Acórdão nº 197/18.3.PAALM-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: I– No Proc.º n.º 197/18.3.PAALM-A, da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 2, por despacho judicial de 14 de março de 2018, foi decidido indeferir o requerimento do Ministério Público no sentido de serem tomadas declarações para memória futura à queixosa A…,, nascida a …,de 1926.

II– Inconformado, o Ministério Público na 1.ª instância interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1- O requerimento do Ministério Público de fls. 13 tem enquadramento legal nos artigos 67.º-A, n.º 1, alínea b), e 271.º, do Código de Processo Penal, nos artigos 26.º a 28.º, da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, e no artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que a decisão recorrida violou, e apoio jurisprudencial (cfr., entre outros, o recente Acórdão de 4 de Maio de 2017 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do Processo n.º 12/15.0JDLSB.L1-9: “I - Mesmo com a actual redacção do art.º 271º do CPP, a tomada de declarações para memória futura pode ser feita, verificadas determinadas circunstâncias (nomeadamente, desconhecimento da identidade do suspeito, ausência deste, necessidade urgente de preservar prova, necessidade urgente de proteger o declarante ou outras pessoas, partida eminente ou possibilidade séria de morte deste) (…).”.

2- No presente inquérito, investigam-se factos susceptíveis de integrar, pelo menos, a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código Penal. 3- A ofendida A…, completará, no próximo mês de Abril, 92 anos de idade.

4- Foi-lhe atribuído o Estatuto de Vítima Especialmente Vulnerável pela P.S.P..

5- Para além da ofendida A…, ter 91 anos, o que, como se sabe das regras de experiência comum, implica como necessária a obtenção célere e precisa do seu depoimento, acresce um factor de a lei entender que, por essa qualidade, a mesma deva ser salvaguardada, designadamente, evitando-se a sua infinita e repetida audição no processo (perigo de revitimização).

6- Não colhe suporte legal o douto despacho recorrido dizendo que “não foi feita qualquer diligência de prova no inquérito em ordem a apurar a veracidade dos factos e recolher a prova necessária nem tampouco foi ouvida a queixosa na qualidade de testemunha” (sublinhado nosso), pois que, para além do mais, não compete à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, salvo o devido respeito, sindicar a forma como é orientada a investigação.

7- Acresce que, a fls. 5 a 8, encontra-se prova documental que suporta, de alguma forma, a denúncia.

8- Tal como as crianças / os jovens, os idosos exigem protecção e urge assumi-la, face aos preceitos aludidos, no processo penal - “A OMS (2002) estima que o aumento demográfico dos idosos, a nível mundial, agrave as situações de violência e maus tratos devido à rutura de laços familiares e com a redução e ineficácia dos sistemas de proteção social. Em Portugal a APAV (2014) revela que a par do crescimento demográfico deste grupo aumenta também a violência. Segundo a mesma, os idosos são vítimas de violência em diversos contextos (Títono, 2009). Durante o processo de envelhecimento surgem perdas de ordem física e psicológica que torna os idosos mais vulneráveis ao risco de violência. Com efeito, é no seu cotidiano, quer em casa, quer na rua, que os idosos se tornam vítimas das circunstâncias por motivos de ordem jurídica, social e cultural de cada sociedade.”, Rosas (2015).

9- Deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a recolha de declarações para memória futura a A…, tal como requerido pelo Ministério Público.

V. Excelências, assim decidindo, farão a costumada e desejada JUSTIÇA! III–Transcreve-se o despacho recorrido.

As declarações para memória futura servem para acautelar a prova que deverá servir em sede de audiência de julgamento e não na fase de inquérito (cfr artigo 271.º, n.º1, do C.P.P.).

Os presentes autos de inquérito tiveram início numa queixa apresentada por A…, no passado dia 05.02.2018.

Desde essa data até ao presente, não foi feita qualquer diligência de prova no inquérito em ordem a apurar a veracidade dos factos e recolher a prova necessária nem tampouco foi ouvida a queixosa na qualidade de testemunha.

Assim, sendo um dos pressupostos da tomada de declarações para memória futura, a existência de circunstâncias que previsivelmente possam impedir a testemunha de ser ouvida em audiência de julgamento, e nada havendo nos autos que permita supor que os mesmos chegarão a essa fase processual, considera-se prematura a realização de tal diligência, motivo pelo qual se indefere a sua realização.

(…) IV–A Exma Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação pronunciou-se no sentido da procedência do recurso interposto.

V–Cumpre decidir.

1.

– O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

2.

– O recurso será decidido em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea b) do C.P.Penal .

3.

– O Ministério Público, no seu recurso, veio impugnar o despacho judicial que indeferiu a tomada de declarações para memória futura à ofendida A…, de 91 anos de idade (actualmente com 92 anos de idade).

4.

– Ao despacho recorrido é aplicável o disposto no art.º 97.º n.º 5 do C.P.Penal, que dispõe que “os actos decisórios são...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT