Acórdão nº 1636/13.5TBOER.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelGRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório.

Partes: L, SA (Autora/Recorrente) F, M e C (Réus/Recorridos) Pedido.

Pagamento de €2.704.648,69 (sendo €1.759.397,85, de capital e €945.250,84 de juros) referentes às quantias recebidas e não entregues à Autora nos termos contratualmente assumidos.

Fundamentos.

- Ter celebrado com a Ss, SA, em 12 de Junho de 2007, um contrato de domiciliação de serviços para cobrança de facturas, através do qual a S se comprometia a disponibilizar estabelecimentos para cobrança de facturas da Autora e elaboração de contratos, sendo atribuída à S uma comissão por cada domiciliação; - terem os Réus, em 2008 e enquanto Administradores da S, decidido incorporar no seus património e desta sociedade as verbas relativas a pagamentos recebidos de clientes da Autora e que até à data não entregaram, no montante total de €1.759.397,85.

- constituir tal decisão dos Réus - incorporar no seu património e da S verbas que lhe pertenciam - a prática de um crime continuado de abuso de confiança, fazendo-os incorrer, enquanto administradores, em responsabilidade civil pelos prejuízos causados.

Contestação.

Os Réus excepcionaram a ilegitimidade da Autora, a incompetência material do tribunal, a prescrição do direito da Autora e abuso do direito por parte desta ao propor a presente acção. Concluem pela improcedência da acção impugnando a factualidade articulada na petição.

Em resposta a Autora defende a improcedência das excepções, mantendo o posicionamento assumido na petição.

A Autora apresentou articulado superveniente (fls. 1152 e segs) no qual alegou que no decurso do julgamento do processo criminal tomou conhecimento de que durante todo o período em que ocorreram os factos ilícitos os Réus F, M, e C, agiram sempre como administradores da S, primeiramente de facto e posteriormente de direito, sendo por isso responsáveis pela integralidade dos danos sofridos pela Autora; nessa medida, desistiu do pedido formulado contra os Réus A, P, J, P e R.

Homologada por sentença a desistência do pedido foi realizada audiência prévia (fls. 1015 a 1018), tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de incompetência material, ilegitimidade activa.

Sentença.

Julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido e a Autora do pedido de litigância de má fé.

Conclusões do recurso (transcrição).

a. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus F, M e C, (RR) do pedido formulado pela Autora (A).

b. O objeto do litígio da presente ação (no que ao presente recurso diz respeito) compreende “A gestão de facto e de direito da S em 2007 e 2008 e a responsabilidade pessoal dos RR pela não entrega à Autora de quantias recebidas pela S em seu nome”.

c. A douta sentença recorrida concluiu que versando a ação o apuramento da responsabilidade dos RR, enquanto administradores da S, no facto ilícito correspondente ao crime de abuso de confiança, e não se tendo provado factos que integram este crime nos termos da ação criminal que correu os seus termos pelo Tribunal Criminal de Oeiras, soçobra qualquer responsabilidade civil dos RR com base nesse facto ilícito.

d. Este entendimento não é sufragável face aos factos dados como provados pela própria sentença.

e. A recorrente imputou a responsabilidade civil dos RR na qualidade de administradores da S na sequência da não devolução dos valores pagos pelos clientes da recorrente à S ao abrigo do contrato de domiciliação de serviços para cobrança de faturas, outorgado em 12.06.2007, através do qual a S se comprometeu a disponibilizar os seus estabelecimentos para cobrança de facturas da recorrente e elaboração de contratos.

f. Os factos mencionados em 27, 28 e 29 da matéria de facto não podiam ter sido dados como provados.

g. De acordo com a douta sentença recorrida, tais factos foram provados com fundamento no depoimento da testemunha S, ex-funcionária da S.

h. Os factos em causa apenas poderiam ser provados através de documentos que comprovassem a efetivação de penhoras de contas bancárias da S nas quais se encontrassem depositados os valores pertencentes à recorrente.

i.Não foram juntas aos autos quaisquer documentos comprovativos de quaisquer penhoras, fossem elas quais fossem, e, consequentemente, não foi feita prova dos valores pertencentes à recorrente se encontrarem abrangidos por tais contas.

j. O depoimento da testemunha S apenas alude a “cartas do banco”, e não a quaisquer documentos judiciais comprovativos da realização de tais penhoras.

k. Os factos constantes dos pontos 27, 28 e 29 da matéria de facto provada devem ser dados como não provados.

l. De acordo com a douta sentença recorrida, todos os RR desempenharam em momentos diversos funções de administração na sociedade S, determinando a formação de vontade da mesma, sendo que o R F exerceu ainda as funções de Director Geral Financeiro da S entre Março de 2007 e Setembro de 2008, cabendo a todos os RR a gestão corrente da sociedade (n.º 3, 8, 23, 34, 39 e 40 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida).

