Acórdão nº 25635/15.3T8LSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa.

Relatório: TERESA...

(solteira, maior, titular do cartão de cidadão nº 06867076 1 ZY9, residente em …) instaurou contra a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE (pessoa colectiva nº 503 756 237, com sede na Avenida da República, nº 57º - 1º andar, em Lisboa) uma acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando os seguintes pedidos de condenação do réu a: (1) reconhecer o seu direito de propriedade sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição; (2) pagar-lhe o seu valor que a título de capital era de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), em 01.09.2015; e (3) pagar-lhe os juros de mora vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Para fundamentar tais pedidos, a Autora alegou, em síntese, que: - É a única herdeira dos pais, falecidos respetivamente em 16.07.1997 e em 19.11.2003; - Somente em 01.05.2015 é que a Autora tomou conhecimento de que a sua mãe era dona e titular dos certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de € 135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos); - No dia 11.06.2015, a Autora reclamou o reembolso do valor dos certificados junto dos serviços da Ré, que o recusaram com fundamento na prescrição, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.

A Ré contestou, por excepção e por impugnação.

Defendendo-se por excepção, invocou a excepção peremptória da prescrição do direito ao reembolso dos certificados de aforro, que é de dez anos a contar da morte do aforrista, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30/06, na alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 122/2002, de 04/05.

Defendendo-se por impugnação, impugnou os factos concretos invocados pela A. (na pi.) tendentes a justificar por que motivo desconhecia, à data do falecimento dos seus pais, a existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular e legítima proprietária, só tendo deles tomado conhecimento em 1.01-2015.

Ademais, alegou que o IGCP, desde (pelo menos) Janeiro de 1997 e até Setembro de 2001, enviou para a morada registada no sistema (rua Fontes Pereira de Melo, nº 12-5º-Dtº, na Damaia-Amadora) – que era a única de que dispunha - extractos da conta aforro com uma periodicidade semestral e, a partir de Setembro de 2001, extractos mensais, o que fez até Maio de 2012, data em que tomou conhecimento do óbito da aforrista, não tendo, ao longo dos anos, nenhuma dessas cartas vindo devolvida pelos CTT.

A Autora respondeu (na Audiência prévia realizada em 23.02.2016) à matéria da excepção deduzida pela Ré.

Findos os articulados, o processo foi saneado - tendo-se relegado para a sentença a apreciação do mérito da excepção peremptória de prescrição arguida pela Ré (por se ter entendido que o estado dos autos não permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, designadamente, quanto à apreciação daquela excepção), definiu-se o objecto do litígio e seleccionaram-se os factos já considerados assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos nos Temas de prova e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida Sentença (datada de 14/03/2017) com o seguinte teor decisório: «Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Custas a cargo do réu (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).» Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso da referida sentença – que foi admitido como de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo -, tendo extraído das respectivas alegações as seguintes conclusões: “Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual foi se julgou a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condenou a Apelante a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3.º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de €196.810,99 (cento e noventa e seis mil, oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

A Apelante não se pode conformar com tal decisão, pelo que dela recorre invocando os seguintes motivos: a)– Matéria de facto.

1.

– Entende a Apelante que a sentença ora recorrida não teve em consideração nos factos dados como provados, os factos que resultaram da audiência de julgamento, designadamente os confessados pela Autora e os presenciados pela testemunha Doroteia, a saber: i)- A Autora desconhecia se o pai era ou não titular de certificados de aforro.

ii)- A residência da Autora, até à venda do imóvel em 2 de outubro de 2008, era na Rua …, Amadora.

iii)- A Autora juntamente com a sua mãe foram ao balcão da Apelante, à data na Praça do Comércio, e ambas constituíram certificados de aforro em, pelo menos, duas ocasiões distintas, concretamente, no ano de 1988 e no ano de 1990.

iv)- As cartas extrato enviadas pela Apelante para a falecida aforrista eram recebidas na morada Rua… Amadora, residência da Autora.

