Acórdão nº 300/14.2TBOER.L2-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROS
Data da Resolução20 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

1-Relatório: O Ministério Público intentou acção declarativa com processo comum contra “... Renting (Portugal) Lda.” e “... Bank Gmbh – Sucursal Portuguesa” – pedindo a declaração de nulidade de cláusulas de contratos das RR.

Citadas as RR. contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

Por despacho proferido a fls. 160-161 foi dispensada a audiência prévia, saneada a causa e seleccionados os temas da prova.

Prosseguiram os autos, tendo sido proferida sentença, da qual foi interposto recurso, tendo por acórdão desta Relação de Lisboa sido decidido “anular a sentença proferida na 1ª instância, para ampliação da matéria de facto, devendo ser proferida nova sentença em que na fundamentação de facto, depois de analisada a prova documental e testemunhal já produzida, sejam especificados os factos provados e não provados, considerando os seguintes temas da prova: - a negociação, ou sua inexistência, dos termos dos contratos, e possibilidade de alteração das ‘condições gerais’; - a entrega da viatura como ‘pagamento final’ no contrato ‘Select’; - a ‘vontade real dos contraentes’ (de aquisição) no contrato ‘Select’;”.

Proferida nova sentença, resulta da sua parte decisória, o seguinte: «Pelo exposto, julga-se a acção improcedente quanto às cláusulas.

- 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘Select’; - 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘Renting’; - 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘ALD’; - 11º/4, 14º/2, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘Locação Financeira’; - 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; e - 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’; e - declara-se a nulidade das cláusulas.

- 3º/6, 5º/1, 5º/3, 8º/1, 9º/1, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘Select’; - 6ª/3, 8ª/4, 12ª/1, 14ª/6, 15ª/2, 17º/1, 18ª/3, 20ª/1, 24ª/1, e 24º/2 do ‘Renting’; - 3º/6, 5º/1, 5º/3, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘ALD’; - 3º/6, 4º/2/3, 6º/1, 6º/3, 12º, 15º/4, 17º/2, 24º/1, e 24º/2 da ’Locação Financeira’; - 1º/2, 3º/1, 3º/3, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/4, 12º/1, 19º/1, e 19º/2 do ‘Crédito a Consumidor’; e - 1º/2, 3º/5, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/2, 12º/1, 13º, 14º, 17º/1, e 17º/2 do ‘Crédito’».

Inconformado recorreu o Ministério Público, concluindo as suas alegações: 1.O Tribunal a quo considerou que “não se justifica a proibição” das cláusulas 2.ª, n.º 5 do "Select", 5.ª, n.º 6 do "Renting" e 2.ª, n.º 5 do "ALD", argumentando que estas cláusulas não constituem verdadeiras “cláusulas penais”, uma vez que não se destinam a sancionar qualquer incumprimento, nem a ressarcir quaisquer danos.

  1. A antecipação do termo de vigência do contrato por iniciativa do aderente mais não é do que um não cumprimento do programa contratual definido.

  2. Em caso de antecipação do termo de vigência do contrato pelo aderente, o texto dessas cláusulas alude ao pagamento pelo aderente de um montante indemnizatório igual a 50% da soma dos alugueres vincendos, (…) podendo o locador optar, em alternativa ao pagamento da referida indemnização, pela indemnização prevista no n.º 5 do Artigo 15.º, pelo que não poderá deixar de se afirmar que estas cláusulas se destinam a sancionar um incumprimento e a fixar antecipadamente o valor da indemnização, configurando consequentemente verdadeiras cláusulas penais na acepção do artigo 810.º, n.º 1 do Código Penal.

  3. E sendo verdadeiras cláusulas penais, as mesmas afiguram-se manifestamente desproporcionadas e excessivas face aos danos previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado em que os contratos se integram.

  4. Com efeito, por força da cessação dos contratos nos termos dos clausulados em análise, a locadora tem já também direito a: - Fazer sua a caução entregue pelo locatário no início do contrato (artigo 17.º, n.º 2), cumulando-se com a indemnização ora em causa; - Que o locatário proceda ao imediato pagamento dos alugueres vencidos e não pagos, acrescidos de juros de mora (artigo 2.º, n.º 5); - Que o locatário lhe restitua o objecto do contrato (artigo 2.º, n.º 5) em boas condições de funcionamento e manutenção e de acordo com o manual de devolução de viaturas em vigor (artigos 13.º e 14.º).

  5. Da conjugação de todas estas disposições resulta pois que a indemnização (pena) prevista nas cláusulas 2.ª, n.º 5 do "Select", 5.ª, n.º 6 do "Renting" e 2.ª, n.º 5 do "ALD" surge como manifestamente desproporcionada, face ao montante dos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, as predisponentes venham a sofrer por força da cessação antecipada do contrato por iniciativa do aderente.

  6. Acresce que, não existe uma qualquer conexão objectiva entre os danos previsivelmente a ressarcir e o valor da indemnização resultante da aplicação destas cláusulas, que, para a indemnização prevista nas mesmas, se fixa sempre, e independentemente do prazo contratual decorrido, num mínimo de 50% da soma dos alugueres vincendos.

  7. Em tipos contratuais como os presentes (ou em outros economicamente similares), a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a entender dominantemente que se a cláusula penal fixa em abstracto indemnização que vai até 20% das rendas vincendas ela é válida porque não é desproporcionada, mas se ultrapassa essa quota (50%, 75%...) é nula, por violação da alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 446/85, de 25.10 (Neste sentido: Ac. STJ de 20-01-2010, Revista n.º 3062/05.0TMSNT.L1.S1 - 6.ª Secção; Ac. STJ de 03-12-1998, Revista n.º 952/98 - 1.ª Secção; Ac. STJ de 11-01-2001, Revista n.º 3622/00 - 7.ª Secção; Ac. da Relação de Coimbra de 08-11-2011, processo n.º 648/10.5TBLRA.C1.).

  8. Ainda que se entenda que as cláusulas em apreço não configuram verdadeiras cláusulas penais, o que por mera hipótese abstracta se coloca, sem conceder, sempre será de entender que as cláusulas 2.ª, n.º 5 do “Select”, 5.ª, n.º 6 do “Renting” e 2.ª, n.º 5 do “ALD” são proibidas por contrárias à boa-fé, nos termos dos artigos 15.º e 16.º do RGCC, já que, no quadro negocial em que se inserem, e tendo em conta a conjugação com as demais cláusulas aplicáveis em caso de cessação antecipada do contrato, traduzem um evidente desequilíbrio contratual favorável às predisponentes.

  9. Ao não entender desta forma, o Tribunal recorrido violou os artigos 15.º, 16.º e 19.º alínea c), do RCCG.

  10. O Tribunal recorrido decidiu que o teor das cláusulas 15.ª, n.º 2 do “Select”, 15.ª, n.º 2 do “ALD”, 15.ª, n.º 2 da “Locação Financeira”, 17.ª, n.º 2 do “Renting”, 11.ª, n.º 2 do “Crédito a Consumidor” e 10.ª, n.º 2 do “Crédito” não é proibido por aplicação da regra do artigo 19.º, al. c) do regime das cláusulas contratuais gerais, argumentando que o A. não alegou ou demonstrou os cálculos em que se fundamentou a fixação antecipada da indemnização moratória, desconhecendo-se a que “encargos financeiros” se refere o A., pelo que o Tribunal não estaria em condições de determinar se a indemnização prevista nessas cláusulas é desproporcionada aos danos a ressarcir.

  11. A acção inibitória assume a feição de declaração negativa, incumbindo ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.º 343º, n.º 1, do CC) [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2005, revista n.º 1685/04, Lucas Coelho (Relator), e, mais recentemente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2013, revista n.º 15/10.0TJLSB.L1.S1, Serra Baptista (Relator)].

  12. Às acções inibitórias aplica-se a regra constante do artigo 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro segundo a qual “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.” 14.Assim, perante a alegação da desproporcionalidade das cláusulas penais previstas nos artigos 15.ª, n.º 2 do “Select”, 15.ª, n.º 2 do “ALD”, 15.ª, n.º 2 da “Locação Financeira”, 17.ª, n.º 2 do “Renting”, 11.ª, n.º 2 do “Crédito a Consumidor” e 10.ª, n.º 2 do “Crédito” sindicados na presente acção, e os fundamentos alegados na petição inicial para o sustentar, competia, às Rés, comprovar e demonstrar factualmente a proporcionalidade e carácter não abusivo da referida cláusula.

  13. Só a Ré podia “alegar ou demonstrar os cálculos em que se fundamentou a fixação antecipada da indemnização”, coisa que não fez, tendo, pelo contrário, aderido à tese do Autor, reconhecendo que tais cláusulas se afiguram desproporcionadas aos danos a ressarcir.

  14. O Mm.º Juiz a quo dispunha de todas as condições para poder (dever) concluir pela nulidade das cláusulas 15.ª, n.º 2 do “Select”, 15.ª, n.º 2 do “ALD”, 15.ª, n.º 2 da “Locação Financeira”, 17.ª, n.º 2 do “Renting”, 11.ª, n.º 2 do “Crédito a Consumidor” e 10.ª, n.º 2 do “Crédito”, por contenderem com o disposto no artigo 19.º, al. c) do DL 446/85, de 25 de Outubro.

  15. Com efeito, nos termos destas cláusulas, em caso de mora o aderente fica sujeito ao pagamento de juros de mora à taxa nominal contratada ou à taxa supletiva legal se superior àquela, agravada em qualquer caso da sobretaxa máxima permitida por lei.

  16. Se a taxa de juros moratória aplicada contratualmente já é agravada, em qualquer caso, da sobretaxa máxima permitida por lei, é lógico concluir que a indemnização para fazer cessar a mora, que acresce aos juros de mora devidos nesses termos, é necessariamente ilegal, sendo claramente usurária e, por conseguinte, proibida nos termos do artigo 19.º, al. c) do RCCG.

  17. Com o funcionamento desta cláusula as Rés podem, em caso de mora, obter indemnizações desmesuradas e em manifesta ultrapassagem dos limites legais impostos, o que consubstancia uma penalização injustificada dos clientes das Rés, em benefício destas.

  18. As cláusulas 15.ª, n.º 2 do “Select”, 15.ª, n.º 2 do “ALD”, 15.ª, n.º 2 da “Locação Financeira”, 17.ª, n.º 2 do “Renting”, 11.ª, n.º 2 do “Crédito a Consumidor” e 10.ª, n.º 2 do “Crédito” são, pois, nulas, atendendo ao quadro negocial padronizado, nos termos do artigo 19.º, alínea c) do RCCG...

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