m. Entre Março de 2007 e Setembro de 2008 os RR exerceram assim a gestão corrente da S, assumindo a administração de facto da mesma, pese embora durante este período a sociedade não ter tido administradores de direito nomeados.

n. A partir de Abril de 2008, ou seja, durante a administração de facto dos RR, a S deixou de transferir os pagamentos recebidos dos clientes da A no âmbito do contrato de prestação de serviços de 12.06.2007, cujo montante total ascendeu no final do ano de 2008 a € 1.759.397,85 (n.º 21 e 22 dos factos provados).

o. Os RR na sua qualidade de administradores de facto não podiam desconhecer a existência/desvio dos valores referidos, os quais, tendo em conta o seu montante, tiveram impacto muito significativo nos fluxos mensais da S.

p. Sem os fluxos financeiros provenientes dos valores pagos pelos clientes da recorrente, não seria possível à S sobreviver, tendo em conta as dificuldades por que ela passava, e que acabaram por conduzir à declaração da sua insolvência.

q. Os RR tinham assim conhecimento do recebimento pela S de valores que não lhe pertenciam, antes eram propriedade da recorrente.

r. Sem a autorização dos RR, não poderia ter acontecido o desvio dos valores dos montantes devidos à L.

s. Mesmo após a nomeação dos RR como administradores de direito da S em Setembro de 2008, esta sociedade continuou a não devolver à recorrente os valores recebidos até Dezembro de 2008, no montante total de €396.486,46 (n.º 30 da matéria de facto provada).

t. Ficou expressamente dado como não provado na douta sentença recorrida (al. b), p. 13), que o não recebimento dos valores em causa se tenha ficado a dever a qualquer facto imputável ou da responsabilidade da L.

u. Os RR na qualidade de administradores de facto da S provocaram danos à recorrente, traduzidos na não entrega dos montantes recebidos dos clientes da recorrente pela S.

v. No âmbito da responsabilidade civil aquiliana, o que está em causa é o procedimento dos RR traduzido na ausência de quaisquer procedimentos ou ordens no sentido de evitar que os valores recebidos pela S, pertencentes à L, não tivessem sido abusivamente retidos pela empresa que dirigiam.

w. O argumento dos RR segundo o qual nunca tiveram conhecimento de tais movimentos financeiros é de todo incongruente, sendo que o R F, para além das funções de gestão que desempenhava na sociedade, foi durante todo o ano de 2007 e 2008 Director Geral Financeiro da sociedade, pelo que não poderia deixar de ter conhecimento dos movimentos financeiros originados pelo contrato outorgado em 12.06.2007.

x. De acordo com a douta sentença recorrida, não ficou provado que os RR tenham ocultado ou tentado ludibriar a L relativamente às quantias recebidas ou emanado ordens ou instruções com vista à retenção das quantias e à sua afetação a dívidas da S.

y. Trata-se de entendimento que foi expresso pelos RR no pressuposto de eles nunca terem sido administradores de facto da sociedade entre Março de 2007 e Setembro de 2008, o que se veio se veio a demonstrar não corresponder à verdade, pois, conforme consta dos nºs 39 e 40 dos factos provados, os RR asseguraram durante tal período a administração de facto da S.

z. Feita esta prova, cabia aos RR demonstrar que o desvio devido à retenção ilícita dos montantes pertencentes à L não se devia à sua responsabilidade, mas sim a factos extraordinários sobre os quais eles não tivessem domínio ou controlo.

aa. A douta sentença recorrida assim não entendeu, não tendo sequer considerado e admitido esta circunstância de todo relevante e decisiva para a afirmação da responsabilidade dos RR.

bb. A douta sentença recorrida não retirou pois as devidas e necessárias consequências da prova realizada.

cc. Sem os fluxos financeiros provenientes dos valores pagos pelos consumidores/clientes da A, não seria possível sequer à S sobreviver, nomeadamente no que concerne à assunção de responsabilidade básicas, como sejam o pagamento de remunerações e demais encargos fiscais e com a segurança social, ou seja, os RR, decorrente de todo o circunstancialismo referido, tomaram inequívoco conhecimento de que estavam a ser recebidos pela S valores de importância muito significativa que não lhe pertenciam.

dd.O entendimento do tribunal recorrido acerca da responsabilidade decorrente dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual não tendo sido feito prova da prática do crime de abuso de confiança imputado aos RR no tribunal criminal, no âmbito do processo crime que aí correu os seus termos, não seria possível provar esses factos em sede de responsabilidade civil por via de factos ilícitos praticados pelos mesmos RR, não é adequado face à prova produzida e ao enquadramento jurídico desta questão, nomeadamente, no que concerne ao enquadramento da excepção de...

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