verificação do crime de burla, exige-se ainda que o agente actue com uma especial intencionalidade - com a intenção de obter, para...

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