Acórdão nº 6419/15.5T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1–RELATÓRIO: Maria Teresa... instaurou a presente ação especial de interdição por anomalia psíquica contra Maria José..., alegando, em suma, que é filha da requerida, nascida em 2 de setembro de 1921, a se encontra incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens.

Conclui pugnando para que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência: - seja decretada a interdição provisória da requerida, nos termos do art. 142º do CC, devendo ser nomeado tutor seu tutor provisório, Fernando...; - seja decretada a interdição da requerida.

*** Após a algo atribulada tramitação dos autos, no âmbito da qual: - foram apresentados vários requerimentos, alguns deles, por vezes, além de irrelevantes, desnecessariamente extensos e prolixos; - foram apresentados documentos, alguns sem qualquer interesse para a decisão da presente causa, foi proferida sentença que: a)- decretou a interdição, por anomalia psíquica, da requerida Maria José...; b)- fixou o começo da incapacidade da requerida em setembro a início de dezembro de 2014; c)- nomeou: - tutor da requerida, o seu filho mais velho, João...

- vogais do conselho de família: - a requerente, com funções de protutora; - Eduardo…, que exercerá funções de protutor nos casos em que haja colisão de interesses entre a requerida e o tutor, e em que Maria Teresa tenha de exercer funções de tutora.

Inconformada com o assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações: 1.– O Tribunal a quo decidiu mal ao fazer uso da norma contida no Art. 143º, alínea d) nº 1 do Código Civil e ao bastar-se com: a) -“As posições de todos (os filhos) são bem evidentes nas exposições que apresentaram nos autos e que nos levam a prescindir da audição do conselho de família, por manifesta utilidade.”; b) - três dos filhos serem da mesma opinião “o tutor deve ser o filho mais velho” e apenas uma, a requerente, pedir a sua nomeação como tutora” para concluir, sem mais, não existirem fundamentos para considerar que algum dos outros filhos daria maiores garantias de bom desempenho do cargo.

  1. – Violou o artigo 7º da Lei nº 38/2004, onde é expresso que o “deficiente tem o direito de decisão pessoal na definição e condução da sua vida”, sendo certo que a interditanda decidiu, a 30.01.2012, de forma livre, consciente e esclarecida, a forma como e por quem queria ser assistida, caso viesse a perder autonomia, sendo inquestionável a lucidez e determinação da requerida ao expressar esta vontade, não havendo, assim, justificação para o Tribunal ter ignorado esta importante decisão da requerida sobre a sua vida.

  2. – Violou a norma contida no Artigo 139º do C.C. e também o disposto no Artigo 1931.º, nº 1, no qual, in fine, se realça a importância de escolher alguém que, efectivamente, preste cuidados e demonstre “afeição” pelo interditando.

  3. – Violou também o nº 2 do mesmo Artigo 1931º que demonstra que a vontade do menor e, por remissão do Art. 139º, também a do interditando, releva, devendo ser ouvido pelo Tribunal quanto à escolha do seu tutor, reconhecendo-se a sua autonomia e dignidade.

  4. – Igualmente foi ignorado o disposto no Art. 1935º, nº 1 do Código Civil.

  5. – O recurso adaptado às normas que regulam a incapacidade por menoridade, que é imposto pelo artigo 139º do Código Civil, implica que a tutela de maiores se exerça de modo a que seja dado espaço de realização à capacidade concreta do interdito.

  6. – Se, como no caso em apreço acontece, o adulto já não está em condições de manifestar a sua vontade livre esclarecida, não há como negar a relevância da sua vontade antecipadamente expressa.

  7. – A relevância da vontade antecipadamente expressa tem vindo a ser consagrada em diversas Convenções Internacionais outorgadas e ratificadas pelo Estado Português (Convenção de Oviedo - “A vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será tomada em conta.”; Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência).

  8. – A Lei nº 25/2012 de 16.07.2012 constitui outro exemplo evidente do reconhecimento, na ordem jurídica portuguesa, da vontade antecipadamente expressa, consagrando a faculdade de tomar decisões de saúde para valerem em futura e eventual situação de incapacidade.

  9. – A Doutrina da Alternativa Menos Restritiva (consagrada na Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa (2014) 2) entre outros, estabelece os seguintes princípios: respeito pelos desejos e sentimentos da pessoa visada (princípio n.º 9) e o direito a ser ouvido pessoalmente (princípio n.º 13).

  10. – Esta Recomendação destaca, de forma expressa, que as declarações de vontade antecipadas devem ser reconhecidas e reguladas de modo a assegurar a protecção dos interesses do indivíduo – futuramente – incapacitado (princípio n.º 2, parágrafo 7).