2.

– Estes factos são absolutamente cruciais para se atingir o objetivo definido no despacho de audiência prévia, isto é, “…produzir prova sobre o momento concreto em que a Autora teve ou poderia ter tido conhecimento do direito que lhe compete…”, na medida em que provam de forma incontornável que a Autora não teve conhecimento dos certificados de aforro titulados pela sua mãe apenas em maio de 2015, como alegou na sua petição inicial, mas teve conhecimento da existência destes bens em data bem anterior (1988).

3.

– Em face do que antecede, e nos termos do previsto no n.º 1 no artigo 640.º do CPC, a sentença ora recorrida nunca poderia ter julgado totalmente procedente e provada na íntegra a ação, condenando, em consequência, o Réu a reconhecer o direito de propriedade da Autora, antes pelo contrário, a ação deveria ter sido julgada improcedente e não provada, decretando-se a prescrição dos certificados de aforro e, em consequência, determinar-se a absolvição do Réu, o que desde já se requer.

b)– Matéria de Direito.

1.

– No que respeita à matéria de direito, entende a Apelante que a fundamentação que sustenta a decisão do Tribunal a quo, concretamente: i)- a criação do Registo Central de Certificados de Aforro, conforme consta do artigo 9.º- A do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março; ii)- o entendimento de que “A Autora fez a demonstração da titularidade dos certificados de aforro, não conseguindo o réu provar o facto extintivo invocado, a prescrição do direito reclamado.” incorre em erro na determinação da norma aplicável ao caso concreto, assim como, o sentido das normas jurídicas que sustentam a decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma diversa, designadamente considerando que a Apelante fez prova da prescrição e assim declarar a improcedência da ação.

2.

– No tocante ao erro na determinação da norma aplicável, e considerando que a decisão do presente litígio tinha como objetivo determinar “… o momento concreto em que a Autora teve ou poderia ter tido conhecimento do direito que lhe compete…” (e não obstante a confissão da Autora em sede de matéria de facto ser suficiente para afastar o alegado conhecimento em maio de 2015) a norma que deveria servir de fundamento à decisão do presente litígio não é a prevista no artigo 9.º- A do Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março, a propósito da suposta criação do RCCA mas antes as normas do CIS, designadamente, e entre outras, as do artigo 26.º relativas à obrigação declarativa dos herdeiros às finanças, na qual se inclui a obrigação de relação de bens e o respetivo pedido de certidão ao IGCP. É essa a norma que legalmente determina quando é que os herdeiros devem e podem ter conhecimento dos bens que constituem a herança do de cujus, na qual se inclui a eventual existência de certificados de aforro.

3.

– No que respeita ao sentido da decisão final em face das normas jurídicas aplicáveis, concretamente o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que a Apelante não conseguiu provar o facto extintivo invocado, isto é, a prescrição; tal decisão também não pode prevalecer pelos motivos que acima se explicitaram, a saber: i)– a letra da lei é muito clara quanto ao prazo de prescrição aplicável, bem como quanto à ocorrência (óbito do aforrista) que determina o início da contagem do prazo, concretamente o artigo 7.º do Decreto- Lei n.º 172-B/86, de 30 de junho e o o artigo 306.º do Código Civil; ii)– A doutrina mais relevante e habitualmente invocada nesta matéria, concretamente a de Manuel de Andrade, Vaz Serra e de Menezes Cordeiro, toda converge no sentido de se considerar que: - o início do prazo de prescrição não se suspende pela ignorância do credor; - há negligência ou inércia do interessado se não atuar dentro do prazo de prescrição; - a lei pode definir prazos específicos de prescrição menores que o prazo de prescrição ordinária de 20 anos e esta doutrina suporta na íntegra a posição de princípio da Apelante em matéria prescricional que é a da irrelevância jurídica do conhecimento dos herdeiros para a verificação e o decretamento da prescrição.

iii)– A jurisprudência existente, seja a mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, como a mais antiga do...

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