Acórdão nº 2532/07.0TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: A... instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C..., N..., J... e I... em 28/05/2007, pedindo: - seja declarada a nulidade da compra e venda realizada entre a A. e os RR C... e N... da fracção identificada nos autos, - e que seja declarada nula a compra e venda entre os RR C... e N... e os RR J... e I... da mesma fracção, - e que seja, em consequência, reconhecida a propriedade da A. sobre essa fracção.

Alegou, em síntese: - em Maio de 2003, devido a graves dificuldades financeiras optou pelo recurso a ajuda financeira de entidades bancárias e dirigiu-se ao Centro Financeiro do D... em Mem Martins, tendo contactado com B... que, na ocasião se identificou como responsável pelo Centro, a quem explicou a sua urgência na obtenção de financiamento para prosseguir as suas actividades comerciais e cumprir as suas obrigações financeiras; - o referido B... afirmou-lhe que se fosse proprietária de bens imóveis não haveria problema na concessão de crédito; - então, aliviada, a A. disse-lhe ser proprietária de uma fracção autónoma em Lisboa e ficou agendada uma reunião para 26/6/2003 para entrega da documentação do imóvel; - nessa reunião foi a A. confrontada com a informação prestada pelo B... de que para o financiamento ser concedido a A. deveria vender a fracção a uma terceira pessoa a qual recorreria, para a respectiva aquisição, ao crédito bancário, hipotecando a fracção e facultando à A. a disposição das verbas de que necessitaria para fazer face aos seus encargos, liquidando a A. a prestação mensal relativa ao mútuo concedido; - assim, o referido B... apresentou à A. a R. C..., e ambos explicaram-lhe que tudo iria decorrer com enorme transparência desde que a A. cumprisse quer no pagamento das prestações mensais relativas ao mútuo concedido quer na liquidação das advenientes da outorga da escritura com o à data designado Banco ... garantida por uma hipoteca registada; - foi então elaborado um documento particular denominado “Gentleman’s Agreement” (doc. 1) contendo regras e objectivos da operação financeira em apreço, com assinaturas notarialmente reconhecidas; - a A. recorreu ao aconselhamento do advogado Dr A...; - acreditando na boa fé dos envolvidos e na procura de resolução urgente dos seus problemas financeiros a A. outorgou, em 23/7/2003, no 6º Cartório Notarial de Lisboa a escritura pública de compra e venda com a C..., sendo pela A. vendida àquela a fracção pelo preço de 78 000 €, com menção do ónus da hipoteca igualmente transmitido; - contudo tal valor não foi pago e nenhum dos RR liquidou à A. qualquer quantia adveniente do negócio em apreço conforme o acordado entre todos os envolvidos no negócio; - no Gentleman’s Agreement foram explicitadas as razões que determinaram a outorga da escritura e ficou expresso que em caso de frustração de obtenção do empréstimo à A. o imóvel seria vendido a esta ou a quem a mesma indicar até ao dia da escritura; - a fim de garantir a outorga da escritura da compra e venda com os RR C... e F..., foi outorgada uma procuração irrevogável a favor do B...; - o empréstimo não foi concedido e a A. nada recebeu nem foi realizada nova escritura a seu favor; - apenas em finais de 2005 a A. tomou conhecimento de que o B... já não era trabalhador do D...; - em 08/05/2006 a A. foi contactada pelo R. J... que a informou que era o actual proprietário da fracção que habitava; - a A. foi ludibriada, pois pretendeu unicamente a obtenção de um financiamento bancário e nada recebeu, sendo lesada com a actuação dos co-RR que colocaram em risco a sua propriedade, desrespeitando o acordo entre todos: A., B... e co-R. C...; - é evidente a ocorrência de um negócio simulado nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 241º do CC e por isso nulo (art. 240º nº 2 do CC); - a simulação pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si e é oponível ao adquirente da fracção, uma vez que era pleno conhecedor do vício do negócio.