  11. – O Artigo 12.º da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência “vem reconhecer que o indivíduo com deficiência é um sujeito perante a lei, dotado de personalidade jurídica em pé de igualdade com os demais indivíduos, estipulando a preservação máxima da capacidade e a tomada de decisões participada, respeitando, como consagrado neste normativo, os “direitos, vontade e preferências” das pessoas.

  12. – Deste modo, “a Convenção vem facilitar um afastamento dos modelos decisórios ‘de substituição’ no sentido de sistemas de apoio concebidos de forma individualizada” (FRA, 2013: 9). Em suma, este documento consagra um conjunto de critérios que prometem transformar o modo de relacionamento entre a pessoa com deficiência e a sociedade em geral.” 14.– Em sintonia com o estabelecido nesta Convenção surge a Estratégia para o Idoso, plasmada na Resolução do Conselho de Ministros nº 63/2015, publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 165 — 25 de agosto de 2015, e que refere no número II (medidas), nº 3, alínea l) que “o tutelado deve ser previamente ouvido sobre a designação do tutor, salvo se a situação de incapacidade não o permitir, e deve ser acolhida a sua indicação da pessoa a designar como tutor, a menos que se revele contrária aos seus interesses”. Esta Resolução foi invocada pela ora recorrente no seu requerimento de 07.04.2017.

  13. – O conteúdo desta Estratégia é acolhido pelo Projeto de Lei n.º 61/XIII/1.ª (PSD e CDS-PP) – que propõe a 66.ª Alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, modificando o regime das incapacidades e seu suprimento, e adequação de um conjunto de legislação avulsa a este novo regime.

  14. – No que mais importa ao presente recurso, este Projeto de Lei prevê o seguinte: “Artigo 150° A quem incumbe a tutela: 1 - A tutela defere-se pela ordem seguinte: a) À pessoa singular ou à pessoa colectiva previamente indicadas pelo tutelando, em documento autêntico ou autenticado”(sublinhado nosso); E o nº 7 prevê: ” A não ser que a sua incapacidade o não permita, o tutelado deve ser previamente ouvido sobre a designação do tutor, devendo ser acolhida a indicação da pessoa que designe, a menos que tal designação se revele contrária aos seus interesses.” 17.– Ou seja, reconhece-se o Direito de a pessoa a interditar, escolher previamente, e também no decurso do processo, se a sua capacidade o permitir, quem irá exercer a sua tutela, como aliás está previsto no artigo 7º da Lei 38/2004 e também na RCM nº 63/2015, alínea l), nº 3, II.

  15. – O Tribunal a quo foi alheio a toda esta mudança de paradigma no que diz respeito à promoção da autonomia e da dignidade das pessoas com capacidade diminuída.

  16. – Permanecer agarrado à visão paternalista e patrimonialista plasmada nos Artigos 138º e seguintes do Código Civil, ou não aproveitar as janelas de oportunidade, como as contidas no Art. 143º, nº 2 ou no Art. 1931º do Código Civil, é injusto, violador dos Direitos Fundamentais (nomeadamente os previstos nos Artigos 13º e 26º da Constituição da República Portuguesa), das Convenções Internacionais ratificadas pelo Estado Português.

  17. – É ignorar as potencialidades do Direito (composto por Princípios, Valores e também normas) bem como a riqueza de hermenêutica jurídica.

  18. – É ignorar que a sociedade mudou e que as respostas jurídicas têm que acompanhar essas mudanças.

  19. – Enquanto a tão aguardada alteração dos Artigos do Código Civil que regulam as formas de suprimento da vontade, o que tornaria não só mais justa mas também mais fácil a aplicação do Direito, não acontece, cabe à ordem jurídica assegurar mecanismos jurídicos para a reintegração da pessoa incapaz como pleno sujeito na ordem jurídica e à Jurisprudência fazer uso dos mecanismos jurídicos já disponíveis e que acima se elencaram.

  20. – No caso concreto, tal não aconteceu. A sentença ignora, em absoluto, a vontade anteriormente expressa pela interditanda e baseia-se unicamente na opinião de 3 dos seus filhos mais velhos, algumas delas não isentas e outras baseadas em falsas acusações, conforme demonstrado.

  21. – E a requerida manifestou previamente a sua vontade, de forma clara, livre e esclarecida, conforme resulta do Instrumento Público lavrado a 30.01.2012 pela Notária Isaura ... (Doc. 6 junto à P.I.) com a presença, a pedido da declarante Maria José..., de dois peritos médicos (Dra. Raquel... e Dra. Isabel...), com o seguinte conteúdo: 25.– “Que expressa e solenemente declara, para os devidos efeitos, que tem perfeita autonomia para viver sozinha e independente, e, assim, não quer que ninguém se instale na sua...

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