Acórdão nº 6275/08.0TDLSB.L3-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução13 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: 1.

Nos presentes autos com o NUIPC 6275/08.0TDLSB, da Comarca de Lisboa - Lisboa - Instância Local – Secção Criminal – J13, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido A.

absolvido, por sentença de 21/12/2015, da prática do crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, por que vinha pronunciado.

Foi ainda absolvido do pedido de indemnização civil formulado pela demandante (também constituída assistente nos autos) CNM, SA.

  1. A assistente CNM, SA., não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.

    2.1-Extraiu a recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1)A decisão proferida e da qual se recorre contraria o disposto no artº 368º n° 1 do Código de Processo Penal, bem como o artº 310º do mesmo Código.

    2)Dispondo aquele artº 368º, nº 1 que o tribunal, em julgamento, começa por decidir as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão, conclui-se que as questões daquela natureza que tenham sido já objeto de decisão com efeitos de caso julgado não voltam a ser apreciadas.

    3)No caso em apreço o Acórdão que ordenou a pronúncia do arguido, ora recorrente constitui uma decisão definitiva nesta matéria não podendo voltar, em sede de julgamento, a ser reapreciada, como foi.

    4)Tendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/11/2011, que ordenou a pronúncia do arguido pela autoria material de um crime de usurpação p.p. pelo artº 195º do CDADC elencado os factos e a respectiva prova que narram, fundamentam e indiciam a prática deste crime pelo arguido, não competia ao Tribunal recorrido.

    5)O despacho de pronúncia saneia o processo no que respeita a todas as questões referentes á suficiência de indícios ou outras que possam influenciar a matéria sobre julgamento.

    6)Por essa via está vedado ao juiz de julgamento aferir da rejeição do despacho de pronúncia ou lançar mão do disposto, porquanto esse juízo já foi feito em momento anterior.

    7)Não pode, por isso o Tribunal absolver o arguido com fundamento na ausência absoluta de descrição do tipo subjetivo em sede de despacho de pronúncia.

    8)Encontra-se profusamente demonstrado que o arguido se arrogou ser titular de um direito de autor sobre as duas canções em causa, tanto pelas obras fonográficas produzidas, como pela sua inscrição como autor/compositor junto da Sociedade Portuguesa de Autores.

    9)Ao deixar de constar, sem oposição e com o seu consentimento, como autor junto da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), para passar a constar como adaptador das mesmas canções, confessou o recorrido o ilícito praticado 10)O arguido desapossa-se, voluntariamente, de um título que até então afirmara, aceita que seja sublinhado claramente que não é o autor e, o que é mais, volta a confirmar que o não o é, nunca o foi, pois aceita uma autorização dos verdadeiros autores para adaptar uma obra que sempre afirmara ser sua! 11)Refere-se, ainda, o nº 5 do artº 195º do CDADC a que se subsume a conduta do arguido: arrogou-se autor e encarregou a SPA de gerir tais direitos, como se fossem seus, representando-o perante terceiros. Esta, autorizou a utilização das obras aqui em causa, quer na sua reprodução, quer na comunicação ao público, tendo-se feito pagar, a título de remuneração do direito do autor em causa.

    12)bastaria a prova documental da referida carta (doc. Fls. 299), por si só, mas também em conjugação com os enumerados factos provados nºs 14, 15, 17, 18, 19, 32 bem como os factos a contrario XVII, XVIII, XIX, XXI, XXIII, XXIV para, por si só concluir não só pela conduta dolosa do arguido, ora recorrido como, igualmente, da prática do crime de usurpação, pelo qual vem pronunciado.

    13)Basta tão-somente atentar quanto ao facto provado nº 17, de que "o arguido sempre se afirmou como autor das músicas gravadas no disco referido em 12. dos factos provados", conjugado com o facto provado nº 32 de que "As músicas "Ai destino, ai destino" foi declarada em 1995 e a obra "A estrada e eu" foi declarada em 2002 junto da SPA, como sendo da autoria do arguido".

    14)a prova produzida impõe decisão diversa da decisão recorrida, existindo erro notório do tribunal recorrido na apreciação da prova.

    15)a prova produzida relativamente à carta que esteve na origem da devolução dos "covers" e de outras obras editadas pela Recorrente (vd. fls. 130 a 131 dos autos) impõe, também, decisão diversa da recorrida.

    16)Tendo a referida carta sido subscrita por mandatário, este atua em vez do mandante, na posição jurídica em que este estaria se fosse ele a praticar o ato, tal como resulta do artº 1157º do Código Civil, que aqui se aplica.

    17)Os factos desde já dados como provados na sentença recorrida, a que acrescem os provados em sede de pedido de indemnização cível e que se elencam, são mais que suficientes para condenar o arguido naquele pedido cível.

    18)Pelo que, caso o presente recurso seja julgado procedente e determinada a prática, pelo arguido, de um crime de usurpação p.p. pelo artº 195º do CDADC, como se pretende, deve igualmente ser julgado procedente e provado o pedido de indemnização cível apresentado.

    19)Verificando-se que existiram prejuízos para a queixosa, designadamente no que respeita aos pagamentos efetuados pela recorrente na produção das edições fonográficas, bem como da impossibilidade desta em receber os seus direitos e a receber os proventos dessa edição.

    20)Tendo ficado provados esses prejuízos, mas não tendo sido possível quantificá-los na sua totalidade, haveria que condenar o recorrido no pagamento da parte já quantificada remetendo para liquidação em execução de sentença a quantia que ainda não foi possível quantificar.

    Termos em que deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a douta sentença recorrida por outra em que se condene o recorrido pelo crime de usurpação p.p. pelo pelo artº 195º do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos, bem assim como do pedido de indemnização cível formulado pela recorrente nos termos formulados.

  2. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando pelo não provimento.

  3. Também o arguido A. apresentou resposta à motivação de recurso, concluindo pela sua improcedência.

  4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.

  5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

  6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II–FUNDAMENTAÇÃO: 1.

    Âmbito do Recurso.

    O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Violação do estabelecido nos artigos 368º, nº 1 e 310º, do CPP.

    Vício de erro notório na apreciação da prova.

    Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido.

    Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

  7. A Decisão Recorrida.

    O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): 1.

    A partir do verão de 2008 foram noticiadas alegadas acusações de “contrafacção” de obras protegidas pela lei jusautoral em vigor, por parte do arguido.

  8. A imprensa noticiou, em certos casos com um considerável grau de pormenor, que o arguido praticou ilícitos previstos e punidos no CDADC ao apropriar-se, como sendo seus, e ao reproduzir, ainda que sob outros nomes e letras, temas musicais de outros autores aí identificados, asseverando serem os mesmos da sua autoria.

  9. Nas notícias cujas cópias se encontram juntas aos autos a fl.s 18 a 23, resulta a menção de que as obras da autoria do arguido, a saber “Ai destino, ai destino”, “a estrada e eu” são música alegadamente imitidas “Zingarella” de E., “Ecrit Moi” de PB. , entre outras.

  10. As supra mencionadas notícias constam de jornais e de revistas de grande tiragem nacional como o D. e C..

  11. Das notícias acima mencionadas resulta, entre o mais, a menção de várias denúncias chegadas ao conhecimento da sociedade Portuguesa de Autores, inclusive apresentadas por cooperantes daquela entidade, e a vontade expressa por membros daquela entidade de resolução amigável da situação entre o arguido e os autores dos temas supostamente imitados.

  12. Pelos factos veiculados nos meios de comunicação social acima referidos não foi apresentada queixa junto da SPA.

  13. A SPA é uma cooperativa, cujos membros e associados são os próprios Autores, os quais se encontram sujeitos ao pagamento de certas contrapartidas monetárias para beneficiar da protecção daquela.

  14. É o caso do arguido conhecido pelo nome artístico de T. que em função do seu grau de notoriedade e sucesso é um membro de grande relevo daquela entidade, facto assumido nalgumas daquela pelo administrado da SPA JL.

  15. A SPA tem interesse na resolução amigável de assuntos e litígios que surgem entre ou com os seus colaboradores. 10.

    Do CRC do arguido nada consta.

    Do pedido de indemnização cível deduzido: 11.

    A CNM, SA. é uma empresa, editora, produtora e distribuidora de fonogramas e videogramas musicais, que tem como missão a produção, valorização e divulgação de obras de âmbito cultural, distribuindo algumas das maiores e mais respeitadas editoras mundiais com quem tem contractos em vigor.

  16. Entre as mencionadas actividades resulta a edição dos denominados “covers”, que consiste...

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