Acórdão nº 2331/11.5TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 4.11.2011, Rita... intentou contra Manuela..., e Hospital Veterinário..., Lda., acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia de €145.000,00, a título de danos não patrimoniais e €514,75, a título de danos patrimoniais, bem como os montantes que futuramente a A. tenha de suportar com o pagamento de intervenção(ões) cirúrgica(s) plástica(s) e outros tratamentos médicos para corrigir a cicatriz com que ficou no braço esquerdo junto ao cotovelo, bem como todas as despesas com estas relacionadas e, ainda, os lucros cessantes que, futuramente e em função das referidas intervenções e tratamentos médicos, a A. deixe de auferir, a apurar em execução de sentença.

A fundamentar o peticionado, alega, em síntese: No dia 14.03.2011, pelas 17h, nas instalações da 2ªR., no corredor central deste, no momento em que a A. caminhava com o seu cão ao colo, foi atacada por duas cadelas, de nome “Dantas” e “Fifi”, propriedade da 1ª R., que a morderam violentamente no braço e coxa esquerda, e que saíram de um gabinete situado no mesmo corredor.

Atenta a gravidade das lesões, a A. foi assistida no Hospital S. Francisco Xavier, onde levou uma injecção para as dores, tomou a vacina contra a raiva e tétano, foi suturada com 10 pontos externos e inúmeros internos no braço, tendo sido mordida até ao osso, não tendo sido suturada na coxa, onde ficou com a marca de 2 dentes.

Em consequência do referido a A. suportou despesas no valor de €343,95, com a taxa moderadora, transportes, consultas, fisioterapia, medicamento, e outros.

À data dos factos a A. encontrava-se de baixa pelo período de 30 dias por motivos do foro psiquiátrico, tendo-se o seu estado de saúde agravado, em consequência dos factos referidos, pelo que viu a sua baixa prolongada até 30.05.11, deixando de auferir a quantia de € 85,40 de subsídio de refeição referente a Abril e igual quantia referente a Maio.

Em consequência do ataque, até Maio de 2011, não mais quis sair de casa, passando o tempo deitada, e teve de ficar em casa da mãe, por se sentir doente, desalentada e assustada, e, após a referida data começou a sentir alento para sair à rua, mas continuou a ter comportamentos que revelam enorme stress traumático, e agravou o seu estado depressivo.

Teve fortes dores, e ficou impossibilitada de usar o braço esquerdo durante cerca de 2 meses.

Ainda hoje tem uma cicatriz que lhe desfigura o braço, pelo que se sente diminuída e envergonhada, e terá que se sujeitar a uma cirurgia plástica.

A responsabilidade do ocorrido é da 1ª R., enquanto proprietária dos animais, que não os tinha presos, e com açaime, e não tomou as devidas precauções para que eles não atacassem outras pessoas, e da 2ª R. uma vez que esta tinha o dever de assegurar que os animais que se encontravam dentro do seu estabelecimento não provocavam danos às outras pessoas e animais.

Regularmente citadas, as RR. contestaram, - a 1ª, por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, e por impugnação, propugnando, pela improcedência da acção, e sua absolvição do pedido, suscitou incidente de intervenção principal provocada da O., Companhia de Seguros, SA.

, e pediu a condenação da A. como litigante de má fé; - a 2ª, invocando a nulidade da citação, por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, e por impugnação, propugnando, pela improcedência da acção, e absolvição do pedido.

A A. respondeu à matéria das excepções invocadas, propugnando pela sua improcedência, sustentou não estar a litigar com má fé, e pediu a condenação da 1ª R. como litigante de má fé.

A 1ª R. treplicou.

A A. requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y..., SA.

Foi proferido despacho que decidiu não ter existido falta de citação da 2ª R., e, por extemporânea, determinou o desentranhamento da contestação [1].

Citada [2], a O., Companhia de Seguros, SA contestou, propugnando pela improcedência da acção, ou caso assim se não entenda, dever a 2ªR. ser responsabilizada pelos danos que se vierem a apurar como devidos.

A A. respondeu, terminando como na PI.

Foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada da O. Companhia de Seguros, SA e dispensou nova citação desta; bem como admitiu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y..., SA, ordenando a sua citação.

A Companhia de Seguros Y..., SA contestou, por excepção, alegando não estar o sinistro em causa coberto pela apólice, e por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.

A A. respondeu, terminando como na PI.

Realizou-se audiência prévia, na qual foi saneado o processo, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela 1ª R., identificado o objecto do litígio e fixados os temas da prova.