Apenas contestaram os RR J... e I..., alegando, em resumo: - o R J... nunca conheceu os RR C... e N... e apenas tomou conhecimento da sua existência aquando da compra e venda que outorgou em 30/06/2003; - nunca antes ou depois falou com qualquer um desses RR, sequer foi por estes abordado ou contactado; - também da A. nunca tomou conhecimento senão em 14/12/2006 quando se deslocou à fracção a fim de a mesma lhe ser entregue judicialmente; - a R. I... igualmente desconhece os RR C... e N... e desconhecia a sua existência até à data da sua citação para esta acção; também da existência da A. e do B... só tomou conhecimento na data da citação para esta acção; - desconhecem e por isso impugnam toda a factualidade invocada nos art. 1º a 54º da pi.; - os RR são adquirentes de boa fé e pagaram o preço devido; - sabem agora os RR que a A. e pelo menos, a R. C... e B... são velhos amigos; - a A. nem identifica os invocados débitos vencidos; - o denominado Centro Financeiro D... não é uma agência de uma entidade bancária mas sim um estabelecimento que integra uma rede de promotores autorizados a praticarem certas operações de promoção de produtos e serviços bancários e financeiros; - a A. mente quando refere que existiria um acordo quanto à liquidação das prestações mensais do mútuo pela A. junto do Banco Totta & Açores pois consta na escritura de compra e venda outorgada em 23/7/2003 que constituiu pressuposto dessa compra e venda a liquidação imediata do mútuo estando no texto da escritura que o cancelamento do registo da hipoteca estava assegurado; - impugnam o teor do documento 1 junto com a p.i, onde aliás a natureza de compra e venda é especificamente reforçada e onde consta toda uma disciplina que, incumprida, poderia ter sido executada pela A.; - resulta do alegado pela A. nos art. 26º e ss da p.i. que foi acompanhada e esclarecida dos actos que praticava; - a A. soube da existência e termos concretos da procuração passada pelos RR C... e N... a favor de António B...; - foi no uso dos poderes conferidos por essa procuração que B... vendeu a fracção aos RR mediante o pagamento de um preço de 80.000 €; - como os vendedores não entregaram a fracção aos RR estes instauraram acção executiva na qual a A. se opôs à concretização da diligência de entrega invocando ser arrendatária; - a A. admite que quis celebrar um contrato de compra e venda com os RR C... e N... e não refere que se conluiou com a R Carla com o objectivo de enganar terceiros, pelo que não estão preenchidos os requisitos da simulação; - além disso, nunca a suposta simulação seria oponível aos RR pois nunca tiveram participação nos factos em que a A. fez assentar a alegada simulação ou sequer tiveram conhecimento dos mesmos; - mesmo que a suposta simulação fosse oponível aos RR a sua arguição seria manifestamente abusiva nos termos do art. 334º do CC pois o Gentleman’s Agreement prevê a execução específica e a A. nada fez, além de que até à data da entrada da presente acção nunca fez o quer que fosse que pudesse levar o R. J... a duvidar da validade da aquisição feita pela R. C... e a pensar que viria a suscitar a nulidade do negócio e reclamar a propriedade do imóvel; - os apelantes adquiriram a fracção com desconhecimento de todo o alegado pela A. e que, mesmo que se verificasse, em nada afectaria a validade e eficácia do negócio jurídico efectuado pelos RR., nem lhes seria oponível qualquer eventual vício de que o mesmo pudesse padecer, sob pena de enriquecimento sem causa dos RR C... e N..., que assim se constituiriam na obrigação de indemnizar os contestantes, em conjunto com a A. e B... por todos os prejuízos causados.

Concluíram pugnando pela improcedência da acção e condenação da A. como litigante de má fé.

Em 26/01/2009 os RR J... e I... apresentaram articulado superveniente onde alegaram em resumo: - em 17/05/2008 a A. instaurou contra eles acção em que confessa ser arrendatária da fracção desde 23/7/2003 e pede o reconhecimento da validade do contrato de arrendamento e a sua qualidade de arrendatária dos ora RR; - é uma contradição nos termos a coexistência de uma situação de real proprietária com uma situação real de arrendatária; - devem ser os RR absolvidos do pedido.

O articulado superveniente foi admitido.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença constando no dispositivo: «Por tudo o exposto, decido julgar procedente a presente acção e, em consequência decido: a) Declarar a anulabilidade da compra e venda efectuada entre a A. e 1º e 2º RR; b) Declarar a anulabilidade da compra e venda efectuada entre 1º e 2º e o 3º R; c) Reconhecer a propriedade sobre o imóvel em causa a favor da A.».

Inconformados, apelaram os RR J... e I..., e por acórdão desta Relação proferido em 13/03/2014 foi decidido: «b) confirmar a sentença recorrida no segmento em que anulou o contrato de compra e venda...

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