Procedeu-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente: a)- condenou a Interveniente Companhia de Seguros Y..., S.A.

no pagamento à A da quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; b)- condenou a Interveniente Y..., S.A.

no pagamento à A da quantia de € 127,18, a título de indemnização por danos patrimoniais; c)- condenou a Interveniente Y..., S.A.

no pagamento à A da quantia efectivamente suportada por aquela, depois de comprovada a eventual comparticipação da ADSE, com as quatro consultas de cirurgia plástica, bem como às sessões de massagem manual e ultra sons, que efectuou, a liquidar em execução de sentença; d)- condenou a Interveniente Y..., S.A.

no pagamento à A da quantia correspondente a despesas com tratamentos efectuados no centro de saúde de Oeiras, a liquidar em execução de sentença; e)- condenou a Interveniente Y..., S.A.

no pagamento à A da quantia referente a despesas futuras com cirurgia(s) plástica(s) e outros tratamentos médicos com vista a corrigir a cicatriz com que ficou no braço esquerdo, bem como eventuais lucros cessantes que os mesmos possam vir a causar, a liquidar em execução de sentença; f)- À condenação da Interveniente Y..., S.A. deduziu o valor de € 100,00 a título de franquia; g)- condenou a 2ª R. Hospital Veterinário..., Lda.

no pagamento à A da quantia de € 100,00 correspondente à franquia no âmbito do contrato de seguro que celebrou com a Y..., S.A.; h)- No mais, absolveu a 2ª R e a Interveniente Y..., S.A. do pedido; e i)- absolveu a 1ª R e a O. Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. do pedido.

Inconformadas com a decisão, apelaram a 2ªR. e a Y..., Companhia de Seguros, SA., tendo sido proferido despacho a julgar inadmissível o recurso interposto pela 2ªR., rejeitando-o, em consequência.

No final das respectivas alegações formulou a Y... as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1.

– A decisão do Tribunal recorrido para a prova positiva dada aos pontos 63, 64, 70 e 71 e para a prova negativa dada ao facto constante da Alínea gg) da Sentença não se encontra devidamente fundamentada, pelo que a mesma Sentença é nula ao abrigo do disposto no artº 615º/1 b) do CPC.

  1. – O Ponto 64 da Sentença foi incorrectamente dado como provado e o facto constante da Alínea gg) da mesma Sentença foi incorrectamente dado como não provado.

  2. – De harmonia com a prova produzida, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que foi uma funcionária do 2º Réu Hospital que saiu do gabinete médico e deixou a porta aberta. Antes, e de acordo com a mesma prova produzida, não poderia o mesmo Tribunal deixar de dar como provado que foi a empregada da lª Ré Manuela quem abriu a porta daquele gabinete.

  3. – Sobre a concreta "dinâmica da abertura da porta" depuseram com conhecimento, certeza e razão de ciência, as testemunhas Paula..., Diogo..., a Autora Rita... em declarações de parte e a testemunha Anabela..., e que, individual e em conjunto, imporiam decisão diversa da Sentença a esse respeito.

  4. – Para a prova (positiva) daquele facto constante do Ponto 64 da Sentença, o Tribunal a quo baseou-se nas declarações de parte da Ré Manuela e no depoimento prestado pela testemunha HH., funcionária daquela e por si arrolada, a qual demonstrou ter manifesta dificuldade no entendimento da língua portuguesa e, o que é mais, das concretas perguntas que lhe eram colocadas.

  5. – Inexistindo outro(s) meio(s) de prova, objectivo e imparcial que efectivamente suporte a versão da parte, o Tribunal a quo não poderia valorar as declarações da lª Ré Manuela dessa forma, eivadas que estão do interesse da mesma no desfecho da acção.

  6. – Impõe-se a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto dado que as referidas provas testemunhais produzidas em sede de julgamento e que atrás se deixaram identificadas, impunham, decisiva e forçosamente, decisão diversa da que foi tomada.

  7. – Deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada, com nova ponderação e avaliação da prova testemunhal produzida como fundamento do pedido de alteração da decisão proferida da matéria de facto e, em conformidade, julgar inequivocamente que: a)- no Ponto 64 dos Factos Provados, a porta não foi deixada aberta por funcionária do 2º Réu Hospital, ou seja, dar como não provado o facto que consta do referido Ponto 64.; e b)- na Alínea gg) dos Factos Não Provados, que foi a empregada da lª Ré Manuela quem abriu a porta do gabinete médico, ou seja, dar como provado o facto que consta nessa mesma Alínea gg).

  8. – O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos, tendo em conta, designadamente, a matéria de facto que na Sentença se considerou provada nos Pontos 5, 6, 10, 11, 53, 63, 69, 71 e 55.

  9. – O que releva no caso dos autos, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, é que o dever especial de vigilância incumbe a quem tiver, em cada momento, o poder de facto sobre os animais, ou seja, aquele que tem a sua efectiva detenção e que que pode sobre eles exercer controlo físico e tenha o dever de os guardar, vigiar e...

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